INTRODUÇÃO
Por sua localização, o nariz é uma área particularmente susceptível ao trauma e aos
tumores cutâneos não melanocíticos1,2. Isto faz com que
seja comum encontrar pacientes com deformidades nasais importantes que comprometem
a
estética facial e a função nasal. Sua posição no centro da face faz com que pequenas
assimetrias, cicatrizes e irregularidades sejam facilmente perceptíveis1,2,3.
Uma anatomia única com uma relação característica entre convexidades e concavidades
fazem da reconstrução um procedimento desafiador, que não só deve resultar numa
aparência estética satisfatória, como também, fornecer o suporte para restabelecer
a
permeabilidade e a função do nariz1,2,4.
Uma das subunidades do nariz é a asa nasal e têm-se descrito múltiplas técnicas para
sua reconstrução. Retalhos frontais, de avanço, nasolabiais e bilobados são algumas
das opções para a reconstrução da asa nasal5.
Porém, os resultados estéticos ainda não são os melhores, sendo necessário reoperar
os pacientes em até 3 oportunidades para alcançar resultados estéticos
aceitáveis2,6,7. Dentro das alternativas cirúrgicas, o enxerto composto condrocutâneo
é um dos métodos mais vantajosos, porque é possível reconstruir a cartilagem
estrutural, junto com a mucosa interna e a pele no mesmo tempo cirúrgico2,3,4.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é apresentar a experiência do Serviço de Cirurgia Plástica
do
Professor Ronaldo Pontes com o enxerto composto condrocutâneo auricular para a
reconstrução de asa nasal. Serão apresentados 3 casos de pacientes em diferentes
faixas etárias e com diferentes causas de deformidade de asa nasal, os quais foram
realizados enxertos compostos auriculares, conseguindo resultados estéticos e
funcionais favoráveis com um único procedimento.
Descrever o enxerto composto condrocutâneo auricular como uma alternativa para o
tratamento dos defeitos da asa nasal.
MÉTODO
Inicialmente são examinados o defeito nasal e a orelha do paciente, sendo criado em
material estéril, um molde com a forma, tamanho e contorno apropriados. A área
que
melhor corresponde ao contorno do defeito é identificada, sendo o enxerto muitas
vezes colhido da raiz da Hélix. A área doadora é fechada primariamente com pontos
simples com Nylon 5.0.
Posteriormente, é realizado a liberação da asa nasal desfazendo as aderências e
ressecando o tecido fibroso. Existindo uma mucosa viável é confeccionado um retalho
para cobrir parte do vestíbulo. Sucessivamente, é colocado o enxerto tendo cuidado
de não macerá-lo com a pinça de dissecção. É realizada a sutura do enxerto ao
leito
receptor com pontos simples de Nylon 6.0 na pele e Monocryl 6.0 na mucosa.
RESULTADOS
Caso 1
Paciente do sexo masculino, 4 anos, trazido pela mãe com deformidade em asa nasal
esquerda associada à dificuldade para respirar, após procedimento realizado por
otorrinolaringologista para tratamento de epistaxe.
No exame físico, evidenciou-se uma estenose importante do orifício nasal
esquerdo, com perda parcial de asa nasal e tecido cicatricial na borda livre
da
mesma, retraindo os tecidos em direção cranial. A columela e o septo nasal
estavam íntegros. Foi realizado um enxerto composto condrocutâneo na asa nasal
esquerda com tecido proveniente da raiz da Hélix esquerda (Figura 1).
Figura 1 - A. Coleta de enxerto composto da raiz da Hélix;
B. Posicionamento de enxerto composto em asa nasal
esquerda; C. Aspecto pós-operatório imediato.
Figura 1 - A. Coleta de enxerto composto da raiz da Hélix;
B. Posicionamento de enxerto composto em asa nasal
esquerda; C. Aspecto pós-operatório imediato.
