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Case Report - Year2019 - Volume34 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0022

RESUMO

Introdução: A ressecção de tumores invasivos de cabeça e pescoço pode resultar em defeitos extensos e complexos exigindo reparação imediata. Uma das opções de reparação é a transferência, utilizando técnica de microcirurgia vascular, do retalho musculocutâneo do reto abdominal pediculado nos vasos epigástricos inferiores profundos (TRAM). O presente estudo tem como objetivo registrar um procedimento utilizado no tratamento reparador microcirúrgico de fibrohistiocitoma maligno gigante de face com retalho TRAM.
Relato de Caso: Paciente procurou atendimento médico devido a lesão tumoral gigante em hemiface direita. Foi realizada a tomografia computadorizada do crânio revelando volumoso processo expansivo de aspecto vegetante com limites mal definidos. Após os procedimentos básicos no pré-operatório, realizou-se a exérese do tumor que acometia músculos masseter e temporal direito, glândula parótida, assoalho orbitário à direita e osso malar. Posteriormente, retirou-se o retalho microcirúrgico do músculo reto do abdome em conjunto com a artéria epigástrica inferior profunda através de incisão cirúrgica da área hipogástrica. Em seguida, dissecção da artéria e veia facial utilizando microscópio e anastomoses venosa e arterial. Quanto à evolução retalho apresentou-se íntegro, com boa perfusão, sem sinais de infecção.
Conclusões: A reconstrução facial microcirúrgica oferece liberdade ao cirurgião de cabeça e pescoço para realizar grandes ressecções tumorais.

Palavras-chave: Retalho miocutâneo; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Neoplasias; Reto do abdome; Face

ABSTRACT

Introduction: The resection of invasive tumors of the head and neck can result in extensive and complex defects requiring immediate repair. One repair option is the transfer of a transverse rectus abdominis myocutaneous (TRAM) flap pedicled on deep inferior epigastric vessels using vascular microsurgery. This study aimed to register a procedure used in the microsurgical treatment of giant malignant fibrous histiocytoma of the face using a TRAM flap.
Case Report: A male patient sought medical care for a giant tumoral lesion in the right hemiface. Computed tomography of the skull revealed a voluminous expansive process of vegetating aspect with poorly defined borders. The excision of the tumor affected the right masseter and temporalis muscles, parotid gland, and right orbital and malar bones. Subsequently, microsurgical withdrawal of the TRAM flap was performed with the deep inferior epigastric artery through a surgical incision in the hypogastric area. Dissection of the facial artery and vein under microscopy and venous and arterial anastomoses followed. The flap was intact with good perfusion and no signs of infection.
Conclusions: Microsurgical facial reconstruction allows head and neck surgeons to resect large tumors.

Keywords: Myocutaneous flap; Reconstructive surgical procedures; Neoplasms; Rectus abdominis; Face


INTRODUÇÃO

O fibrohistiocitoma maligno é a neoplasia maligna mesenquimal (sarcoma) de partes moles, em que os histiócitos agem como fibroblastos facultativos ou que alguns elementos do mesênquima primitivo dariam lugar aos fibroblastos e histiócitos1-4, tendo o potencial de surgir em qualquer parte do organismo. A ressecção completa e precoce da lesão, com margens livres, acompanhada da exérese de linfonodos regionais, é a conduta terapêutica indicada em todos os casos de fibrohistiocitoma maligno devido à agressividade tumoral2,5.

As ressecções de tumores invasivos de cabeça e pescoço podem resultar em defeitos extensos e complexos, devido a grandes ressecções, levando à exposição de estruturas vitais, bem como comunicação direta entre a oronasofaringe e o encéfalo, exigindo reparação imediata. Esses pacientes podem ter limitações significativas, com alta morbidade e diminuição da qualidade de vida6,7.

Dessa forma, diversos retalhos microcirúrgicos foram utilizados para a reparação desses defeitos da região da cabeça e pescoço1. Estudos afirmam a superioridade dos retalhos livres musculocutâneos em relação aos fasciocutâneos, sendo o mais utilizado o retalho do reto abdominal, embora outro tipo muito usado atualmente seja o retalho livre da coxa anterolateral6,8-11.

Dentre as vantagens em se utilizar o retalho do reto abdominal, pode-se citar a pequena incidência de complicações, a facilidade na elevação no retalho e a presença de longo, calibroso e constante pedículo vascular representado pela artéria epigástrica inferior profunda8,11.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é relatar tratamento microcirúrgico reparador de um paciente com fibrohistiocitoma maligno gigante de face utilizando o retalho miocutâneo transverso do reto do abdome (TRAM).

