INTRODUÇÃO
A flacidez cutânea na face interna dos braços constitui uma das principais queixas
entre pacientes que se submeteram a cirurgia bariátrica. A cirurgia para correção
dessa deformidade é denominada braquioplastia, e esta deve ter sua indicação muito
bem discutida com os pacientes e ser realizada com cautela, sendo as ressecções
cutâneas importantes restritas a casos selecionados. As cicatrizes, mesmo com bom
aspecto e em localização correta, são bastante visíveis, o que pode gerar
transtornos nos casos em que os pacientes não são devidamente orientados1.
A flacidez dos membros superiores e da região do tórax logo abaixo das axilas é uma
deformidade muito prevalente, tendo como principais causas predisposição familiar,
abandono dos exercícios físicos e alterações decorrentes do processo natural do
envelhecimento, e é comumente associada a perda ponderal acentuada de indivíduos
obesos2.
A obesidade é uma doença metabólica de prevalência crescente, sendo a obesidade
mórbida uma condição crônica de difícil controle, que se associa a diversas
comorbidades, como diabetes mellitus tipo 2 e hipertensâo arterial
sistêmica, componentes da síndrome metabólica1,3.
A gastroplastia redutora ou cirurgia bariátrica é uma opção de tratamento para essa
população que apresenta IMC acima de 40 kg/m2 sem comorbidades, ou um IMC
acima de 35 kg/m2, desde que portadores de comorbidades como diabetes
mellitus tipo 2, apneia do sono, hipertensão arterial,
dislipidemia, doença coronariana ou osteoartrites. A gastroplastia redutora propicia
um emagrecimento acentuado, podendo evoluir com dermocalásia de segmentos diversos,
alterando o contorno corporal2,3.
Alterações do conteúdo em detrimento do contingente podem ser observadas após a
cirurgia bariátrica. Nos braços, essa dismorfia é caracterizada pela perda do
contorno cilíndrico, causada pelo excesso de pele de tamanho variável, semelhante
a
“asas de morcego”, que pode estender-se desde o cotovelo até a axila, ou
ultrapassá-la, prolongando-se pela parede lateral do tórax. Essa alteração ocorre
por perda da elasticidade cutânea e do conteúdo gorduroso1,4.
Embora várias propostas técnicas sejam comprovadas por estudos, a braquioplastia pode
apresentar, em alguns casos, resultados pouco satisfatórios. Os maiores
descontentamentos estão relacionados à ocorrência de cicatriz patológica,
deformidades de contorno do braço e edema persistente. A deformidade deve ser
considerada pelos pacientes suficientemente graves a ponto de os benefícios da
correção superarem as desvantagens de uma cicatriz que por vezes se apresentará
inestética e aparente2,5,6.
OBJETIVO
Analisar o perfil epidemiológico e quantificar a ressecção de pele no pós-operatório
de pacientes submetidas a braquioplastia pela técnica de Pitanguy.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal do tipo série de casos, obtido por meio da análise
de prontuários dos pacientes submetidos a braquioplastia no período entre 2013 e
2018 no Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia do Rio de
Janeiro, fundado pelo Professor Ivo Pitanguy.
Procedeu-se à avaliação de fotos de pré e pós-operatório padronizadas desse serviço
(mesmos local, fotógrafo e câmera fotográfica), juntamente com parâmetros
antropológicos das próprias pacientes, por meio do software
AutoCad, que utiliza imagens técnicas em duas dimensões (2D). Este, por sua vez,
viabiliza a padronização das imagens, corrigindo qualquer divergência de distâncias
entre elas, e ainda o cálculo da área de um triângulo nas fotos das pacientes. A
distância entre o epicôndilo medial e a prega axilar anterior de cada paciente é
determinada, sendo essa mesma medida transferida no sentido caudal a partir da prega
axilar anterior, correspondendo aos dois lados congruentes de um triângulo
isósceles. O programa calcula a área desses triângulos com e sem pele no pré e
pós-operatório, possibilitando uma análise de natureza quantitativa da ressecção de
pele obtida com a cirurgia (Figura 1).
Figura 1 - Imagem ilustrativa com área do triângulo e área de ressecção de
pele.
Figura 1 - Imagem ilustrativa com área do triângulo e área de ressecção de
pele.
