INTRODUÇÃO
A hidradenite supurativa (HS), também conhecida como hidrosadenite supurativa ou acne
inversa, é uma doença inflamatória crônica da pele caracterizada por apresentar
nodulações subcutâneas, dolorosas e com sinais flogísticos, inicialmente enrijecidas
e que evoluem para consistência amolecida. Tem como complicações a formação de
fístulas e supuração.
Ocorre em 1 a 4% da população mundial, mais comumente entre a segunda e terceira
décadas de vida, com maior incidência aos 23 anos de idade, sendo mais alterar para
mais comum no sexo feminino (3,3M:1H), e prevalência estimada de 1 a cada 300
adultos. Nas mulheres as regiões mais acometidas são a inframamária (23%) e a
inguinal (93%), enquanto nos homens é mais comum nas regiões glútea (40%) e perianal
(51%), todas estas ricas em glândulas apócrinas1.
A sua etiologia ainda é pouco conhecida, sugere-se que aconteça devido à oclusão do
ducto apócrino dos folículos pilosos por fatores precipitantes como fricção de
tecido adiposo, higiene precária, suor excessivo, calor, vestimentas apertadas,
depilação, desodorantes. Seu diagnóstico é eminentemente clínico, pela identificação
de lesões típicas recorrentes em forma de nodularidades, abcessos, tratos fistulosos
ou cicatrizes, de caráter supurativo e/ou doloroso1,2.
Não há testes patognomônicos, podendo haver alterações laboratoriais na contagem de
leucócitos e de proteína C reativa. Dentre os possíveis diagnósticos diferenciais,
cita-se abcessos, carbúnculo, linfogranuloma venéreo, inflamação da glândula de
Bartholin, furunculoses, infecção de cistos epidermais, entre outros.
A HS é uma doença de evolução variável e de difícil manejo, o qual pode ser feito
com
terapia tópica, sistêmica ou por exérese cirúrgica. A avaliação por exames de
imagem, apesar de pouco específica para firmar diagnóstico, é útil na determinação
da extensão da doença, assim como na exclusão de diagnósticos diferenciais e no
planejamento do ato cirúrgico. O objetivo deste trabalho é de revisar a avaliação
por imagem da HS, demonstrando um caso em exame de ressonância magnética.
MÉTODOS
O presente artigo trata-se de uma revisão de literatura. Foram selecionados artigos
nas bases de dados Scielo, PubMed, Bireme e Google no período de janeiro de 2017 a
fevereiro de 2018 nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola. Fez-se uso das
seguintes palavras-chave: “hidradenite supurativa”, “ressonância magnética”,
“ecografia”, “acne reversa”.
RESULTADOS
Embora o diagnóstico de hidradenite supurativa seja clínico, os exames complementares
têm um papel importante na graduação, caracterização, avaliação de diagnósticos
diferenciais e planejamento cirúrgico, sobretudo a ressonância magnética, com
potencial de reduzir a recorrência pós- operatória.
DISCUSSÃO
A HS é uma doença crônica e de evolução lenta. Os sinais e sintomas da doença podem
surgir após anos da primeira apresentação, seu diagnóstico clínico é baseado em 3
critérios2:
1. Lesões típicas (i.e. nódulos dolorosos em planos profundos): abscessos,
cicatrizes em ponte, fístulas drenantes e pseudocomedões.
2. Lesões em pelo menos uma área típica: axilas, região inframamária em dobra
intermamária, virilha, períneo ou nádegas.
3. Duas recorrências das lesões em um período de 6 meses.
A classificação de Hurley estratifica a doença em três estágios. O estágio I
configura-se pela presença de abscesso, único ou múltiplo, sem fístulas para
drenagem ou cicatrizes. O estágio II caracteriza-se por abscesso recorrente, único
ou múltiplo, com fístulas para drenagem, cicatrizes e lesões bem espaçadas. No
estágio III o acometimento é difuso ou com múltiplas fístulas interconectadas e
abscessos em toda região2.
Não há um tratamento único efetivo ou de cura para a HS, entretanto, existe uma ampla
gama de terapias no seu manejo, podendo ser feitos tratamentos variados como
antibioticoterapia, imunossupressão, medicamentos inibidores da TNF-alfa, cirurgia
e
radiação2. A maior parte das terapias
apresentadas para HS apresentam baixos níveis de evidência, entre as categorias C
e
D.
