INTRODUÇÃO
O fibrohistiocitoma maligno é a neoplasia maligna mesenquimal (sarcoma) de partes
moles, em que os histiócitos agem como fibroblastos facultativos ou que alguns
elementos do mesênquima primitivo dariam lugar aos fibroblastos e histiócitos1-4, tendo o potencial de surgir em qualquer parte do organismo. A
ressecção completa e precoce da lesão, com margens livres, acompanhada da exérese
de
linfonodos regionais, é a conduta terapêutica indicada em todos os casos de
fibrohistiocitoma maligno devido à agressividade tumoral2,5.
As ressecções de tumores invasivos de cabeça e pescoço podem resultar em defeitos
extensos e complexos, devido a grandes ressecções, levando à exposição de estruturas
vitais, bem como comunicação direta entre a oronasofaringe e o encéfalo, exigindo
reparação imediata. Esses pacientes podem ter limitações significativas, com alta
morbidade e diminuição da qualidade de vida6,7.
Dessa forma, diversos retalhos microcirúrgicos foram utilizados para a reparação
desses defeitos da região da cabeça e pescoço1. Estudos afirmam a superioridade dos retalhos livres musculocutâneos em
relação aos fasciocutâneos, sendo o mais utilizado o retalho do reto abdominal,
embora outro tipo muito usado atualmente seja o retalho livre da coxa
anterolateral6,8-11.
Dentre as vantagens em se utilizar o retalho do reto abdominal, pode-se citar a
pequena incidência de complicações, a facilidade na elevação no retalho e a presença
de longo, calibroso e constante pedículo vascular representado pela artéria
epigástrica inferior profunda8,11.
Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é relatar tratamento microcirúrgico reparador
de um paciente com fibrohistiocitoma maligno gigante de face utilizando o retalho
miocutâneo transverso do reto do abdome (TRAM).
RELATO DE CASO
A pesquisa em questão foi realizada segundo os preceitos da Declaração de Helsinque
e
do Código de Nuremberg, respeitando as Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos
(Resolução CNS 196/96) do Conselho Nacional de Saúde, sendo realizado estudo
retrospectivo, com dados obtidos por intermédio de entrevista semiestruturada,
observação direta e pesquisa documental que inclui o prontuário médico do paciente,
sendo que essas etapas foram realizadas após aprovação do anteprojeto pelo Núcleo
de
Pesquisa e Extensão de Medicina e Comissão de Ética da Universidade Estadual do Pará
e autorizada pelo Diretor Clínico do Hospital Ophir Loyola e pelo paciente por meio
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
História
Paciente, gênero masculino, 56 anos de idade, procurou atendimento médico com
queixa de lesão tumoral gigante em hemiface direita. Relata início no ano de
1995, como lesão eritematopapulosa em região malar direita, de crescimento
progressivo até a formação de lesão ulcerovegetante na face. Procurando
assistência médica com diagnóstico inicial de leishimaniose tegumentar
americana, sendo instituído tratamento com N-metil-glucamina; não havendo
melhora, foi realizada a biópsia atestando carcinoma espinocelular, quando foi
encaminhado ao nosso serviço para realizar radioterapia (RT).
Dois anos após o tratamento inicial, surgiu nova lesão vegetante em hemiface
direita acompanhada de dor local em ardência (sic), sendo instituídas novas
sessões de radioterapia.
Cinco anos mais tarde, em 2002, apareceu lesão ulcerovegetante de crescimento
rápido em cima de lesão cicatricial produzida pela radioterapia (RT),
acompanhada de dor local de moderada intensidade, eliminação de secreção
purulenta de odor fétido e hemática.
Ao exame físico, encontrava-se emagrecido com lesão ulcerovegetante hiperemiada
com centro necrótico e infectado gigante em hemiface direita que se estendia à
órbita ipsilateral medindo 11x10cm e com sinais flogísticos (Figura 1). Verificou-se ausência da mão
direita como consequência de acidente de trabalho. Os exames do tórax e abdome
mostraram-se sem alterações, e hemograma revelou anemia hipocrômica e
microcítica e leucocitose.
Figura 1 - Lesão tumoral ulcerovegetante com centro necrótico e infectado em
hemiface direita.
Figura 1 - Lesão tumoral ulcerovegetante com centro necrótico e infectado em
hemiface direita.
A tomografia computadorizada do crânio revelou volumoso processo expansivo de
aspecto vegetante com limites mal definidos comprometendo partes moles;
sinais de destruição das paredes ósseas do arco zigomático e comprometimento
do músculo temporal direito; notando-se íntima relação com a região palpebral
direita e borda anterior do globo ocular.
Em 2003, foi realizada a ressecção do tumor de face seguida de reconstrução
microcirúrgica com retalho miocutâneo do reto abdominal.
Técnica Cirúrgica
Iniciado procedimento com incisão perilesional, sendo realizada dissecção
cuidadosa da lesão tumoral, seguida de exérese do tumor que acometia músculos
masseter e temporal direito, glândula parótida, assoalho orbitário à direita e
osso malar e esvaziamento linfonodal submandibular à direita.
