INTRODUÇÃO
O processo estiloide (PE) é uma protrusão do osso temporal, com direção inferior,
anterior e medial. Localiza-se entre o ângulo da mandíbula e o processo mastóideo,
posteriormente à fossa tonsilar e lateralmente à faringe. Possui relação anatômica
com as artérias carótidas, veia jugular interna e nervos facial, glossofaríngeo,
vago e hipoglosso1,2.
A síndrome de Eagle define-se como uma condição rara de alongamento sintomático do
PE
(comprimento acima de 2,5cm) ou a mineralização dos ligamentos estilo-hioídeo ou
estilomandibular2. Em 1937, o
otorrinolaringologista Watt Weems Eagle descreveu a síndrome, tendo relatado mais
de
200 casos1,2. Sua incidência varia de 1,4 a 30%, acometendo mais mulheres
que homens, com faixa etária de 20 a 40 anos. O alongamento bilateral é comum, mas
a
sintomatologia bilateral é incomum1-5.
Sua etiologia não é totalmente conhecida, sendo aceitas algumas hipóteses: origem
congênita; calcificação parcial/completa do ligamento estilo-hioídeo; trauma seguido
de hiperplasia reacional; metaplasia dos resquícios do 2o arco branquial; etc2.
Os sintomas são inespecíficos, como sensação de globus faríngeo
(55%), dor de garganta recorrente (40%), otalgia bilateral reflexa (40%), cefaleia
(25%), carotidinia (20%), redução da mobilidade cervical e dor à abertura da boca,
dentre outras. Os sintomas surgem ou pioram à deglutição, à mastigação, aos
movimentos de língua, à rotação da cabeça ou à palpação da fossa tonsilar. Sendo
inespecíficos, podem ser confundidos por outras condições, como dor miofacial, de
origem dentária, na articulação temporomandibular, entre outras2,4,5.
O diagnóstico baseia-se na anamnese detalhada do paciente. Na propedêutica, a
radiografia constitui-se de um recurso limitado devido à possibilidade de
sobreposição de imagens. O padrão-ouro é a tomografia computadorizada com
reconstrução 3D, a qual fornece anatomia detalhada da região, possibilitando a
programação cirúrgica. Outra forma de suspeição diagnóstica é a melhora temporária
da dor após anestesia local, com retorno da sintomatologia após término do efeito
anestésico1,2,6,7.
Existem diferentes abordagens para o tratamento da síndrome, incluindo as modalidades
farmacológica, cirúrgica ou associação de ambas. Em relação ao tratamento
conservador, pode ser feito com fisioterapia, analgésicos, antidepressivos,
anticonvulsivantes, corticoides e até mesmo infiltração local com anestésico
associado a hidrocortisona1-4,7-9. Contudo, alguns
pacientes necessitam de uma intervenção cirúrgica para melhora do quadro e esta pode
ser feita de duas maneiras: (1) abordagem intraoral e (2) abordagem
transcervical.
Por fim, o seguimento ainda não é bem estabelecido. Os acompanhamentos variam desde
consultas semanais, com espaçamento progressivo entre elas, até consultas
mensais.
RELATO DE CASO
E.L.C., 35 anos, sexo feminino, procura o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital
Felício Rocho, em Belo Horizonte, MG, após já ter se consultado com diferentes
especialistas da área da saúde, sem sucesso. Queixa cervicalgia bilateral há 3 anos,
principalmente à esquerda, associada a cefaleia e sensação de corpo estranho na
faringe. Relata ainda piora da sintomatologia durante abertura da boca e à
deglutição, com melhora parcial após analgesia simples, sem remissão completa dos
sintomas. Passado de neoplasia cerebral em transição cerebral frontotemporal
direita, com posterior ressecção cirúrgica. Nega cirurgias orofaríngeas prévias.
Paciente usuária de inúmeros medicamentos, incluindo anticonvulsivantes e
analgésicos potentes.
Em tomografia computadorizada (TC) do pescoço com reconstrução 3D (Figuras 1 e 2), foram evidenciadas calcificações dos ligamentos estilo-hioídeos
bilaterais, mais evidente à esquerda, levantando a suspeita para o diagnóstico de
síndrome de Eagle.
Figura 1 - TC de pescoço. Ligamento estilo-hioídeo esquerdo alongado.
Figura 1 - TC de pescoço. Ligamento estilo-hioídeo esquerdo alongado.
Figura 2 - Reconstrução da TC de pescoço (visões frontal, oblíqua esquerda e
oblíqua direita, respectivamente). Ligamentos estilo-hioídeos
calcificados.
Figura 2 - Reconstrução da TC de pescoço (visões frontal, oblíqua esquerda e
oblíqua direita, respectivamente). Ligamentos estilo-hioídeos
calcificados.
Assim, levando em consideração a recidiva da sintomatologia, apesar do uso rotineiro
dos medicamentos (sem sucesso total), foi decidido conjuntamente com a paciente
sobre a realização do procedimento cirúrgico. A paciente foi orientada sobre os
riscos e benefícios do tratamento invasivo.
