INTRODUÇÃO
O melhor método de reconstrução de uma unidade anatômica é a substituição da área
lesada pelos mesmos tecidos, porém, em muitas situações, quando isso não é possível,
o cirurgião tem que usar estruturas semelhantes. Isto acontece com as técnicas
atuais descritas para a reconstrução de defeitos de espessura total que comprometem
mais de um terço da extensão das pálpebras inferiores. Os retalhos locais associados
a enxertos de cartilagem e mucosa, então, são utilizados para recuperar os
componentes delicados da pálpebra (pele fina, músculo orbicular, tarso e
conjuntiva).
OBJETIVO
Neste artigo, foi descrita uma técnica de reconstrução da pálpebra inferior que
proporcionou a reconstrução dos tecidos de acordo com os preceitos mencionados.
MÉTODOS
Três pacientes com carcinomas basocelulares foram submetidos à excisão da pálpebra
inferior de espessura total seguida pela reconstrução imediata. As cirurgias
aconteceram em centro cirúrgico hospitalar. Os pacientes estavam em decúbito dorsal
sob sedação. Em todos, foi colocado protetor palpebral e feita a infiltração local
de solução com lidocaína e adrenalina. Em dois pacientes, metade da extensão foi
reconstruída e em um, dois terços. As reconstruções foram feitas de acordo com a
técnica descrita abaixo.
Na pálpebra superior, foi levantado um retalho de base lateral cuja borda inferior
foi localizada 2mm abaixo do sulco palpebral com largura e comprimento suficiente
para cobrir o defeito e com espessura total. No retalho foram incluídos conjuntiva,
parte do tarso (2mm de largura), músculo orbicular e pele. O septo e a aponeurose
do
elevador da pálpebra foram seccionados. Em seguida, o retalho foi transposto para
cobrir o defeito.
A conjuntiva foi suturada com a conjuntiva remanescente com Vicryl 6-0. A borda
medial do tarso foi suturada com a borda lateral do tarso inferior remanescente e
a
borda lateral na borda do tarso superior, refazendo o canto lateral. O músculo
orbicular foi suturado com o remanescente inferior e, finalmente, a pele foi
suturada com Mononylon 6-0. Poucas suturas simples do Vicryl 6-0 foram dadas na
conjuntiva e na pele, constituindo a borda inferior da pálpebra. A área doadora foi
fechada por camadas. O septo, a aponeurose do elevador palpebral e o músculo
orbicular foram suturados à borda cranial do tarso com Mononylon 5-0 e a pele, com
Mononylon 6-0 (Figuras 1 a 6).
Figura 1 - Lesão em pálpebra inferior e marcação do retalho.
Figura 1 - Lesão em pálpebra inferior e marcação do retalho.
Figura 2 - Transposição do retalho.
Figura 2 - Transposição do retalho.
Figura 3 - Aspecto final de cirurgia.
Figura 3 - Aspecto final de cirurgia.
Figura 4 - Aspecto de pálpebra após retirada de mais da metade da espessura
total da pálpebra inferior (paciente 2).
Figura 4 - Aspecto de pálpebra após retirada de mais da metade da espessura
total da pálpebra inferior (paciente 2).
Figura 5 - Elevação do retalho (paciente 3).
Figura 5 - Elevação do retalho (paciente 3).
Figura 6 - Final da cirurgia (paciente 3).
Figura 6 - Final da cirurgia (paciente 3).
Os pacientes foram acompanhados através de retornos mensais em um período de seis
meses. Não foram necessários curativos oclusivos. Durante 15 dias foram orientados
a
usar um colírio para hidratação do olho e uma pomada oftalmológica ao dormir. Os
pontos foram retirados em sete dias.
RESULTADOS
Os pacientes evoluíram quase sem complicações: um granuloma de ponto, removido com
anestesia local, e uma temporária retração assintomática da pálpebra superior. As
pálpebras mantiveram suas funções de fechamento total e proteção do globo ocular.
Não ocorreram retrações cicatriciais, ectrópio, entrópio ou lagoftalmo. O resultado
estético foi bastante satisfatório com cicatrizes discretas nas áreas doadora e
receptora (Figuras 7 e 8).
