INTRODUÇÃO
As neoplasias de mama são extremamente frequentes, representando importante causa
de
mortalidade na população feminina, com uma incidência de aproximadamente 1:8
mulheres. Conforme a OMS (Organização Mundial de Saúde), esta patologia pode ser
classificada em forma primária cutânea e forma primária sistêmica; o tipo cutâneo
tem apresentação indolente e sobrevida de 90% em 5 anos, enquanto o sistêmico
se
divide em ALK negativo (60-85% dos sistêmicos, com diagnóstico em idade média
de 58
anos e apresentação agressiva, que resulta em sobrevida de aproximadamente 40%
em 5
anos) e ALK positivo (diagnóstico com menos de 30 anos em média e sobrevida de
80%
em 5 anos)14. As pacientes com doença ALK
positivo costumam cursar com apresentação de seroma tardio, enquanto as com ALK
negativo apresentam massas sólidas. Os primeiros relatos de linfoma não-Hodgkin
com
sítio primário em região mamária datam de 1995 e 1997, quando, respectivamente,
Duvic, et al.7, descreveu
três casos de linfoma cutâneo de células T em mulheres com implantes mamários;
e,
Keech e Creech, em 19978, relataram a
existência de linfoma anaplásico de células T próximo a uma prótese salina.
OBJETIVO
O objetivo primário deste trabalho visa estudar a relação entre linfoma anaplásico
e
prótese mamária. Ademais, também almejamos, diante da literatura revisada, propor
uma conduta de acompanhamento as pacientes submetidas à mamoplastias de aumento,
mastopexias e reconstruções mamárias com o uso de próteses siliconadas, além de
uma
conduta frente aos casos suspeitos.
MÉTODO
Foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed, EMBASE e Web of Science.
Utilizou-se uma estratégia de busca específica para cada base de dados, porém
todas
com o mesmo refinamento de período (2012-2017).
Na base PubMed foi utilizada a estratégia de busca: (lymphoma, T-Cell OR
lymphoma*[tiab]) AND (breast implants/adverse effects OR silicone gels/adverse
effects OR silicones/adverse effects) OR breast AND (implant or implants or
prosthes* or endoprosthes*) AND lymphoma*; na Web of Science: (breast AND lymphoma*
AND implant* OR prosthes* OR endoprosthes* OR silicon*); e na EMBASE, (breast
AND
endoprosthesis/exp OR breast AND ‘t cell lymphoma’ OR lymphoma* NOT coronary stent
AND [2012-2017]/py).
Excetuaram-se estudos não relacionados a seres humanos.
RESULTADOS
A incidência estimada do LACG gira em torno de 1 a 3 em cada 1.000.000 de mulheres
por ano2. Sua prevalência segue incerta, uma
vez que a documentação de novos casos apresenta dificuldades devido à sua raridade
e
ainda pelos muitos casos não relatados ou duplamente publicados6. Nos Estados Unidos, não foi demonstrado excesso de linfoma
não-Hodgkin em mama na população com implantes mamários11.
Já em se tratando de fisiopatologia, são discutidas como possíveis causas isoladas
ou
associadas do LAGC a resposta inflamatória autoimune, o procedimento de texturização
das próteses e ainda a formação de um biofilme em seu entorno4,12,17,14,18 (Figuras 1, 2 e 3).
Figura 1 - Mama normal - 400x
Figura 1 - Mama normal - 400x
Figura 2 - Linfoma anaplásico de células grandes em mama - HE 400x.
Figura 2 - Linfoma anaplásico de células grandes em mama - HE 400x.
Figura 3 - Linfoma não Hodgkin difuso de células grandes B.
Figura 3 - Linfoma não Hodgkin difuso de células grandes B.
Sabe-se que, tradicionalmente, o risco para o desenvolvimento de neoplasias malignas
hematológicas se dá por fatores como genética, idade, sexo e exposição à radiação;
mais recentemente, entretanto, fatores como inflamação crônica e infecções foram
acrescentados a esta lista14. Neste âmbito, a
teoria relativa à inflamação crônica se justifica também por estudos que apontam
o
produto da degradação do poliuretano (substância presente na superfície das
próteses) como agente carcinogênico em ratos18. A superfície da prótese pode influenciar no desenvolvimento tumoral
de animais, porém originando sarcomas. Esta informação se faz relevante devido
à
semelhante origem embriológica mesodérmica dos linfomas e sarcomas20.
