INTRODUÇÃO
A calcinose escrotal idiopática (CIE) é considerada uma condição rara e com poucos
casos descritos na literatura mundial. Ela consiste em múltiplos nódulos
calcificados, de consistência pétrea, na pele da bolsa escrotal. Normalmente, atinge
homens jovens e não costuma trazer sintomas (dor, edema, rubor, etc.), bem como não
cursar com níveis séricos de cálcio e fosfato aumentados. Ainda não possui
fisiopatologia definida, embora existam diversas hipóteses1. Histopatologicamente, a CIE é caracterizada pela presença de
depósitos de cálcio na derme circundados por uma reação granulomatosa do tipo corpo
estranho2. Atualmente, a exérese cirúrgica
ainda é a escolha terapêutica e proporciona resultados satisfatórios, apesar do
desconhecimento - e das controvérsias - da origem dessa afecção. Assim,
descreveremos um caso de calcinose escrotal idiopática atendido no Serviço de
Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas -
RS.
RELATO DO CASO
M.D.A., 30 anos, sexo masculino, apresentando múltiplos nódulos endurecidos em região
escrotal, com aproximadamente 15 anos de evolução, com crescimento lento e indolor
(Figura 1). Queixa principalmente da
estética local, onde referiu dificuldade em relações íntimas devido ao aspecto das
lesões. Sem histórico de doença metabólica, autoimune ou neoplásica. Não manifestava
sintomas associados, negava trauma e/ou lesões prévias no escroto, negando também
quaisquer comorbidades.
Figura 1 - Presença de múltiplos nódulos calcificados na região anterior da
bolsa escrotal com evolução de 15 anos.
Figura 1 - Presença de múltiplos nódulos calcificados na região anterior da
bolsa escrotal com evolução de 15 anos.
Até ser encaminhado ao serviço de Cirurgia Plástica, fez uso de cremes contendo
clobetasol e betametasona (não simultâneos) diversas vezes, porém sem efeito. Ao
exame físico direcionado, apresentava escroto de tamanho e consistência normal, com
diversos nódulos de tamanhos variados, com consistência pétrea e de coloração
branca/amarelada na pele, encobertos por epitélio.
Foram solicitadas dosagens séricas de cálcio e fósforo, com resultados dentro da
normalidade.
Técnica Cirúrgica
Sob anestesia local, a cirurgia foi realizada com uma dissecção fina no plano
existente entre a derme e o músculo dartoico. Os nódulos calcificados não
possuíam separação anatômica, necessitando a ressecção da epiderme escrotal ao
redor de forma única. Foram separadas as peças para análise anatomopatológica e
então realizado descolamento para aproximação das bordas, possibilitando o
fechamento primário com sutura simples com mononylon 3-0.
Paciente apresentou boa evolução cirúrgica e sem intercorrências. Obteve
resultado estético satisfatório (Figura 2)
e não demonstrou alterações funcionais.
Figura 2 - Resultado de ressecção com fechamento primário dos nódulos
calcificados com 6 meses de pós-operatório.
Figura 2 - Resultado de ressecção com fechamento primário dos nódulos
calcificados com 6 meses de pós-operatório.
DISCUSSÃO
A CIE pode ser de 3 formas: metastática, distrófica e idiopática. Na metastática
temos níveis séricos de cálcio e fósforo aumentados. Na distrófica os níveis de
fósforo e cálcio estão normais, porém condições locais como inflamação favorecem a
formação de depósito de cálcio. Na idiopática, não existem alterações laboratoriais,
bem como não é relatado histórico de trauma anterior. É uma afecção rara, com cerca
de 200 casos descritos até o momento3.
Lewinski, em 1883, descreveu pela primeira vez essa condição. A CIE é uma condição
benigna rara que cursa com nódulos múltiplos, assintomáticos e indolores na parede
da pele escrotal4. A CIE ocorre principalmente
no início da idade adulta, de início insidioso, sem qualquer distúrbio sistêmico do
metabolismo cálcio/fósforo.
Os nódulos do CIE são tipicamente branco-amarelados ou escuros, consistindo em
nódulos agrupados ou individuais do número variável, como depósitos de cálcio e
fosfato na pele escrotal. Os nódulos geralmente são firmes e assintomáticos, mas
podem causar coceira ou dor, e o paciente pode apresentar extrusão de material como
“giz branco” após um episódio de infecção dos nódulos2.
A etiologia tem sido assunto de longo prazo, com muita controvérsia. Inicialmente,
acreditava-se que o CIE era causada por um patógeno, porém não há elementos
celulares, lipídios ou organismos dentro dos nódulos calcificados que justificassem
tal condição. Contudo, alguns estudos posteriores sugerem que a CIE tem sua origem
na calcificação distrófica de cistos epidermoides5.
Revisões recentes afirmam que a calcinose escrotal pode resultar de inflamação da
epiderme, com formação de cistos dérmicos seguidos de calcificação distrófica no
interior, com migração de queratina do cisto ou derme adjacente a uma parede celular
rompida. Outros apoiam a teoria do cisto de inclusão epidérmica desempenhando um
papel importante na patogênese da doença6.