A abordagem cirúrgica dos casos de HS leve a moderada (estágios I e II de Hurley)
é
realizada com fechamento primário. Nos casos mais graves (estágio III de Hurley),
a
abordagem cirúrgica radical é o tratamento de escolha e tem apresentado melhores
resultados, com baixas taxas de reincidência. Consiste na realização de cirurgias
mais extensas com fechamento por segunda intenção2.
A avaliação somente por parâmetros clínicos, em geral, subestima a extensão e o
estadiamento das lesões3. Baseando-se nos
achados de ecografia, Zarchi & Jemec4
modificaram a conduta em 28 de 32 pacientes (82%), devido ao subestadiamento da
avaliação clínica. Já Worstman et al.5,
identificaram por meio da ecografia em 26 de 34 pacientes (76%) coleções não
diagnosticadas clinicamente, além de fístulas subclínicas em 10 pacientes (29%).
Há evidências de que 64% dos pacientes com HS na região anogenital apresentam
fístulas anais, sendo sua ressecção incompleta uma das maiores razões de recorrência
da HS (até 25%), tornando fundamental a avaliação por método de imagem. Dentre as
técnicas de imagem existentes, destaca-se a ecografia com Doppler e a ressonância
magnética (RM). A ecografia é um método mais acessível e disponível, sendo uma
poderosa ferramenta como exame de imagem inicial na avaliação da HS. Já a RM
destaca-se na demonstração de trajetos fistulosos, principalmente nas lesões
anogenitais3, apresentando boa definição
da hipoderme e dos tecidos profundos, sendo muito útil quando há associação com
outras doenças, como a doença de Crohn3.
Os achados de imagem incluem fístulas, granulomas, abscessos, “scar
brigdes”, espessamento dérmico e subcutâneo de bordos bem
delimitados6. Os abscessos caracterizam-se
por morfologia circunferencial, no subcutâneo, apresentando baixo sinal em T1 e alto
em T2, com realce anelar evidente pelo meio de contraste e restrição à difusão
(Figuras 1 a 3). As fístulas do subcutâneo para a pele quando no canal anal e na
parte distal do reto podem simular a doença de Crohn ou a doença criptoglandular.
Essas doenças também podem coexistir com a HS, dificultando diagnóstico6,7.
Figura 1 - Imagens da pelve, no plano axial, nas ponderações T1 pós-contraste
com saturação de gordura (à esquerda) e T2 (à direita) que demonstram
intenso realce pelo meio de contraste na região acometida (delimitado
pela linha vermelha) e abscessos subcutâneos formando trajetos
fistulosos (delimitado pela linha laranja).
Figura 1 - Imagens da pelve, no plano axial, nas ponderações T1 pós-contraste
com saturação de gordura (à esquerda) e T2 (à direita) que demonstram
intenso realce pelo meio de contraste na região acometida (delimitado
pela linha vermelha) e abscessos subcutâneos formando trajetos
fistulosos (delimitado pela linha laranja).
Figura 2 - Imagens da pelve, no plano axial, nas ponderações T2 com saturação de
gordura (canto superior esquerdo), difusão (canto superior direito), T1
pré-contraste (canto inferior esquerdo) e T1 pós-contraste (canto
inferior direito), que demonstram hipersinal do tecido subcutâneo e
abscessos formando trajetos fistulosos (delimitado pela linha laranja
contínua), restrição à difusão na região acometida pelo edema e pelos
abscessos (delimitado pela linha tracejada laranja) e intenso realce
pelo contraste no tecido subcutâneo na área acometida (delimitado pela
linha contínua vermelha).
Figura 2 - Imagens da pelve, no plano axial, nas ponderações T2 com saturação de
gordura (canto superior esquerdo), difusão (canto superior direito), T1
pré-contraste (canto inferior esquerdo) e T1 pós-contraste (canto
inferior direito), que demonstram hipersinal do tecido subcutâneo e
abscessos formando trajetos fistulosos (delimitado pela linha laranja
contínua), restrição à difusão na região acometida pelo edema e pelos
abscessos (delimitado pela linha tracejada laranja) e intenso realce
pelo contraste no tecido subcutâneo na área acometida (delimitado pela
linha contínua vermelha).