Quanto à teoria da formação do biofilme, esta justifica-se por um estudo de Adams,
et al., que contabilizou a quantidade de bactérias encontradas
na cápsula de próteses mamárias excisadas. Quando se comparou a quantidade de
bactérias da prótese associada à neoplasia com a contralateral da mesma paciente,
sem evidência de envolvimento neoplásico, (4,7 x 106
versus 7,6 x 105 bactérias
por mg de tecido mamário, respectivamente), ficou evidente a discrepância entre
as
culturas de ambas as mamas, levando a afirmar a possibilidade de envolvimento
de
biofilme na reação de gênese tumoral17.
Atualmente, a teoria que contempla fatores de todas as anteriores sugere que uma fase
linfoproliferativa antecede a fase maligna desta patologia, na qual ocorreria
reação
inflamatória autoimune induzida por uma infecção, o que resultaria na superexpressão
de CD30 e, consequente, recrutamento de células T. Aqui reside a semelhança entre
o
desenvolvimento de LACG na cutis e no seroma pericapsular16.
Em revisão, Kim B, et al., demonstrou que dentre os casos relatados
na literatura até 2011, 48% apresentaram seroma tardio (citologia para células
malignas positiva em 79% destes); 24%, massa palpável; 31% massa evidenciada na
cirurgia; 21% dor; 14% rubor; e, 7% contratura capsular2. O volume de seroma se situa entre 200 e 1000ml e a efusão
drenada é tipicamente fibrinóide13.
De surgimento anos após a colocação da prótese, a apresentação clínica desta
patologia é heterogênea - por vezes se dá por erupções cutâneas na região do
implante ou por lesões pré-Sézary, provenientes de ruptura da prótese com
consequente evolução para a própria síndrome de Sézary. Isso leva a crer que a
estimulação antigênica persistente deve estar envolvida com a fisiopatologia desta
doença11,32. Andrada
demonstrou que exames de imagem de ultrassonografia e ressonância magnética são
os
mais sensíveis para detectar efusões em torno de implantes. Entretanto, para massas
sólidas o PET-CT se mostrou mais sensível20.
A mamografia é efetiva em evidenciar alterações dos implantes mamários, como
espessamento e irregularidades da cápsula fibrosa, porém sua sensibilidade tanto
para detecção de massas quanto de efusões é inferior aos outros exames de
imagem12,16. Em comparação, para o diagnóstico de LAGC - entre
ultrassonografia, tomografia computadorizada, mamografia, PET-CT e ressonância
magnética - a maior sensibilidade para efusões é alcançada pela ultrassonografia
e
para massas pela ressonância magnética.
O diagnóstico costuma ser dado pelo exame patológico18. Não raro as efusões são paucibacilares, no que Wu sugere a análise
por citometria de fluxo2. O diagnóstico
diferencial entre LAGC e processos inflamatórios crônicos benignos não é difícil.
Enquanto a citologia de efusões periprotéticas benignas demonstra células
inflamatórias, o estado das efusões provenientes de LAGC demonstra células
linfóides, grandes, CD30 positivas, altamente atípicas e com expressão CD40
relativamente aumentada, ou, segundo Hoda, aglomerados de histiócitos e raros
aglomerados de células pleomórficas com núcleos irregulares e nucléolos
proeminentes1,20. Ainda no contexto histológico, um estudo
francês evidenciou que o LAGC ALK negativo pode apresentar dois subtipos
histológicos: in situ e infiltrativo, sendo o último o mais
agressivo e que necessita de terapias adicionais, além da remoção do implante16.
O American Joint Comitee on Cancer propõe o estadiamento desta
patologia no formato TNM onde: T representa a extensão do tumor, sendo T1 tumor
confinado à efusão ou à camada luminal pericapsular, T2 infiltração superficial
capsular, T3 infiltração capsular e T4 infiltração além da cápsula; N representa
a
invasão linfonodal, sendo N0 a ausência de envolvimento linfonodal, N1 o
envolvimento de 1 linfonodo regional e N2 o envolvimento de múltiplos linfonodos
locais; e M representa a existência de metástase, sendo M0 a ausência de metástase
e
M1 a presença em qualquer sítio15,13.
