INTRODUÇÃO
Neoplasias de orelha são relativamente comuns, relacionadas principalmente à
exposição solar. A excisão e reconstrução de defeitos parciais de orelha sem alterar
o formato natural ou reduzir o seu tamanho é a melhor conduta. Alternativas aos
retalhos são cicatrização por segunda intenção ou excisões que reduzem o tamanho ou
deformam a orelha, por necessitarem a retirada de tecido sadio. Enxertos de pele na
reconstrução de orelha estão sujeitos a contração, perda do contorno natural e
deformidade estética1.
Embora a região retroauricular há muito tempo seja utilizada como área doadora de
pele para enxertos, Owens2 introduziu em 1959
o conceito de transpor um retalho de pele retroauricular através de uma abertura na
cartilagem para outra porção da orelha, com um pedículo desepidermizado, a fim de
minimizar os riscos de exposição cartilaginosa e condrite na cicatrização por
segunda intenção, bem como alteração estética de contorno e cor ou até deformidade
de meato auricular, e consequente alteração auditiva. Apresentaremos dois casos de
reconstrução parcial de orelha após ressecção de câncer de pele.
RELATO DE CASOS
Dois pacientes atendidos no Instituto do Câncer do Hospital de Base de São José do
Rio Preto - São Paulo, no ano de 2017 e 2018, ambos com diagnóstico de carcinoma
basocelular por biópsia incisional, com queixas de lesões de crescimento lento,
ulceradas e friáveis. Submetidos à exérese das lesões sob anestesia local com
solução de lidocaína a 2% e vasoconstrictor a 1:100.000, respeitando margens
oncológicas incluindo cartilagem e pericôndrio posterior.
Caso 1
Paciente masculino de 40 anos, apresentou lesão nodular na concha auricular
direita, próxima ao meato auditivo, de 1,5cm de diâmetro. Após ressecção da
lesão, foi confeccionado retalho retroauricular ilhado de pedículo inferior
axial com base no ramo inferior da artéria auricular posterior. Transposto
através do defeito cartilaginoso e deixada ilha de pele em formato e extensão
semelhantes ao defeito de pele ressecada, sendo desepidermizada área de 1x1cm
correspondente ao pedículo arterial e realizado fechamento primário da área
doadora (Figuras 1 e 2). Paciente evolui sem necrose, congestão do retalho,
deiscências, hematoma ou infecção (Figura 3). O laudo definitivo anatomopatológico foi de carcinoma basocelular
infiltrativo e expansivo sem invasão perineural ou vascular e margens cirúrgicas
livres de neoplasia.
Figura 1 - A: Lesão em concha auricular - pré-operatório;
B: Defeito após ressecção com margem, incluindo
cartilagem conchal; C: Confecção de retalho
retroauricular ilhado de pedículo inferior com base no ramo inferior
da artéria auricular posterior; D: Transposto o retalho
através da janela cartilaginosa para a face anterior da orelha.
Figura 1 - A: Lesão em concha auricular - pré-operatório;
B: Defeito após ressecção com margem, incluindo
cartilagem conchal; C: Confecção de retalho
retroauricular ilhado de pedículo inferior com base no ramo inferior
da artéria auricular posterior; D: Transposto o retalho
através da janela cartilaginosa para a face anterior da orelha.
Figura 2 - A: Retalho posicionado sobre o defeito para
demarcação de área do pedículo a ser desepidermizado;
B: Resultado final pós-operatório imediato.
Figura 2 - A: Retalho posicionado sobre o defeito para
demarcação de área do pedículo a ser desepidermizado;
B: Resultado final pós-operatório imediato.
Figura 3 - A: Aspecto com 2 meses de pós-operatório;
B: Sítio doador com cicatriz correspondente.
Figura 3 - A: Aspecto com 2 meses de pós-operatório;
B: Sítio doador com cicatriz correspondente.
Caso 2
Paciente masculino de 74 anos, com lesão em região conchal e anti-hélice à
esquerda, de 2,5cm de diâmetro. Realizada ressecção da lesão incluindo
cartilagem e pericôndrio e resultando em defeito de 3,5x3cm (Figura 4). Confeccionado retalho
retroauricular ilhado de pedículo superior axial com base na artéria auricular
superior, ramo da artéria temporal superficial. Transposto o retalho através da
janela cartilaginosa, com pequena porção do pedículo desepidermizada e acomodado
o retalho ao leito em forma e extensão. Realizado fechamento primário da área
doadora (Figura 5). Apresentou evolução
satisfatória, sem sinais de sofrimento ou outras complicações, bem como bom
resultado estético (Figura 6).
Figura 4 - A: Lesão em região de anti-hélice esquerda
pré-operatório; B: Defeito após ressecção com margem,
incluindo cartilagem e pericôndrio.
Figura 4 - A: Lesão em região de anti-hélice esquerda
pré-operatório; B: Defeito após ressecção com margem,
incluindo cartilagem e pericôndrio.
Figura 5 - A: Confecção de retalho retroauricular ilhado de
pedículo superior; B e C: O retalho foi
transposto através da janela cartilaginosa para a face anterior da
orelha; D e E: Pós-operatório imediato.
Figura 5 - A: Confecção de retalho retroauricular ilhado de
pedículo superior; B e C: O retalho foi
transposto através da janela cartilaginosa para a face anterior da
orelha; D e E: Pós-operatório imediato.
Figura 6 - Resultado após 15 dias de pós-operatório com coloração e contorno
adequados, sem complicações.
Figura 6 - Resultado após 15 dias de pós-operatório com coloração e contorno
adequados, sem complicações.