Figura 7 - Pré-operatório. Carcinoma basocelular recidivado em borda lateral de
pálpebra inferior (paciente 3).
Figura 7 - Pré-operatório. Carcinoma basocelular recidivado em borda lateral de
pálpebra inferior (paciente 3).
Figura 8 - Pós-operatório de 6 meses (paciente 3).
Figura 8 - Pós-operatório de 6 meses (paciente 3).
DISCUSSÃO
Os tecidos que fazem parte da estrutura das pálpebras são únicos e difíceis de serem
substituídos por outros similares. Não obstante a grande maioria de tumores
palpebrais surgir em idades mais avançadas e apresentar redundância de tecidos, há
de se observar que o retalho de transposição utiliza tecido da pálpebra superior,
que é importante para a função de proteção da córnea; portanto, é relevante avaliar
no pré-operatório o grau de elasticidade e redundância dos tecidos. Além de
reconstruir o defeito com tecidos iguais (pele, tarso e conjuntiva), o retalho
proposto é transposto em monobloco, garantindo uma segurança circulatória, menos
edema pós-operatório e mais simplicidade cirúrgica.
Fricke1 descreveu um desenho semelhante de
transposição de pele da pálpebra superior, contudo, sem incluir parte do tarso e
conjuntiva e, portanto, útil para reconstrução apenas de defeitos superficiais. Papp
et al.2 descreveram um retalho de espessura
total de avanço incisando continuamente as pálpebras inferior e superior e
seccionando o ligamento lateral.
As técnicas atuais mais utilizadas reconstroem as lamelas anteriores e posteriores
com métodos diferentes.
O retalho mais usado para a lamela anterior é o de rotação da pele facial de
Mustardé3. No Brasil, vale citar a técnica
de avanço em V-Y de Destro et al.4,5. A lamela posterior
é reconstruída com enxertos compostos como o mucopericondral do septo nasal ou de
retalho em dois tempos de tarso e conjuntiva da pálpebra superior (Hughes6). Em todos os casos, há uma reconstrução em
separado das lamelas, que frequentemente resulta em pálpebras muito pesadas com
algum grau de retração.
CONCLUSÃO
O retalho palpebral de transposição de espessura total possibilitou a reconstrução
funcional e estética em tempo único da metade ou dois terços da pálpebra inferior
em
pacientes submetidos à exérese de tumores palpebrais.
COLABORAÇÕES
JCAF
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Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do
projeto, metodologia, redação - preparação do original, redação -
revisão e edição, supervisão, validação, visualização.
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REFERÊNCIAS
1. Fricke JCG. Bildung neuer Augenlieder (Blepharoplastik) nach
Zerstorüngen und darduch hervorgebrachten Auswärtswendungenderselben. Hamburg:
Pethes und Bessler: 1829.
2. Papp C, Maurer H, Geroldinger E. Lower eyelid reconstruction with
the upper eyelid rotation flap. Plast Reconstr Surg. 1990;86(3):563-5. DOI:
https://doi.org/10.1097/00006534-199009000-00031
3. Mustarde JC. Repair and reconstruction of the orbital region. 2nd
ed. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1980.
4. Destro MW, da Silva AL, Speranzini MB. Lower eyelid repair utilising
triangular skin flaps with subcutaneous pedicles. Br J Plast Surg.
1991;44(5):363-7. PMID: 1873616 DOI:
https://doi.org/10.1016/0007-1226(91)90150-I
5. Lima DA. Reconstrução total de pálpebra inferior com associação dos
retalhos de Hughes e Destro. Rev Bras Cir Plást.
2018;33(3):364-73.
6. Hughes WL. Total lower lid reconstruction: technical details. Trans
Am Ophthalmol Soc. 1976;74:321-9. PMID: 867633
1 . Clínica Dr. Jason Figueiredo, Jundiaí, SP,
Brasil.
Autor correspondente: Jason César Abrantes de
Figueiredo, Rua 23 de maio, 790, sala 41, Vianelo, Jundiaí, SP,
Brasil. CEP- 13207070. E-mail: figueiredoaj@uol.com.br
Artigo submetido: 25/01/2019.
Artigo aceito: 21/04/2019.
Conflitos de interesse: não há.