A análise descritiva apresentou na forma de tabelas os dados observados expressos
pelas medidas de tendência central e de dispersão adequadas.
A análise inferencial foi composta pelo teste dos postos sinalizados de Wilcoxon para
verificar a variação na área do triângulo e de pele do pré para pós-operatório.
Foi aplicado método não paramétrico, pois a área não apresentou distribuição normal
(Gaussiana), devido à rejeição da hipótese de normalidade segundo o teste de
Shapiro-Wilk, em pelo menos um dos momentos avaliados. O critério de determinação
de
significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo
software estatístico SAS® System, versão 6.11 (SAS Institute Inc., Cary,
North Carolina).
RESULTADOS
Foram analisados prontuários de 14 pacientes no período entre 2013 e 2018 submetidas
a braquioplastia pela técnica descrita por Pitanguy et al.1 Desses, cinco prontuários não preencheram os critérios de
inclusão, sendo excluídos do estudo.
A amostra foi composta por nove pacientes com idade variando entre 37 e 66 anos,
sendo todas do sexo feminino.
O intervalo de tempo entre a gastroplastia e a braquioplastia variou de 16 a 36
meses. O IMC médio para a braquioplastia foi de 26,8 kg/m2. O IMC médio pré-operatório de gastroplastia foi de 48,11
kg/m2 (Gráfico 1).
Observou-se um aumento significativo na área do triângulo (p =
0,008) e queda significativa na área de pele (p = 0,008) do pré
para pós-operatório nessa amostra em estudo, conforme ilustram os Gráficos 2 e 3.
Gráfico 1 - Variação do IMC pré-operatório de gastroplastia redutora e
préoperatório.
Gráfico 1 - Variação do IMC pré-operatório de gastroplastia redutora e
préoperatório.
Gráfico 2 - Variação na área do triangulo.
Gráfico 2 - Variação na área do triangulo.
Gráfico 3 - Variação área de pele Pré e Pós-operatório.
Gráfico 3 - Variação área de pele Pré e Pós-operatório.
Embora a variação não seja muito expressiva em centímetros, clinicamente falando,
podemos observar que houve um aumento de 23,9% na área do triângulo pós-operatório,
atingindo, em valores medianos, 65,2% da área total do triângulo; além de uma queda
de 23,2% na área de pele pós-operatório, atingindo, em valores medianos, 34,8% da
área total do triângulo, evidenciando a redução do retalho braquial (Tabela 1).
Tabela 1 - Área do triângulo e de pele no pré e pós-operatório
Variável |
n |
mediana |
IIQ |
p valor
|
Triângulo |
Área Triângulo pré-op (cm2)
|
9 |
550 |
344 |
854 |
|
Área Triângulo pós-op (cm2)
|
9 |
587 |
437 |
957 |
|
Área Triângulo - Aumento em relação ao pré-op (%) |
9 |
23,9 |
5,3 |
47,2 |
0,008 |
Pele |
Área Pele pré-op (cm2)
|
9 |
421 |
330 |
493 |
|
Área Pele pós-op (cm2)
|
9 |
308 |
284 |
376 |
|
Área Pele - Queda em relação ao pré-op (%) |
9 |
-23,2 |
-31,0 |
-16,9 |
0,008 |
Tabela 1 - Área do triângulo e de pele no pré e pós-operatório
DISCUSSÃO
A flacidez braquial é motivo de grande preocupação em pacientes com perda ponderal
acentuada, sendo um dos desafios da cirurgia plástica. A extensão das cicatrizes e
a
ressecção cutânea limitam a indicação do lifting braquial, bem como
sua aceitação pelos pacientes1,6,7.
Após o advento da gastroplastia redutora, a braquioplastia vem sendo indicada de modo
crescente. O aprimoramento da técnica e o conhecimento da anatomia da face interna
dos braços permitem obter bons resultados e alto grau de satisfação por parte dos
pacientes2,8.
A satisfação dos pacientes em relação ao procedimento passa por questões que vão
desde o posicionamento e qualidade da cicatriz, até a quantidade de pele ressecada
e
o aspecto do retalho que permanece após ressecção1,9.
A dermolipectomia dos membros superiores pode resultar em desarmonia de contorno do
braço, com ressecção excessiva de pele e subcutâneo na porção central do retalho e
com excessos nas extremidades, ocorrendo de acordo com a técnica ou com o excedente
de pele1,2,9.