O enxerto apresentou integração total no pós-operatório, sem evidenciar áreas de
sofrimento. Orelha e asa nasal cicatrizaram adequadamente sem ser necessário
reabordagem do paciente. A mãe do paciente ficou satisfeita com o resultado
estético e funcional da intervenção (Figura 2).
Figura 2 - A. Pós-operatório tardio: vista anterior;
B. Pós-operatório tardio: perfil esquerdo;
C. Pós-operatório tardio: vista inferior;
D. Pós-operatório 3 anos: vista anterior;
E. Pós-operatório 3 anos: perfil esquerdo;
F. Pós-operatório 3 anos: vista inferior.
Figura 2 - A. Pós-operatório tardio: vista anterior;
B. Pós-operatório tardio: perfil esquerdo;
C. Pós-operatório tardio: vista inferior;
D. Pós-operatório 3 anos: vista anterior;
E. Pós-operatório 3 anos: perfil esquerdo;
F. Pós-operatório 3 anos: vista inferior.
Caso 2
Paciente do sexo masculino, 21 anos, vítima de mordedura de cachorro. Apresentava
deformidade importante em ponta e asa nasal direita.
No exame físico, paciente evoluiu com perda da maior parte da asa nasal direita,
com comprometimento da ponta nasal e presença de tecido de granulação. A
columela exibia tecido de granulação em 50% de sua superfície. O restante estava
coberto por pele. O septo nasal estava íntegro (Figura 3).
Figura 3 - A. Pré-operatório: vista anterior; B.
Pré-operatório: perfil direito; C. Pós-operatório
tardio: vista anterior; D. Pós-operatório tardio:
perfil direito.
Figura 3 - A. Pré-operatório: vista anterior; B.
Pré-operatório: perfil direito; C. Pós-operatório
tardio: vista anterior; D. Pós-operatório tardio:
perfil direito.
Paciente foi submetido à reconstrução nasal com enxerto composto condrocutâneo na
asa nasal direita com tecido proveniente da raiz da Hélix direita.
O enxerto se integrou adequadamente no pós-operatório sem áreas de sofrimento.
Orelha e asa nasal cicatrizaram adequadamente sem ser necessário reabordagem
do
paciente. O paciente ficou satisfeito com o resultado estético e funcional da
intervenção.
Caso 3
Paciente do sexo masculino, 69 anos, tabagista, com antecedente de exposição
solar frequente e sem uso regular de protetor solar. Submetido anteriormente
a
múltiplos procedimentos cirúrgicos para ressecção de tumores cutâneos.
Compareceu ao serviço por apresentar lesão nodular, eucrômica, elevada com
telangiectasias em asa nasal direita (Figura 4A).
Figura 4 - A. Carcinoma basocelular em asa nasal direita;
B. Dermatoscopia mostrando vasos arboriformes,
crisálidas e pontos marrons acinzentados.
Figura 4 - A. Carcinoma basocelular em asa nasal direita;
B. Dermatoscopia mostrando vasos arboriformes,
crisálidas e pontos marrons acinzentados.
Paciente submetido há 10 anos à ressecção de lesão na mesma localização sem laudo
histopatológico prévio. Realizada dermatoscopia de lesão que sugeriu carcinoma
basocelular recidivado (Figura 4B).
Foi realizada ressecção do tumor da asa nasal direita através de cirurgia
micrográfica de Mohs até comprovação de margens histológicos livres, ficando
um
defeito de cobertura triangular, de 2cm aproximadamente, com comprometimento
do
80% da asa nasal direita e comprometimento da parede lateral nasal direita
(Figura 5A).
Figura 5 - A. Defeito de espessura total após ressecção de
tumor em asa nasal direita; B. Molde de acordo com o
tamanho do defeito em asa nasal direita; C. Molde
colocado na raiz da Hélix direita para marcação e confecção de
enxerto composto; D. Enxerto composto posicionado e
suturado em asa nasal direita.
Figura 5 - A. Defeito de espessura total após ressecção de
tumor em asa nasal direita; B. Molde de acordo com o
tamanho do defeito em asa nasal direita; C. Molde
colocado na raiz da Hélix direita para marcação e confecção de
enxerto composto; D. Enxerto composto posicionado e
suturado em asa nasal direita.