Recentemente, Pabuccuoglu et al. relataram que a degeneração e necrose do músculo
dartos são os fatores mais importantes no processo desta patologia. Além disso, foi
sugerido que um trauma de menor impacto desempenha um papel importante como ponto
de
partida para a calcificação distrófica3.
Histologicamente, o CIE é caracterizado pela presença de depósitos de cálcio que são
variáveis dentro da derme, muitas vezes cercados por uma reação granulomatosa do
tipo corpo estranho (Figura 3).
Figura 3 - Histopatologia do nódulo ressecado corado com hematoxilina e eosina
evidenciando presença de cálcio no interior do nódulo e ausência de
invólucro epitelial, característico de calcinose escrotal. Na imagem A,
aumento de 10X, e na B, aumento de 100X.
Figura 3 - Histopatologia do nódulo ressecado corado com hematoxilina e eosina
evidenciando presença de cálcio no interior do nódulo e ausência de
invólucro epitelial, característico de calcinose escrotal. Na imagem A,
aumento de 10X, e na B, aumento de 100X.
Alguns cistos revelam calcificação do conteúdo de queratina, com pouca evidência de
inflamação ativa. Essas lesões foram atribuídas como cistos sebáceos, esteatocistoma
calcificado, fibroma, ateroma e xantoma. Estudos prévios que revisaram os dados
histológicos não encontraram evidência de revestimento epitelial, cistos residuais
e
lipídios nos organismos e concluíram que a calcificação era idiopática, introduzindo
o termo calcinose escrotal idiopática2. A
maioria dos casos é assintomática e os pacientes geralmente procuram orientação
médica por razões estéticas, como no nosso caso. A excisão total é um tratamento de
escolha, e o fechamento primário quase sempre é possível, pois a pele escrotal é
bastante flexível.
CONCLUSÃO
Embora existam etiologias suspeitas, a CIE ainda é considerada como idiopática,
portanto, a investigação de uma possível causa para o desenvolvimento de calcinose
idiopática escrotal deve continuar. Além disso, os bons resultados estéticos obtidos
com a ressecção e fechamento primário são fatores importantes que incrementam a
indicação cirúrgica, sendo o procedimento realizado por um profissional capacitado
e
com conceitos de cirurgia plástica presentes em sua rotina.
COLABORAÇÕES
FPR
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação
final do manuscrito, coleta de dados, conceitualização, concepção e
desenho do estudo, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia,
realização das operações e/ou experimentos, redação - revisão e edição,
supervisão.
|
MAB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo,
gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das
operações e/ou experimentos, redação - revisão e edição, supervisão,
visualização.
|
PHOB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo,
gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das
operações e/ou experimentos, redação - revisão e edição, supervisão,
visualização.
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FSTR
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo,
gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das
operações e/ou experimentos, redação - revisão e edição, supervisão,
visualização.
|
REFERÊNCIAS
1. Solanki A, Narang S, Kathpalia R, Goel A. Scrotal calcinosis:
pathogenetic link with epidermal cyst. BMJ Case Rep.
2015;2015:pii:bcr2015211163. DOI:
https://doi.org/10.1136/bcr-2015-211163
2. Parlaktaş BS, Uluocak N, Köseoğlu RD, Erdemir F, Sezer E.
Idiopathic scrotal calcinosis: A rare scrotal skin disorder. J Ankara Univer Fac
Med. 2005;58(1):20-2.
3. Dubey S, Sharma R, Maheshwari V. Scrotal calcinosis: idiopathic or
dystrophic? Dermatol Online J. 2010;16(2):5.
4. Akosa AB, Gilliland EA, Ali MH, Khoo CT. Idiopathic scrotal
calcinosis: a possible aetiology reaffirmed. Br J Plast Surg. 1989;42(3):324-7.
PMID: 2667677 DOI: https://doi.org/10.1016/0007-1226(89)90155-0
5. Shah V, Shet T. Scrotal calcinosis results from calcification of
cysts derived from hair follicles: a series of 20 cases evaluating the spectrum
of changes resulting in scrotal calcinosis. Am J Dermatopathol.
2007;29(2):172-5. DOI:
https://doi.org/10.1097/01.dad.0000246465.25986.68
6. Khallouk A, Yazami OE, Mellas S, Tazi MF, El Fassi J, Farih MH.
Idiopathic scrotal calcinosis: a non-elucidated pathogenesis and its surgical
treatment. Rev Urol. 2011;13(2):95-7.
1. Universidade Federal de Pelotas, Departamento
de Cirurgia Plástica, Pelotas, RS, Brasil.
2. Hospital Ernesto Dornelles, Departamento de
Cirurgia Geral, Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente: Fernando Passos da Rocha,
Praça Piratinino de Almeida, 13,Centro, Pelotas,Rio Grande do Sul, Brasil. CEP
96015-360. E-mail: fprocha.sul@terra.com.br
Artigo submetido: 10/08/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Instituição: Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
Conflitos de interesse: não há.