Modolin e cols.10 avaliaram os resultados e o
grau de satisfação de 18 pacientes com empregos de braquioplastia com técnica
modificada em duplo fuso para tratamento de braço em pacientes pós-bariátricos. Nos
resultados observou-se IMC médio pré-bariátrico de 57,1 kg/m2, e na pré-braquioplastia de 28,3 kg/m2. A satisfação das pacientes foi de 90%, sendo uma relação
negativa de perda de peso acentuado e grau de satisfação10.
Lacerda e cols.11 mostraram a experiência
utilizando técnica em L para braquioplastia, proposto por Franco e Rebelo com 12
pacientes. A média de IMC para cirurgia foi de 26,5 kg/m2. Observou-se 12,5% de infecção dos membros, e um paciente com
alargamento de cicatriz. As cicatrizes foram posicionadas no sulco braquial11.
Cintra Junior e cols.12,13 avaliaram 34 pacientes quanto ao grau de
satisfação. Desses, 97% eram mulheres, com IMC pré-gastroplastia de 51 kg/m2 e pré-braquioplastia de 29 kg/m2, que foram submetidas a braquioplastia, com
grau de satisfação de 81% e resultado de 69% próximo ao esperado12,13.
Outros estudos são vistos avaliando o perfil do paciente pós-bariátrico, como Rosa
e
cols., 201814, que avaliaram o perfil
antropométrico do paciente submetido à cirurgia bariátrica desde antes da cirurgia,
até após a cirurgia plástica reconstrutora. No estudo, 139 pacientes foram
avaliados, sendo desses 130 mulheres, com média de idade de 41 anos. O IMC no
momento da cirurgia plástica foi de 27,44 kg/m2. Desses, 76,97% foram submetidos à abdominoplastia seguida de
mamoplastia (42,46%), ritidoplastia (17,27%) e braquioplastia (13,67%). A taxa de
complicação geral foi de 22%. Dos pacientes submetidos à cirurgia plástica, 90% dos
pacientes relataram que houve melhora da qualidade de vida14.
O presente estudo evidenciou que o total de pacientes eram mulheres, concordando com
a sua predominância na literatura. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de
as
mulheres terem maior preocupação com a aparência, visto que isso implica na
autoconfiança, relacionamento e interação social. Além disso, são alvos mais
frequentes dos ideais da mídia em relação a padrões de beleza10,11,13,14.
A idade média da amostra foi de 50 anos, o que vai de encontro com os achados de Rosa
e cols.14
A média do IMC antes da cirurgia plástica de 26,8 kg/m2 foi similar ao encontrado por outros autores10,11,13,14,
mas bem abaixo do IMC de 35,6 kg/m2 verificado
por Shermak e cols.15
Quanto à melhora na qualidade de vida após a cirurgia plástica reparadora, foi
observado alto grau de satisfação referido pelas pacientes, como destacado por
Lacerda, Modolin e Cintra10,11,13.
Com relação à cor da pele, observamos que a maioria dos pacientes eram brancas (56%),
o que pode ser explicado pelo perfil socioeconômico da população que tem acesso à
cirurgia plástica. Uma possível explicação para a ausência da população negra nesse
estudo seria a maior tendência a cicatrizes hipertróficas e queloides nesse grupo
étnico, sendo, então, desencorajadas a realizar a cirurgia.
Quanto à melhora quantitativa, avaliando a redução da deformidade em “asa de
morcego”, não foram encontrados estudos semelhantes. Alguns artigos avaliaram a
qualidade de vida e o grau de satisfação após o procedimento, configurando
subjetividade à análise.
Foi observada uma melhora com significância estatística dos resultados alcançados
por
pacientes submetidos a braquioplastia pela técnica descrita por Pitanguy.
CONCLUSÃO
Nosso estudo evidencia uma avaliação quantitativa da diminuição do retalho braquial
em pacientes submetidos a essa cirurgia, nunca antes descrito na literatura,
constituindo-se como inédito e como um ponto inicial para que outros trabalhos
possam avaliar e contribuir para a melhora do grau de satisfação e qualidade de vida
de pacientes submetidos a braquioplastia.
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1. Instituto Ivo Pitanguy, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.
2. Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro,
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