Posteriormente, foi realizado um enxerto composto condrocutâneo na asa nasal
direita com tecido proveniente da raiz da Hélix direita (Figuras 5B, 5C e 5D).
A orelha cicatrizou adequadamente. Houve uma integração parcial do enxerto com
sofrimento distal do mesmo. Paciente apresentou depois formação de tecido
cicatricial com retração cranial da asa nasal.
Os resultados funcionais foram aceitáveis e os resultados estéticos limitados
pela epidermólise distal do enxerto (Figura 6).
Figura 6 - A. Defeito de cobertura em parede nasal direita após
ressecção de carcinoma basocelular; B. Aspecto
pós-operatório tardio de enxerto composto auricular em asa nasal
direita.
Figura 6 - A. Defeito de cobertura em parede nasal direita após
ressecção de carcinoma basocelular; B. Aspecto
pós-operatório tardio de enxerto composto auricular em asa nasal
direita.
DISCUSSÃO
Para reconstrução das asas nasais são descritas múltiplas alternativas, sendo os
retalhos locais os procedimentos mais frequentemente utilizados8. Porém, como descrito por vários autores, a maioria dos
pacientes precisa de sucessivos tempos cirúrgicos para conseguir resultados
estéticos e funcionais satisfatórios9.
Mais recentemente surgiu o retalho livre auricular baseado nos vasos temporais
superficiais para a reconstrução de grandes defeitos de asa e parede lateral nasal.
Entretanto, este é um procedimento muito mais complexo, com custos elevados que
requer um microcirurgião experiente6.
O enxerto composto auricular surge como uma alternativa para a reconstrução de
defeitos da asa nasal, que gera mínima morbidade na área doadora sem comprometimento
estético da orelha. É um procedimento facilmente reprodutível com bom resultado
estético10,11.
Deve ser colocado em uma área bem vascularizada, sendo suturado e imobilizado com
cuidado. Como a literatura recomenda, o ideal é que o tamanho do enxerto seja
de até
1.5cm10. No terceiro caso apresentado, o
tamanho do enxerto de 2cm associado ao tabagismo, foram os motivos pelos quais
o
enxerto teve sofrimento distal com a deformidade já descrita como consequência.
A raiz da Hélix é uma excelente área doadora do enxerto visto que a cicatriz fica
imperceptível, embora existam outras descrições na literatura com o uso da concha,
rebordo da Hélix e do lóbulo da orelha em procedimentos de reconstrução de asa
nasal12,13.
Os enxertos compostos na asa nasal inicialmente têm uma aparência pálida ou isquêmica
(Figura 5D). Progressivamente mudam para
uma coloração mais azulada, durante os primeiros 3 dias, e é a partir do
5º dia, que é possível evidenciar uma coloração rosa a medida que a
vasculatura melhora. Alguns autores recomendam o uso de compressas geladas nas
primeiras 48 horas para diminuir as necessidades metabólicas do enxerto12.
CONCLUSÃO
As deformidades nasais têm uma prevalência importante devido aos tumores cutâneos
e
aos traumatismos frequentes nesta região. A reconstrução nasal é um desafio para
os
cirurgiões plásticos na atualidade, devido às características anatômicas do nariz,
cor e textura da pele, revestimento vascular e o suporte cartilaginoso.
Este procedimento tem como objetivo recuperar uma aparência estética agradável, mas
também recobrar sua função de fluxo e umidificação do ar. O enxerto composto
auricular é uma alternativa que oferece resultados estéticos excelentes para
defeitos de asa nasal menores que 1.5cm.
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1. Hospital Niterói D’Or, Niterói, RJ, Brasil.
Endereço Autor: Luis Alejandro Vargas Guerrero, Rua
Dom Bosco 111. Apto 203. Niterói, RJ, Brasil. CEP 24220-390. E-mail:
luisvargas15@hotmail.com