RELATO DE CASO

A pesquisa em questão foi realizada segundo os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitando as Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução CNS 196/96) do Conselho Nacional de Saúde, sendo realizado estudo retrospectivo, com dados obtidos por intermédio de entrevista semiestruturada, observação direta e pesquisa documental que inclui o prontuário médico do paciente, sendo que essas etapas foram realizadas após aprovação do anteprojeto pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão de Medicina e Comissão de Ética da Universidade Estadual do Pará e autorizada pelo Diretor Clínico do Hospital Ophir Loyola e pelo paciente por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

História

Paciente, gênero masculino, 56 anos de idade, procurou atendimento médico com queixa de lesão tumoral gigante em hemiface direita. Relata início no ano de 1995, como lesão eritematopapulosa em região malar direita, de crescimento progressivo até a formação de lesão ulcerovegetante na face. Procurando assistência médica com diagnóstico inicial de leishimaniose tegumentar americana, sendo instituído tratamento com N-metil-glucamina; não havendo melhora, foi realizada a biópsia atestando carcinoma espinocelular, quando foi encaminhado ao nosso serviço para realizar radioterapia (RT).

Dois anos após o tratamento inicial, surgiu nova lesão vegetante em hemiface direita acompanhada de dor local em ardência (sic), sendo instituídas novas sessões de radioterapia.

Cinco anos mais tarde, em 2002, apareceu lesão ulcerovegetante de crescimento rápido em cima de lesão cicatricial produzida pela radioterapia (RT), acompanhada de dor local de moderada intensidade, eliminação de secreção purulenta de odor fétido e hemática.

Ao exame físico, encontrava-se emagrecido com lesão ulcerovegetante hiperemiada com centro necrótico e infectado gigante em hemiface direita que se estendia à órbita ipsilateral medindo 11x10cm e com sinais flogísticos (Figura 1). Verificou-se ausência da mão direita como consequência de acidente de trabalho. Os exames do tórax e abdome mostraram-se sem alterações, e hemograma revelou anemia hipocrômica e microcítica e leucocitose.

Figura 1 - Lesão tumoral ulcerovegetante com centro necrótico e infectado em hemiface direita.

A tomografia computadorizada do crânio revelou volumoso processo expansivo de aspecto vegetante com limites mal definidos comprometendo partes  moles;  sinais  de  destruição das paredes ósseas do arco zigomático e comprometimento do músculo temporal direito; notando-se íntima relação com a região palpebral direita e borda anterior do globo ocular.

Em 2003, foi realizada a ressecção do tumor de face seguida de reconstrução microcirúrgica com retalho miocutâneo do reto abdominal.

Técnica Cirúrgica

Iniciado procedimento com incisão perilesional, sendo realizada dissecção cuidadosa da lesão tumoral, seguida de exérese do tumor que acometia músculos masseter e temporal direito, glândula parótida, assoalho orbitário à direita e osso malar e esvaziamento linfonodal submandibular à direita.

Posteriormente, incisão cirúrgica na área hipogástrica, incluindo toda a área infraumbilical, com tamanho de 21 x 37cm nos seus maiores eixos e descolamento do segmento hipogástrico acompanhado de dissecção da artéria epigástrica inferior profunda (EIP) e ligadura da veia e artéria EIP, sendo retirado o retalho microcirúrgico.

Dissecção da artéria e veia facial utilizando microscópio com aumento de 40 vezes, anastomoses venosa e arterial término-terminal da veia e artéria facial com os vasos EPI com fio mononylon 10-0 com sucesso de patência e fluxo utilizando instrumental microcirúrgico apropriado, seguido de fixação do retalho miocutâneo na área ressecada com fio Vicryl 2-0 (Figura 2).

Figura 2 - Pós-operatório imediato.

RESULTADOS

Após o procedimento cirúrgico, o paciente foi encaminhado ao Centro de Terapia Intensiva, onde permaneceu por dois dias, sendo medicado com dobutamina e dopamina, devido hipotensão arterial, sendo que o retalho se encontrava viável, com boa perfusão e sem sinais de isquemia e mantida a antibioticoterapia.

No quinto dia pós-operatório, o paciente iniciou eliminação de secreção purulenta pelo dreno, sendo iniciado novo esquema de antibiótico, que, após alguns ajustes, devido episódios diarreicos, foi mantido até a alta, 16 dias após a cirurgia, quando o paciente apresentava bom estado geral e com retalho miocutâneo íntegro.

