INTRODUÇÃO
Os defeitos secundários da calota craniana podem ter origem por diversos motivos,
como craniectomias descompressivas, trauma cranioencefálico severo, infecções,
sequelas de ressecções oncológicas, sequelas de cranioplastias em cranioestenoses,
entre muitas outras causas. Os defeitos extensos de calota geralmente possuem um
curso complexo, muito frequentemente associados com infecção local, osteonecrose,
cirurgias prévias ou rejeição de material aloplástico; dessa forma dificultando a
escolha do método reconstrutivo a ser utilizado.
As técnicas descritas de cranioplastia para reconstrução de calota são várias e
também são muitas as complicações. É realizada para atingir a reabilitação funcional
e morfológica. A correção cirúrgica dos defeitos do crânio tem como objetivos
principais a proteção do cérebro e melhora estética para o paciente. Outras
indicações para a correção cirúrgica desses defeitos incluem: tratamento da síndrome
do trefinado (cefaleia crônica, falta de expansão cerebral, bradicinesia, piora da
função cognitiva, proteção das partes moles encefálicas, melhora da dinâmica do
líquido cefalorraquidiano e do fluxo vascular.
Diversos são os materiais já utilizados e descritos com a finalidade de correção dos
grandes defeitos cranianos adquiridos, e dentre os aloplásticos estão:
hidroxiapatita, metilmetacrilato, cimentos de fosfato de cálcio, polietileno poroso,
e a malha de titânio. Dentre os biológicos utilizados com esse objetivo, os enxertos
ósseos autólogos da calota e costelas têm sido os métodos de primeira eleição para
reconstrução de calota.
Reconstruir defeitos extensos da calota craniana é um desafio cirúrgico, porque
também existe a possibilidade de produzir maior dano. Porém, neste trabalho
apresentamos a utilização da bipartição óssea como uma técnica segura e com ótimos
resultados, segundo o princípio da escada reconstrutiva por semelhança
like with like.
OBJETIVO
Descrever os resultados da utilização da técnica de bipartição óssea (autoenxerto)
para a reconstrução de um defeito extenso da calota craniana em um caso clínico de
um paciente masculino com um defeito na região temporoparietal à direita como
sequela de um traumatismo cranioencefálico severo e processos infecciosos
posteriores.
MÉTODO
Relato de um caso de reconstrução de uma falha craniana extensa após traumatismo
severo, osteomielite e rejeição de material aloplástico. As informações foram
obtidas por meio da revisão do prontuário, exame físico do paciente, achados
cirúrgicos, documentação fotográfica transoperatória e das tomografias pré e
pós-cirúrgicas. Exemplificamos a eficácia da técnica do autoenxerto, ao optar pela
reconstrução de grandes defeitos cranianos por meio da bipartição do osso
parietal.
Paciente masculino de 45 anos, com histórico de traumatismo cranioencefálico severo
com hematoma subdural à direita e fratura de T12. Inicialmente tratado em outro
centro hospitalar mediante craniectomia descompressiva e drenagem de hematoma com
colocação de derivação ventrículo-peritoneal (DVP). No primeiro tempo cirúrgico, o
osso parietal direito foi colocado no abdome; porém, foi retirado por processo
infeccioso no local e osteomielite. Posteriormente realizaram uma cranioplastia com
material aloplástico (hidroxiapatita). Cursou novamente com processo infeccioso do
sistema nervoso central (Enterobacter baumannii e
Pseudomona aeruginosa), com retirada de DVP por ventriculite e
colocação de derivação externa.
Finalmente, apresentou um novo evento de infecção do material aloplástico. O paciente
foi transferido ao nosso centro hospitalar, sendo intervido pela equipe da
neurocirurgia para a retirada da prótese e drenagem de abscesso extradural com
cultural positiva para Enterobacter cloacae. Após a retirada do
material aloplástico, achamos um defeito extenso na região parietotemporal à
direita, com uma dimensão de 11,99 cm × 11,27 cm e com uma área aproximada de
120 cm2 evidenciada na tomografia pre operatória.
RESULTADOS
Seguindo os princípios da reconstrução autóloga por semelhança like with
like, foi retirado o enxerto autólogo do osso parietal contralateral
considerando as dimensões do defeito na tomografia pré-operatória e de acordo com
os
achados transoperatórios. A equipe da cirurgia plástica-craniofacial realizou a
bipartição óssea com serra reciprocante e osteotomos (para facilitar a bipartição,
o
osso doador foi divido em três peças). O osso contava com excelente espaço diploico
(Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Defeito extenso do parietal.
Figura 1 - Defeito extenso do parietal.
Figura 2 - Área doadora. Osso parietal contralateral.
Figura 2 - Área doadora. Osso parietal contralateral.