Figura 3 - Imagens da pelve, no plano coronal, nas ponderações T1 pós-contraste
com saturação da gordura (à esquerda) e T2 com saturação da gordura (à
direita), demonstrando intenso realce do tecido subcutâneo na região
acometida (delimitado pela linha vermelha) e hipersinal (que representa
edema) do tecido subcutâneo, associado a abscessos formando trajetos
fistulosos (delimitados pela linha laranja).
Figura 3 - Imagens da pelve, no plano coronal, nas ponderações T1 pós-contraste
com saturação da gordura (à esquerda) e T2 com saturação da gordura (à
direita), demonstrando intenso realce do tecido subcutâneo na região
acometida (delimitado pela linha vermelha) e hipersinal (que representa
edema) do tecido subcutâneo, associado a abscessos formando trajetos
fistulosos (delimitados pela linha laranja).
Para diferenciar a HS da doença criptoglandular, deve-se levar em consideração o
tempo de evolução da doença, sendo que a última tende a apresentar duração mais
breve e a se limitar à região perianal. Em relação à doença de Crohn, na HS há mais
alterações inflamatórias (edema subcutâneo e granulomas), além de ocorrer maior
bilateralidade, sendo menos comum a ocorrência de fístulas e o envolvimento
esfincteriano. A biópsia é necessária para casos em que se tenha dúvida entre outros
diagnósticos como doença de Crohn perianal atípica, carcinoma e úlcera
tuberculosa.
CONCLUSÃO
Embora o diagnóstico de hidradenite supurativa seja eminentemente clínico, a
complementação da avaliação por meio de exames de imagem tem o potencial de reduzir
a recorrência pós-operatória, por meio de um melhor estadiamento e caracterização
das lesões.
Dentre os métodos de imagem, os principais na avaliação da HS são a ecografia com
Doppler e a ressonância magnética. Destaca-se o papel da RM, principalmente nas
formas mais extensas da doença, que é uma técnica útil na HS para firmar
diagnóstico, determinar extensão da lesão e planejar o manejo terapêutico ideal. Os
seus achados são relativamente inespecíficos, com espessamento cutâneo e dos tecidos
subcutâneos, com baixa intensidade de sinal em T1 e alta em T2 e STIR. Contudo, a
presença desses achados em conjunto com fístulas, tratos sinusais e cicatrizes,
especialmente no canal anal, são altamente sugestivas de HS.
COLABORAÇÕES
AAL
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Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
concepção e desenho do estudo, metodologia, redação - preparação do
original, redação - revisão e edição.
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GNM
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Análise e/ou interpretação dos dados, coleta de dados, concepção e
desenho do estudo, redação - preparação do original.
|
BMMLD
|
Coleta de dados, concepção e desenho do estudo, redação - preparação do
original.
|
GDS
|
Conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do
projeto, redação - revisão e edição, supervisão.
|
LQS
|
Conceitualização, gerenciamento de recursos, gerenciamento do projeto,
metodologia, supervisão.
|
REFERÊNCIAS
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hidradenitis suppurativa. Actas Dermosifiliogr. 2015;106 Suppl 1:49-59. DOI:
https://doi.org/10.1016/S0001-7310(16)30007-2
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PMID: 20965688 DOI: https://doi.org/10.1016/j.lpm.2010.08.003
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https://doi.org/10.1016/j.det.2015.08.003
4. Zarchi K, Jemec GB. The role of ultrasound in severity assessment in
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5. Wortsman X, Moreno C, Soto R, Arellano J, Pezo C, Wortsman J.
Ultrasound in-depth characterization and staging of hidradenitis suppurativa.
Dermatol Surg. 2013;39(12):1835-42. DOI:
https://doi.org/10.1111/dsu.12329
6. Montaña CN, Labra WA, Panussis FD. Hidradenitis supurativa:
evaluación por resonancia magnética. 2014. Rev Chil Radiol.
2014;20(4):159-63.
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https://doi.org/10.1007/s00330-017-4776-1
1. Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília,
DF, Brasil.
2. Universidade Católica de Brasília, Brasília,
DF, Brasil.
Autor correspondente: Arthur Ataíde Lopes, SEPS
710/910, Ed. Via Brasil, Galeria - Loja 40, Asa Sul, Brasília - DF., Brasil, CEP
70390-108. E-mail: arthurbsb@gmail.com
Artigo submetido: 22/04/2018.
Artigo aceito: 16/04/2019.
Conflitos de interesse: não há.