O histopatológico do material analisado revelou carcinoma epidermoide pouco diferenciado, grau III de Broders. Entretanto, a imuno-histoquímica com os antígenos HMB-45, S-100, Vimentina, PCNA, AE1 e AE2-citoqueratinas demonstrou que a lesão tinha origem mesenquimal, compatível com fibrohistiocitoma maligno com alta atividade proliferativa.

Oito meses após a cirurgia, o paciente retornou ao ambulatório com retalho íntegro, com boa perfusão, sem sinais de infecção e aumentado de volume. A linha de sutura mostrava-se em bom estado cicatricial. Referia diferença de coloração da pele da face e do retalho e apresentava desvio da comissura labial para a esquerda. Além de observada uma fragilidade na parede abdominal na área doadora do retalho.

DISCUSSÃO

Na presente pesquisa, optou-se pela utilização do retalho miocutâneo do reto abdominal para a correção do defeito facial após exérese tumoral, em virtude da vantagem tanto funcional como estética9, ausência de cirurgias abdominais prévias pelo paciente, facilidade técnica na dissecção do retalho por profissional qualificado, pela ressecção tumoral prévia sem necessidade de mudança de decúbito e devido à versatilidade do retalho.

A literatura pesquisada relata que, dentre as complicações desta técnica de reparação microcirúrgica, a necrose do retalho transferido é a mais comum6,12, sendo a radioterapia prévia um fator de risco devido atuar sobre os vasos receptores, provocando maior dificuldade de dissecção dos mesmos e maior dificuldade técnica para a confecção das anastomoses vasculares6,13.

Entretanto, nesta pesquisa, não foi observada necrose do retalho miocutâneo, apesar da radioterapia prévia realizada pelo paciente. Outra complicação é a hérnia incisional na área doadora, sendo contornada facilmente com sutura de fio inabsorvível sem reforço, com tela de material sintético6,8,10, no período de acompanhamento do caso (12 meses), foi observada fragilidade da parede abdominal (área doadora) do paciente após a retirada do retalho, como descrito na literatura.

A diferença de coloração entre a pele da face e do retalho relatada na literatura é bastante visível no paciente em questão, porém na fase inicial, diminuindo gradativamente com o tempo6.

Quanto à manifestação clínica do fibrohistiocitoma maligno, o caso em questão mostrou-se incomum, uma vez que é rara a localização do tumor na região da cabeça e pescoço, é mais comum em crianças e quanto à extensão tumoral geralmente de 1 a 2 cm de diâmetro, segundo a literatura pesquisada1-4, sendo que no caso em questão ocorreu em indivíduo sexagenário e o tumor media 11cm.

CONCLUSÕES

A reconstrução facial microcirúrgica, especialmente utilizando o retalho do músculo reto abdominal, confere ao cirurgião de cabeça e pescoço liberdade para realizar grandes ressecções tumorais, preservando a qualidade de vida dos pacientes portadores de câncer.

AGRADECIMENTOS

A Dra. Maria Vanda C. Arnaud pela disponibilidade e realização da imunohistoquímica, a Dra. Tathiane Lamarão Vieira De Graaf que gentilmente cedeu-nos as lâminas do histopatológico, a Dra. Sâmia Demachki pela disponibilidade na realização da fotografia da lâmina do histopatológico.

Aos amigos Kallene Summer Vidal, Lorena Vidal, Rodrigo Cordovil, Ana Júlia, Alfredo Nadir Abud Neto, Karen Roberta N. Souza pelos préstimos cedidos na realização deste trabalho.

COLABORAÇÕES

RAAA

Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; redação - revisão e edição; supervisão.

BRAP

Redação - revisão e edição; supervisão.

RCCA

Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; concepção e desenho do estudo; redação - preparação do original; redação - revisão e edição.

BFAP

Coleta de dados; concepção e desenho do estudo.

REFERÊNCIAS

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1. Hospital Ophir Loyola, Belém, PA, Brasil
2. Universidade Estadual do Pará, Belém, PA, Brasil
3. Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil.

Instituição: Hospital Ophir Loyola, Belém, PA, Brasil.

Autor correspondente: Rui Antonio Aquino de Azevedo Padre Eutíquio, nº 1380 - Batista Campos, Belém, PA, Brasil CEP 66035-045 E-mail: drruiazevedo@hotmail.com

Artigo submetido: 8/3/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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