A osteossíntese da área doadora e da receptora foi realizada com um sistema de
miniplacas e parafusos de titânio de 1,2 mm – não absorvível. O procedimento
cirúrgico foi realizado em um tempo aproximado de 3 horas, sem necessidade de
hemotransfusão, e com fechamento adequado do defeito craniano (Figuras 3 e 4). O paciente
cursou com um posicionamento pós-operatório imediato em Tredelenburg para diminuir
o
espaço morto. A evolução não apresentou morbidades associadas (hemorragia,
reabsorção, infecção, ou fístula liquórica).
Figura 3 - Bipartição óssea.
Figura 3 - Bipartição óssea.
Figura 4 - Osteossíntese. Área doadora e receptora.
Figura 4 - Osteossíntese. Área doadora e receptora.
A evolução pós-operatória foi ótima, com adequada integração e contato ósseo no
defeito parietal direito, sem evidência de deslocamento ou reabsorção óssea. A fossa
temporal foi coberta pelo músculo temporal, e consideramos que não era necessário
enxertar mais osso porque a pressão atmosférica não geraria maior dano na região
anatômica (Figura 5).
Figura 5 - Pós-operatório (TC).
Figura 5 - Pós-operatório (TC).
DISCUSSÃO
Assim como esse caso apresentado, a maioria dos defeitos da calota craniana sempre
são um desafio. O enxerto autólogo, mediante a técnica de bipartição, é amplamente
utilizado na região craniofacial. Esse enxerto tem vantagens, em comparação com os
materiais aloplásticos, pois é um tecido das mesmas características da área
receptora. O autoenxerto é de maior utilidade e é de primeira eleição na região
craniofacial porque evita complicações imunológicas, rejeição, migração, extrusão,
infecção, entre outras.
A literatura sugere reconstruir com autoenxerto aqueles defeitos com uma área maior
que 4 cm2. Aqueles defeitos com áreas lineares menores até podem ser
tratados de maneira conservadora. Em comparação com grandes revisões da literatura,
o caso apresentado neste trabalho tinha um defeito muito maior que a média (120
cm2 × 93 cm2). Além disso, o paciente apresentava
riscos pré-operatórios que dificultavam mais o seu tratamento, já tinha histórico
de
reconstrução com material aloplástico que infeccionou e precisou de retirada,
exemplificando claramente o que diz a literatura: a reconstrução com esse tipo de
material sintético tem 50% de maior risco de complicações (risco relativo de 1,57),
como infecções (risco relativo de 4,8) e altas taxas de cirurgias secundárias (risco
relativo de 1,48).
O autoenxerto sempre será uma melhor opção porque tem a capacidade de revascularizar,
diminuindo as taxas de infecções; e pode ser utilizada para reconstruir defeitos de
até 500 cm2.
Algumas críticas ou desvantagens da utilização de autoenxerto ósseo podem ser as
seguintes: é necessário contar com uma equipe de profissionais capacitados para
realizar a craniotomia da área doadora sem acrescentar morbidade no paciente; zonas
doadoras limitadas, dano na zona doadora, risco de reabsorção óssea, tempo cirúrgico
adicional ou internação hospitalar prolongada. Porém, os riscos do enxerto autólogo
não superam as grandes taxas de complicações com os materiais aloplásticos.
Uma consideração de importância para melhorar a integração óssea do enxerto é
conseguir uma adequada fixação e contato ósseo, já que tem sido demonstrado que os
movimentos entre as bordas do enxerto e da zona receptora incrementam a taxa de
reabsorção, e por isso a fixação com material de osteossíntese deve ser realizada
com bom planejamento pré e transoperatório1-6.
CONCLUSÃO
A bipartição óssea é uma técnica efetiva para obter enxertos ósseos autólogos da
calota craniana para cobertura de defeitos maiores. O sucesso da técnica utilizada
se deve à melhor integração, maior estabilidade na fixação e ótima compatibilidade
tecidual. Além disso, a utilização de enxertos autólogos está associada com uma
menor taxa de complicações. Com base na literatura e nos resultados evidenciados
nesse caso, os defeitos maiores de calota craniana não precisam ser tratados com
próteses sintéticas, se contarmos com a possibilidade de reconstruir com enxertos
autólogos. O enxerto autólogo sempre será a melhor opção na escada reconstrutiva da
calota craniana.
Referências
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1. Fellowship Cirurgia Craniofacial, Porto Alegre,
RS, Brasil.
2. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto
Alegre, RS, Brasil.
Endereço Autor: Jorge Carlos Lopez Moran Rua Ramiro
Barcelos, nº 2350 - Santa Cecilia, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90035-007
E-mail: jorgemoran87@gmail.com