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Case Report - Year2019 - Volume34 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0147

RESUMO

A síndrome de Eagle é uma condição rara e com etiologia ainda não bem estabelecida, a qual se deve ter bastante suspeição para seu correto tratamento. Seu tratamento deve ser definido em conjunto com o paciente, seja ele conservador ou cirúrgico, sempre levando em consideração as expectativas do paciente, além da maior expertise do profissional na modalidade escolhida para o tratamento. Neste artigo, apresentamos uma paciente de 35 anos atendida no Hospital Felício Rocho, discutindo os diversos aspectos da doença, inclusive a modalidade de tratamento escolhida para o caso.

Palavras-chave: Cervicalgia; Dor facial; Ligamentos; Relatos de casos; Procedimentos cirúrgicos operatórios

ABSTRACT

Eagle syndrome is a rare condition, and its etiology has not yet been well established and its correct treatment is uncertain. Its treatment must be defined together with the patient, be it conservative or surgical, always taking into consideration the patient's expectations, in addition to a solid professional expertise in the modality chosen for the treatment. In this article, we present the case of a 35-year-old patient who was admitted to the Felício Rocho Hospital and discuss the various aspects of the disease, including the treatment modality chosen for the case.

Keywords: Cervicalgia; Facial pain; Ligament; Case report; Operative surgical procedure


INTRODUÇÃO

O processo estiloide (PE) é uma protrusão do osso temporal, com direção inferior, anterior e medial. Localiza-se entre o ângulo da mandíbula e o processo mastóideo, posteriormente à fossa tonsilar e lateralmente à faringe. Possui relação anatômica com as artérias carótidas, veia jugular interna e nervos facial, glossofaríngeo, vago e hipoglosso1,2.

A síndrome de Eagle define-se como uma condição rara de alongamento sintomático do PE (comprimento acima de 2,5cm) ou a mineralização dos ligamentos estilo-hioídeo ou estilomandibular2. Em 1937, o otorrinolaringologista Watt Weems Eagle descreveu a síndrome, tendo relatado mais de 200 casos1,2. Sua incidência varia de 1,4 a 30%, acometendo mais mulheres que homens, com faixa etária de 20 a 40 anos. O alongamento bilateral é comum, mas a sintomatologia bilateral é incomum1-5.

Sua etiologia não é totalmente conhecida, sendo aceitas algumas hipóteses: origem congênita; calcificação parcial/completa do ligamento estilo-hioídeo; trauma seguido de hiperplasia reacional; metaplasia dos resquícios do 2o arco branquial; etc2.

Os sintomas são inespecíficos, como sensação de globus faríngeo (55%), dor de garganta recorrente (40%), otalgia bilateral reflexa (40%), cefaleia (25%), carotidinia (20%), redução da mobilidade cervical e dor à abertura da boca, dentre outras. Os sintomas surgem ou pioram à deglutição, à mastigação, aos movimentos de língua, à rotação da cabeça ou à palpação da fossa tonsilar. Sendo inespecíficos, podem ser confundidos por outras condições, como dor miofacial, de origem dentária, na articulação temporomandibular, entre outras2,4,5.

O diagnóstico baseia-se na anamnese detalhada do paciente. Na propedêutica, a radiografia constitui-se de um recurso limitado devido à possibilidade de sobreposição de imagens. O padrão-ouro é a tomografia computadorizada com reconstrução 3D, a qual fornece anatomia detalhada da região, possibilitando a programação cirúrgica. Outra forma de suspeição diagnóstica é a melhora temporária da dor após anestesia local, com retorno da sintomatologia após término do efeito anestésico1,2,6,7.

Existem diferentes abordagens para o tratamento da síndrome, incluindo as modalidades farmacológica, cirúrgica ou associação de ambas. Em relação ao tratamento conservador, pode ser feito com fisioterapia, analgésicos, antidepressivos, anticonvulsivantes, corticoides e até mesmo infiltração local com anestésico associado a hidrocortisona1-4,7-9. Contudo, alguns pacientes necessitam de uma intervenção cirúrgica para melhora do quadro e esta pode ser feita de duas maneiras: (1) abordagem intraoral e (2) abordagem transcervical.

