INTRODUÇÃO
A lesão por queimadura é um tipo de injúria que ocorre predominantemente no ambiente
domiciliar, especialmente na cozinha, acometendo em geral crianças. As queimaduras
podem resultar em lesões significativas que, algumas vezes, evoluem com problemas
psicológicos e até mesmo sociais para a paciente, sua família e pessoas de seu
convívio, além de poder ocasionar cicatrizes, contraturas e outros, que limitam a
função física e alteram a qualidade de vida. A mastopexia com implantes, além de
melhorar o grau de ptose da mama, pode fornecer material necessário à enxertia de
pele. Pacientes femininas com presença de sequelas de queimaduras em face podem se
beneficiar da enxertia cutânea autóloga mama-face.
OBJETIVOS
Quando é necessário cobrir defeitos de face frequentemente preferem-se enxertos de
espessura total. Geralmente, as áreas doadoras, nesses casos, são obtidas de regiões
como: couro cabeludo, pescoço, regiões pré e pós-auricular, sulco nasolabial, região
supraclavicular e pálpebras. O objetivo desse trabalho é relatar e observar o
resultado de reconstrução de sequela de queimadura em face com enxerto de espessura
total obtido de lugar atípico, no caso, da mama, após realização de mastopexia.
RELATO DE CASO
O caso relatado foi atendido pela autora do trabalho no Serviço de Cirurgia Plástica
Prof. Ronaldo Pontes. Paciente do sexo feminino, 27 anos, residente em Niterói, RJ,
natural do Rio Grande do Norte, foi atendida para consulta de avaliação após sequela
de queimadura em face. Aos 3 anos, a paciente sofreu queimaduras ocasionadas por
fogo após jogar uma garrafa de álcool na churrasqueira. Apresentou lesões em face,
região cervical e perna esquerda.
Evoluiu com retração cicatricial nas áreas nobres afetadas, vindo procurar ajuda da
cirurgia plástica 24 anos após o acidente (Figura 1).
Figura 1 - Face no pré-operatório mostrando as sequelas por queimadura na
infância.
Figura 1 - Face no pré-operatório mostrando as sequelas por queimadura na
infância.
Nesse período apresentou-se também com queixa de ptose mamária e um nódulo em mama
esquerda, diagnosticado há 2 meses (Figura 2).
A paciente foi internada para a realização do procedimento cirúrgico. Inicialmente,
foi realizada mastopexia com inclusão de implantes mamários, associada à ressecção
de pele e exérese de nódulo em mama esquerda, que foi enviado para estudo
anatomopatológico.
Figura 2 - Mama no pré-operatório mostrando flacidez, assimetria e ptose. Área
doadora do enxerto de espessura total.
Figura 2 - Mama no pré-operatório mostrando flacidez, assimetria e ptose. Área
doadora do enxerto de espessura total.
Em seguida, foi realizada a inclusão de implante de silicone poliuretano de 155ml
bilateralmente. Nesse procedimento foi retirado o enxerto de pele de espessura total
da mama que, após preparado adequadamente, permaneceu conservado em soro fisiológico
0,9% até a confecção do leito receptor (Figura 3).
Figura 3 - Leito receptor preparado para enxertia.
Figura 3 - Leito receptor preparado para enxertia.
Na face, foi realizada exérese das cicatrizes por queimadura em região mandibular
até
pré-auricular e da cicatriz em mento, com preparo de um leito receptor com aspecto
favorável à enxertia. Seguiu-se com a fixação do enxerto autólogo de pele mama-face
nas áreas receptoras (Figura 4). No final do
procedimento, foi realizado o curativo oclusivo de Brown. O resultado
histopatológico do nódulo mamário esquerdo comprovou mastopatia adenofibrosa e das
cicatrizes ressecadas apenas proliferação cicatricial de fibras colágenas. A
evolução foi boa e os resultados estéticos após 5 anos, tanto da área doadora como
da receptora, foram satisfatórios (Figura 5).
Figura 4 - Enxerto de espessura total proveniente da mama já fixado no leito
receptor em face.
Figura 4 - Enxerto de espessura total proveniente da mama já fixado no leito
receptor em face.
Figura 5 - Pós-operatório no 5º ano após realização da enxertia cutânea autóloga
mama-face mostrando resultado estético satisfatório.
Figura 5 - Pós-operatório no 5º ano após realização da enxertia cutânea autóloga
mama-face mostrando resultado estético satisfatório.
Os resultados obtidos no enxerto autólogo mama-face em paciente feminina submetida
à
mastopexia com implantes no mesmo tempo cirúrgico da correção de sequelas de
queimadura em face foram satisfatórios. Pode-se observar melhora importante no
padrão da cicatriz na face (Figura 5), com
diminuição de discromia e retração cicatricial.