Em março de 2018, a paciente foi submetida, sob anestesia geral, à cervicotomia
exploradora bilateral, com ressecção de, aproximadamente, 3cm dos ligamentos
estilo-hioídeos calcificados (Figuras 3 a 7). Evoluiu sem complicações cirúrgicas, com
proposta de seguimento eletivo mensal.
Figura 3 - Cervicotomia à esquerda. Ligamento estilo-hioídeo calcificado
reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.
Figura 3 - Cervicotomia à esquerda. Ligamento estilo-hioídeo calcificado
reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.
Figura 4 - Cervicotomia à esquerda. Ligamento estilo-hioídeo calcificado
reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.
Figura 4 - Cervicotomia à esquerda. Ligamento estilo-hioídeo calcificado
reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.
Figura 5 - Produto da ressecção de parte do ligamento calcificado esquerdo.
Figura 5 - Produto da ressecção de parte do ligamento calcificado esquerdo.
Figura 6 - Cervicotomia à direita. Ligamento estilo-hioídeo calcificado reparado
com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.
Figura 6 - Cervicotomia à direita. Ligamento estilo-hioídeo calcificado reparado
com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.
Figura 7 - Produto da ressecção de parte do ligamento calcificado direito.
Figura 7 - Produto da ressecção de parte do ligamento calcificado direito.
DISCUSSÃO
A síndrome de Eagle é uma condição rara, a qual se deve ter bastante suspeição, o
que
faz com que a maioria dos pacientes procurem diversos profissionais antes de ter seu
diagnóstico estabelecido, como a paciente relatada.
Durante sua descrição, Eagle observou dois tipos da síndrome: (1) a síndrome
Clássica, caracterizada por globus faríngeo, disfagia, odinofagia,
otalgia reflexa ipsilateral ou dor retromandibular, geralmente iniciados após uma
tonsilectomia, secundário à trauma local; e (2) a síndrome da Artéria Carotídea, que
ocorre independente de cirurgias prévias na região, ocasionada por uma irritação
mecânica local, com consequente estimulação do plexo simpático das carótidas. Apesar
de possuir dois espectros sindrômicos definidos, em alguns casos, assim como este
relatado, pode ocorrer sobreposição dos espectros e, não raro, diagnósticos errôneos
de desordens de cabeça e pescoço.
Para propedêutica, foi solicitada a TC com reconstrução 3D, visto ser o padrão-ouro.
Este exame nos permitiu visualizar o alongamento do processo estiloide e a
calcificação dos ligamentos estilo-hioídeo, além de podermos programar nossa
abordagem cirúrgica.
Em relação ao tratamento, este deve ser definido em conjunto com o paciente, seja
ele
conservador ou cirúrgico, sempre levando em consideração a maior expertise do
profissional na modalidade escolhida para o tratamento, além de respeitar as
expectativas do paciente. Quando opta-se pela técnica cirúrgica, ela pode ocorrer
via intraoral ou transcervical. No caso, optou-se pela abordagem cirúrgica
transcervical; decisão conjunta do cirurgião e da paciente ao se pesar riscos e
benefícios da técnica.
Esta tem como vantagens a exposição adequada das estruturas cervicais, com
consequente excisão satisfatória do estiloide, o melhor controle de possíveis lesões
vasculares, menor perda sanguínea, além de ser uma técnica estéril. Porém, a
deformidade estética é tida como a principal desvantagem, além do maior tempo
cirúrgico, da possibilidade de parestesias cutâneas e da necessidade de anestesia
geral para que ela ocorra1-3.
Por fim, o seguimento ainda é variável. Alguns autores realizam o seguimento semanal
por 2 meses, quinzenal pelos 2 meses seguintes e mensal nos demais meses, enquanto
outros realizaram o seguimento apenas no primeiros 2 meses, com alta após esse
período. Nossa proposta foi realizar o acompanhamento mensal da paciente desde o
primeiro retorno2.
COLABORAÇÕES
HBF
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Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, redação - preparação do original, redação - revisão e
edição.
|
SMC
|
Aprovação final do manuscrito, conceitualização, concepção e desenho do
estudo, redação-revisão e edição, supervisão.
|
LCJ
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação
final do manuscrito, coleta de dados, redação - preparação do original,
redação - revisão e edição.
|
REFERÊNCIAS
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styloid process syndrome or Eagle’s syndrome. J Craniomaxillofac Surg.
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2009;13(3):145-51. DOI:
https://doi.org/10.1007/s10006-009-0164-6
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Novel Surgical Approach to Eagle Syndrome. J Oral Maxillofac Surg.
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https://doi.org/10.1016/j.jormas.2017.06.017
1. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
3. Associação Brasileira de Cirurgia
Crânio-maxilo-facial, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Henrique Beletáble Fonseca,
Rua Rio Grande do Sul, 1285, apto 602 B, Santo Agostinho, Belo Horizonte, MG,
Brasil, CEP 30170-111. E-mail: henriquebeletablef@gmail.com
Artigo submetido: 18/09/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Conflitos de interesse: não há.