Por fim, o seguimento ainda não é bem estabelecido. Os acompanhamentos variam desde consultas semanais, com espaçamento progressivo entre elas, até consultas mensais.

RELATO DE CASO

E.L.C., 35 anos, sexo feminino, procura o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, MG, após já ter se consultado com diferentes especialistas da área da saúde, sem sucesso. Queixa cervicalgia bilateral há 3 anos, principalmente à esquerda, associada a cefaleia e sensação de corpo estranho na faringe. Relata ainda piora da sintomatologia durante abertura da boca e à deglutição, com melhora parcial após analgesia simples, sem remissão completa dos sintomas. Passado de neoplasia cerebral em transição cerebral frontotemporal direita, com posterior ressecção cirúrgica. Nega cirurgias orofaríngeas prévias. Paciente usuária de inúmeros medicamentos, incluindo anticonvulsivantes e analgésicos potentes.

Em tomografia computadorizada (TC) do pescoço com reconstrução 3D (Figuras 1 e 2), foram evidenciadas calcificações dos ligamentos estilo-hioídeos bilaterais, mais evidente à esquerda, levantando a suspeita para o diagnóstico de síndrome de Eagle.

Figura 1 - TC de pescoço. Ligamento estilo-hioídeo esquerdo alongado.

Figura 2 - Reconstrução da TC de pescoço (visões frontal, oblíqua esquerda e oblíqua direita, respectivamente). Ligamentos estilo-hioídeos calcificados.

Assim, levando em consideração a recidiva da sintomatologia, apesar do uso rotineiro dos medicamentos (sem sucesso total), foi decidido conjuntamente com a paciente sobre a realização do procedimento cirúrgico. A paciente foi orientada sobre os riscos e benefícios do tratamento invasivo.

Em março de 2018, a paciente foi submetida, sob anestesia geral, à cervicotomia exploradora bilateral, com ressecção de, aproximadamente, 3cm dos ligamentos estilo-hioídeos calcificados (Figuras 3 a 7). Evoluiu sem complicações cirúrgicas, com proposta de seguimento eletivo mensal.

Figura 3 - Cervicotomia à esquerda. Ligamento estilo-hioídeo calcificado reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.

Figura 4 - Cervicotomia à esquerda. Ligamento estilo-hioídeo calcificado reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.

Figura 5 - Produto da ressecção de parte do ligamento calcificado esquerdo.

Figura 6 - Cervicotomia à direita. Ligamento estilo-hioídeo calcificado reparado com fio de seda, imediatamente antes à sua ressecção.

Figura 7 - Produto da ressecção de parte do ligamento calcificado direito.

DISCUSSÃO

A síndrome de Eagle é uma condição rara, a qual se deve ter bastante suspeição, o que faz com que a maioria dos pacientes procurem diversos profissionais antes de ter seu diagnóstico estabelecido, como a paciente relatada.

Durante sua descrição, Eagle observou dois tipos da síndrome: (1) a síndrome Clássica, caracterizada por globus faríngeo, disfagia, odinofagia, otalgia reflexa ipsilateral ou dor retromandibular, geralmente iniciados após uma tonsilectomia, secundário à trauma local; e (2) a síndrome da Artéria Carotídea, que ocorre independente de cirurgias prévias na região, ocasionada por uma irritação mecânica local, com consequente estimulação do plexo simpático das carótidas. Apesar de possuir dois espectros sindrômicos definidos, em alguns casos, assim como este relatado, pode ocorrer sobreposição dos espectros e, não raro, diagnósticos errôneos de desordens de cabeça e pescoço.