DISCUSSÃO
Diversos autores descreveram o uso do retalho retroauricular e adaptaram a técnica
com suas contribuições. Masson3, em 1972,
descreveu a técnica de reconstrução de defeitos de concha auricular com base em um
retalho retroauricular, sem pedículo desepidermizado. Renard4 acrescentou a confecção de um retalho retroauricular de base
superior com pedículo desepidermizado para reconstruções não só de falhas em concha
auricular, bem como mais extensas envolvendo anti-hélice. Wood-Smith et al.5 demonstraram o tratamento de lesões extensas
em concha auricular fazendo uso de dois retalhos retroauriculares, sendo um da pele
da face posterior da orelha e outro retroauricular de pedículo superior. E Yoav et
al.6 acrescentaram o uso de retalho
miocutâneo com base no músculo auricular posterior.
Existe na literatura uma pluralidade de publicações no que diz respeito ao tratamento
das lesões auriculares. Alguns autores defendem a enxertia de pele como primeira
opção, outros a cicatrização por segunda intenção para lesões pequenas de concha
auricular e, por fim, ainda encontramos o fechamento primário, a depender da
localização e tamanho da lesão7-9.
Porém, defeitos maiores trazem prejuízos estético e funcional importantes. A excisão
adequada de tumores desta região exige a ressecção de cartilagem para uma margem
oncológica segura e o retalho retroauricular traz muitas vantagens. Constitui um
tratamento em único tempo cirúrgico, podendo ser realizado sob anestesia local em
regime ambulatorial. Quando usado para reconstrução de concha e outros defeitos da
face anterior da orelha é de cor e textura próxima, com resultado estético final
satisfatório6. De baixa morbidade no sítio
doador, com cicatriz atrás da orelha e na maioria dos casos de fechamento primário.
Este retalho tem grande segurança devido sua vasta vascularização, muito bem
documentada em estudos anatômicos de Park et al.10, dentre outros11.
Portanto, é opção segura para reconstrução de defeitos auriculares de toda a face
anterior, podendo ser utilizado até em grandes lesões.
CONCLUSÃO
Autores descrevem que o uso do retalho retroauricular apresenta grande versatilidade,
permitindo seu uso em defeitos auriculares. É de origem bem vascularizada, o que
traz segurança em sua confecção, em único tempo cirúrgico, útil para lesões pequenas
e grandes, sem apresentar complicações graves ou sacrificar tecido saudável e com
excelente resultado estético e funcional.
COLABORAÇÕES
VBC
|
Análise e/ou interpretação dos dados, realização das operações e/ou
experimentos.
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MVC
|
Análise e/ou interpretação dos dados, realização das operações e/ou
experimentos.
|
CCF
|
Análise e/ou interpretação dos dados, realização das operações e/ou
experimentos.
|
GVS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, realização das operações e/ou
experimentos.
|
CGS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, redação - revisão e edição.
|
JGCK
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
LAFK
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Realização das operações e/ou
experimentos, Redação - Preparação do original.
|
ARB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito.
|
REFERÊNCIAS
1. Azaria R, Amir A, Hauben DJ. Anterior conchal reconstruction using a
posteroauricular pull-through transpositional flap. Plast Reconstr Surg.
2004;113(7):2071-5. PMID: 15253199 DOI:
https://doi.org/10.1097/01.PRS.0000121186.46720.B0
2. Owens N. An effective method for closing the external auditory
canal. Plast Reconstr Surg Transplant Bull. 1959;23(4):381-7. PMID:
13645254
3. Masson JK. A simple island flap for reconstruction of concha-helix
defects. Br J Plast Surg. 1972;25(4):399-403. PMID: 4567027 DOI:
https://doi.org/10.1016/S0007-1226(72)80083-3
4. Renard A. Postauricular flap based on a dermal pedicle for ear
reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1981;68(2):159-64. DOI:
https://doi.org/10.1097/00006534-198108000-00005
5. Wood-Smith D, Ascherman JA, Albom MJ. Reconstruction of acquired ear
defects with transauricular flaps. Plast Reconst Surg. 1995;95(1):173-5. DOI:
https://doi.org/10.1097/00006534-199501000-00031
6. Yoav PT, Horowitz Z, Bedrin L, Kronenberg J. Auricular
reconstruction with a postauricular myocutaneous island flap: Flip-Flop Flap.
Plast Reconstr Surg. 1996;98(7):1191-9. DOI:
https://doi.org/10.1097/00006534-199612000-00010
7. Peled IJ. Healing of ear defects: primary or secondary. Plast
Reconst Surg. 1997;100(1):277-8.
8. Ghassemi A, Modabber A, Talebzadeh M, Nanhekhan L, Heinz M, Hölzle
F. Surgical management of auricular defect depending on the size, location, and
tissue involved. J Oral Maxillofac Surg. 2013;71(8):e232-42.
9. Watson D, Hecht A. Repair of Auricular Defects. Facial Plast Surg
Clin North Am. 2017;25(3):393-408.
10. Park C, Shin KS, Kang HS, Lee YH, Lew JD. A new arterial flap from
the postauricular surface: its anatomic basis and clinical application. Plast
Reconstr Surg. 1988;82(3):498-505. PMID: 3406183
11. Song R, Song Y, Qi K, Jiang H, Pan F. The superior auricular artery
and retroauricular arterial island flaps. Plast Reconst Surg.
1996;98(4):657-67.
1. Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
Autor correspondente: Lauro Arnoldo Ferreira
Koehler, Rua Curitiba, nº 202, Bairro Olarias, Ponta Grossa, Paraná,
Brasil. CEP 84.035-030. E-mail: lauro_afk@hotmail.com
Artigo submetido: 17/06/2018.
Artigo aceito: 10/02/2019.
Conflitos de interesse: não há.