DISCUSSÃO
A queimadura é, ainda hoje, considerada como a mais devastadora agressão a que o ser
humano pode ser exposto, incluindo cicatrizes físicas e psicológicas, além de
alterações metabólicas e funcionais1,2. A incidência de
sequela de queimaduras é cada vez maior, talvez em decorrência da sobrevida da fase
aguda que vem aumentando nos últimos anos3. No
Brasil, representam a quarta causa de óbitos, por acidentes em crianças, e a sétima
em admissão hospitalar4. O procedimento
padrão, como primeira opção, para cobertura de defeitos de espessura total da pele
causada por trauma ou cirurgia é o enxerto cutâneo autólogo5.
A enxertia de pele é a transferência de células de pele autóloga, que é deixada em
ordem anatômica, mas sem suprimento sanguíneo intacto. Três fases de integração dos
enxertos são comumente descritas: (1) embebição plasmática, (2) revascularização e
(3) maturação. Durante a embebição plasmática, nos primeiros dias, antes que o
enxerto se revascularize, o oxigênio e nutrientes difundem-se pelo plasma entre o
enxerto e o leito da ferida, nutrindo-o. Essa absorção passiva de plasma no leito
da
ferida causa edema, que é solucionado quando a revascularização está funcional. A
revascularização é fundamental para a sobrevivência dos enxertos de pele a longo
prazo. Esse processo já se inicia em 24-48h após a enxertia, sendo que a
neovascularização se caracteriza pelo crescimento de vasos novos no enxerto a partir
da área receptora.
Enxertos de pele levam pelo menos um ano para completa maturação, e a extensão desse
processo continua por vários anos em vítimas de queimadura. As cicatrizes de pele
podem continuar a melhorar durante vários anos, o que faz com que, em geral, se
considere o tratamento conservador prolongado. A fase de remodelação da cicatrização
da ferida é a mais longa, com duração de vários meses até anos6.
A qualidade do leito da ferida é extremamente importante para a integração
bem-sucedida dos enxertos de pele, sendo que muitas vezes podem permitir
reconstrução funcional e estética da pele. A quantidade esperada de contração da
ferida é inversamente proporcional à quantidade de derme no enxerto de pele.
Enxertos de pele total que contêm toda epiderme e derme, como o usado na paciente
do
relato, restringem maximamente forças contráteis e dão resultados cosméticos
excelentes. As principais complicações relacionadas à enxertia de pele são:
hematoma, seroma, infecção, falha na integração e contração da ferida6.
Historicamente, a face é considerada de difícil tratamento no pós-queimadura
imediata7, por diversos fatores:
dificuldade na avaliação da profundidade, valor de cada milímetro preservado e
alguns resultados iniciais decepcionantes com a excisão precoce e enxertia uniforme
com pele de espessura fina8. As complicações
das queimaduras faciais podem ser infecção, retrações cicatriciais e comprometimento
das estruturas da face, como pálpebras, nariz e lábios9.
Contraturas da região cervical causam consideráveis problemas, incluindo restrição
de
grande variedade de movimentos e aparência estética prejudicada10. Já os procedimentos estéticos da mama normalmente são
divididos em mamoplastia de aumento, mamoplastia redutora e mastopexia.
O objetivo principal é melhorar a forma, simetria e volume das mamas. A cirurgia
mamária é realizada com intuito de preservar o suprimento sanguíneo do complexo
areolopapilar11. Muitas técnicas e
refinamentos têm sido apresentados nas últimas décadas, com objetivos de tratamento
de diferentes tipos e graus de ptose, hipomastia e hipertrofia, aumentando a
popularidade deste procedimento no período12-14.
Nesse trabalho é relatado o resultado de reconstrução de face com enxerto de pele
autólogo de espessura total mama-face após mastopexia com implante, evoluindo com
resultados estéticos satisfatórios.
CONCLUSÃO
Nesse trabalho foi relatado o uso de enxerto de espessura total proveniente de local
atípico. No mesmo tempo cirúrgico foi realizada a enxertia em face da pele de
espessura total proveniente da mama. Pacientes do sexo feminino com sequelas de
queimadura em face e com história de ptose mamária podem se beneficiar da enxertia
cutânea autóloga mama-face após a realização de mastopexia com implante.
COLABORAÇÕES
GHP
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Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do
projeto, metodologia, redação - preparação do original, redação -
revisão e edição, supervisão, visualização.
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CTRP
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Análise e/ou interpretação dos dados, coleta de dados, concepção e
desenho do estudo, metodologia, redação - preparação do original,
redação - revisão e edição, visualização.
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FSMCF
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Coleta de dados, redação - preparação do original, visualização.
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MRLP
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Análise e/ou interpretação dos dados, redação - preparação do original,
visualização.
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CABP
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Análise e/ou interpretação dos dados, redação - preparação do original,
visualização.
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LAVG
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Análise e/ou interpretação dos dados, redação - preparação do original,
redação - revisão e edição, visualização.
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REFERÊNCIAS
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1. Serviço de Cirurgia Plástica Prof. Ronaldo
Pontes, Hospital Niterói Dor, Niterói, RJ, Brasil.
Autor correspondente: Gisela Hobson Pontes, Avenida
Epitácio Pessoa, 846, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 22410-090.
E-mail: giselapontes@uol.com.br
Artigo submetido: 10/09/2018.
Artigo aceito: 04/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.