Para propedêutica, foi solicitada a TC com reconstrução 3D, visto ser o padrão-ouro. Este exame nos permitiu visualizar o alongamento do processo estiloide e a calcificação dos ligamentos estilo-hioídeo, além de podermos programar nossa abordagem cirúrgica.

Em relação ao tratamento, este deve ser definido em conjunto com o paciente, seja ele conservador ou cirúrgico, sempre levando em consideração a maior expertise do profissional na modalidade escolhida para o tratamento, além de respeitar as expectativas do paciente. Quando opta-se pela técnica cirúrgica, ela pode ocorrer via intraoral ou transcervical. No caso, optou-se pela abordagem cirúrgica transcervical; decisão conjunta do cirurgião e da paciente ao se pesar riscos e benefícios da técnica.

Esta tem como vantagens a exposição adequada das estruturas cervicais, com consequente excisão satisfatória do estiloide, o melhor controle de possíveis lesões vasculares, menor perda sanguínea, além de ser uma técnica estéril. Porém, a deformidade estética é tida como a principal desvantagem, além do maior tempo cirúrgico, da possibilidade de parestesias cutâneas e da necessidade de anestesia geral para que ela ocorra1-3.

Por fim, o seguimento ainda é variável. Alguns autores realizam o seguimento semanal por 2 meses, quinzenal pelos 2 meses seguintes e mensal nos demais meses, enquanto outros realizaram o seguimento apenas no primeiros 2 meses, com alta após esse período. Nossa proposta foi realizar o acompanhamento mensal da paciente desde o primeiro retorno2.

COLABORAÇÕES

HBF

Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados, redação - preparação do original, redação - revisão e edição.

SMC

Aprovação final do manuscrito, conceitualização, concepção e desenho do estudo, redação-revisão e edição, supervisão.

LCJ

Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação final do manuscrito, coleta de dados, redação - preparação do original, redação - revisão e edição.

REFERÊNCIAS

1. Fini G, Gasparini G, Filippini F, Becelli R, Marcotullio D. The long styloid process syndrome or Eagle’s syndrome. J Craniomaxillofac Surg. 2000;28(2):123-7. DOI: https://doi.org/10.1054/jcms.2000.0128

2. Chrcanovic BR, Custódio AL, de Oliveira DR. An intraoral surgical approach to the styloid process in Eagle’s syndrome. Oral Maxillofac Surg. 2009;13(3):145-51. DOI: https://doi.org/10.1007/s10006-009-0164-6

3. Petrović B, Radak D, Kostić V, Covicković-Sternić N. Styloid syndrome: a review of literature. Srp Arh Celok Lek. 2008;136(11-12):667-74. DOI: https://doi.org/10.2298/SARH0812667P

4. Martins WD, Ribas Mde O, Bisinelli J, França BH, Martins G. Eagle’s syndrome: treatment by intraoral bilateral resection of the ossified stylohyoid ligament. A review and report of two cases. Cranio. 2013;31(3):226-31. DOI: https://doi.org/10.1179/crn.2013.033

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7. Esiobu PC, Yoo MJ, Kirkham EM, Zierler RE, Starnes BW, Sweet MP. The role of vascular laboratory in the management of Eagle syndrome. J Vasc Surg Cases Innov Tech. 2018;4(1):41-4. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jvscit.2017.12.009

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9. Papadiochos I, Papadiouchou S, Sarivalasis ES, Goutzanis L, Petsinis V. Treatment of Eagle syndrome with transcervical approach secondary to a failed intraoral attempt: Surgical technique and literature review. J Stomatol Oral Maxillofac Surg. 2017;118(6):353-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jormas.2017.06.017











1. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.
3. Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-maxilo-facial, São Paulo, SP, Brasil.

Instituição: Hospital Felicio Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Autor correspondente: Henrique Beletáble Fonseca, Rua Rio Grande do Sul, 1285, apto 602 B, Santo Agostinho, Belo Horizonte, MG, Brasil, CEP 30170-111. E-mail: henriquebeletablef@gmail.com

Artigo submetido: 18/09/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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