Até a data atual, não há consenso com relação ao tratamento do LAGC. Dentre as opções
recomendadas estão a excisão cirúrgica completa sem adjuvante; a radioterapia;
quimioterapia (CD30-alvo); e a quimioterapia neoadjuvante seguida de excisão
cirúrgica. O prognóstico é mais favorável naquelas que não apresentavam massa
palpável; nestes casos, Miranda, et al.
10, sugere que o tratamento conservador,
representado pela capsulectomia total, seria o mais adequado. Já as pacientes
com
tumor ou massa associada são candidatas a remoção da prótese, capsulectomia total
e
associação com alguma terapia sistêmica4,18. A remissão
parece ocorrer com maior frequência em pacientes com doença restrita à cápsula
fibrosa14. Estima-se que 30,6% das
pacientes apresentam recorrência, segundo revisão de 58 casos18 e que a sobrevida total seja de 12 anos, segundo revisão de
60 casos5. Felizmente, na minoria dos casos,
há apresentação tumoral sólida e, destas, apenas 17% morrem como resultado da
doença14.
Um dos parâmetros indispensáveis é a sua inclusão em Termos de Consentimento Livre
e
Esclarecido. Nestes, idealmente, não apenas a existência do seroma e a possibilidade
de neoplasia como complicações tardias do procedimento deveriam ser incluídas,
mas
também seus principais sinais e sintomas, de forma a promover maiores chances
de
diagnóstico precoce10,18. A ciência da paciente aos riscos que está
submetida e à possibilidade de futuras complicações e gastos com exames e tratamento
é um direito seu e, portanto, não deveria ser encoberta11. Surpreendentemente, a inclusão do LAGC nos termos de
consentimento ocorre sabidamente de forma majoritária em apenas 3 países - França,
Austrália e Alemanha -, sendo este último o país que alcança o maior índice de
inclusão, com 77,8%6.
DISCUSSÃO
Acreditamos na necessidade de adaptação dos termos de consentimento aplicados às
pacientes no momento pré-operatório, mencionando a ocorrência rara desta patologia.
Ademais, a redução dos riscos de infecção transoperatória e o acompanhamento da
paciente submetida à colocação de próteses mamárias também se mostram claramente
valiosos.
Na tentativa da redução da incidência de biofilme, deve-se ter em mente a crescente
virulência dos microrganismos, o que justifica maior atenção à profilaxia
antibiótica e medidas de cuidado especial no momento cirúrgico. Dentre as
recomendações propostas, destacamos a realização de hemostasia minuciosa; a troca
de
luvas ao manipular a prótese; o uso de luvas sem talco; o fechamento da incisão
em
camadas; a redução do uso de drenos; o uso de aspirador dentro da loja, em
detrimento ao uso de compressas16.
Para um apropriado seguimento das pacientes em uso de próteses mamárias as
recomendações são claras quanto a realização de exame físico bimanual anual de
mama
e exame de imagem - este preferencialmente bi ou trianual, a ser realizado com
ultrassonografia. Em casos de seroma tardio, deve-se considerar a suspeita de
LACG e
realizar punção aspirativa com pesquisa citológica, além de imunohistoquímica
para
ALK e CD30, a fim de definir prognóstico em caso de positividade para LACG.
De forma a colaborar com o levantamento de dados em relação à origem, ao melhor
tratamento e à verdadeira incidência do LAGC, os autores concordam com a proposição
do FDA que orienta a notificação ou o relato, na comunidade científica, de todos
os
casos.
CONCLUSÃO
Enquanto os cirurgiões plásticos aguardam respostas definitivas, é imprescindível
que
se tome conhecimento de todos os dados possíveis e que sejam aplicados os melhores
métodos para seu diagnóstico e tratamento. As recomendações da ASAPS e ISAPS incluem
rastreio ultrassonográfico a cada 3 anos em todas as pacientes submetidas a
implantes mamários e rastreio por ressonância magnética apenas nos casos
suspeitos.
Os autores se posicionam a favor da adequação dos Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de forma a alertar a população que deseja realizar aumento mamário,
além
de consultas anuais para revisão das próteses por exame físico e de orientações
sobre a busca imediata de atendimento médico em caso de seroma, e rastreio por
ultrassonografia e ressonância magnética em casos suspeitos.
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Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias
Kolling, Avenida Alberto Bins 456 Apto.21, Centro histórico, Porto
Alegre, RS, Brasil. CEP 90030-140. E-mail:
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