Posteriormente, incisão cirúrgica na área hipogástrica, incluindo toda a área
infraumbilical, com tamanho de 21 x 37cm nos seus maiores eixos e descolamento
do segmento hipogástrico acompanhado de dissecção da artéria epigástrica
inferior profunda (EIP) e ligadura da veia e artéria EIP, sendo retirado o
retalho microcirúrgico.
Dissecção da artéria e veia facial utilizando microscópio com aumento de 40
vezes, anastomoses venosa e arterial término-terminal da veia e artéria facial
com os vasos EPI com fio mononylon 10-0 com sucesso de patência e fluxo
utilizando instrumental microcirúrgico apropriado, seguido de fixação do retalho
miocutâneo na área ressecada com fio Vicryl 2-0 (Figura 2).
Figura 2 - Pós-operatório imediato.
Figura 2 - Pós-operatório imediato.
RESULTADOS
Após o procedimento cirúrgico, o paciente foi encaminhado ao Centro de Terapia
Intensiva, onde permaneceu por dois dias, sendo medicado com dobutamina e dopamina,
devido hipotensão arterial, sendo que o retalho se encontrava viável, com boa
perfusão e sem sinais de isquemia e mantida a antibioticoterapia.
No quinto dia pós-operatório, o paciente iniciou eliminação de secreção purulenta
pelo dreno, sendo iniciado novo esquema de antibiótico, que, após alguns ajustes,
devido episódios diarreicos, foi mantido até a alta, 16 dias após a cirurgia, quando
o paciente apresentava bom estado geral e com retalho miocutâneo íntegro.
O histopatológico do material analisado revelou carcinoma epidermoide pouco
diferenciado, grau III de Broders. Entretanto, a imuno-histoquímica com os antígenos
HMB-45, S-100, Vimentina, PCNA, AE1 e AE2-citoqueratinas demonstrou que a lesão
tinha origem mesenquimal, compatível com fibrohistiocitoma maligno com alta
atividade proliferativa.
Oito meses após a cirurgia, o paciente retornou ao ambulatório com retalho íntegro,
com boa perfusão, sem sinais de infecção e aumentado de volume. A linha de sutura
mostrava-se em bom estado cicatricial. Referia diferença de coloração da pele da
face e do retalho e apresentava desvio da comissura labial para a esquerda. Além de
observada uma fragilidade na parede abdominal na área doadora do retalho.
DISCUSSÃO
Na presente pesquisa, optou-se pela utilização do retalho miocutâneo do reto
abdominal para a correção do defeito facial após exérese tumoral, em virtude da
vantagem tanto funcional como estética9,
ausência de cirurgias abdominais prévias pelo paciente, facilidade técnica na
dissecção do retalho por profissional qualificado, pela ressecção tumoral prévia sem
necessidade de mudança de decúbito e devido à versatilidade do retalho.
A literatura pesquisada relata que, dentre as complicações desta técnica de reparação
microcirúrgica, a necrose do retalho transferido é a mais comum6,12, sendo a
radioterapia prévia um fator de risco devido atuar sobre os vasos receptores,
provocando maior dificuldade de dissecção dos mesmos e maior dificuldade técnica
para a confecção das anastomoses vasculares6,13.
Entretanto, nesta pesquisa, não foi observada necrose do retalho miocutâneo, apesar
da radioterapia prévia realizada pelo paciente. Outra complicação é a hérnia
incisional na área doadora, sendo contornada facilmente com sutura de fio
inabsorvível sem reforço, com tela de material sintético6,8,10, no período de
acompanhamento do caso (12 meses), foi observada fragilidade da parede abdominal
(área doadora) do paciente após a retirada do retalho, como descrito na
literatura.
A diferença de coloração entre a pele da face e do retalho relatada na literatura
é
bastante visível no paciente em questão, porém na fase inicial, diminuindo
gradativamente com o tempo6.
Quanto à manifestação clínica do fibrohistiocitoma maligno, o caso em questão
mostrou-se incomum, uma vez que é rara a localização do tumor na região da cabeça
e
pescoço, é mais comum em crianças e quanto à extensão tumoral geralmente de 1 a 2
cm
de diâmetro, segundo a literatura pesquisada1-4, sendo que no caso
em questão ocorreu em indivíduo sexagenário e o tumor media 11cm.
CONCLUSÕES
A reconstrução facial microcirúrgica, especialmente utilizando o retalho do músculo
reto abdominal, confere ao cirurgião de cabeça e pescoço liberdade para realizar
grandes ressecções tumorais, preservando a qualidade de vida dos pacientes
portadores de câncer.
AGRADECIMENTOS
A Dra. Maria Vanda C. Arnaud pela disponibilidade e realização da imunohistoquímica,
a Dra. Tathiane Lamarão Vieira De Graaf que gentilmente cedeu-nos as lâminas do
histopatológico, a Dra. Sâmia Demachki pela disponibilidade na realização da
fotografia da lâmina do histopatológico.
Aos amigos Kallene Summer Vidal, Lorena Vidal, Rodrigo Cordovil, Ana Júlia, Alfredo
Nadir Abud Neto, Karen Roberta N. Souza pelos préstimos cedidos na realização deste
trabalho.
COLABORAÇÕES
RAAA
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Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
redação - revisão e edição; supervisão.
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BRAP
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Redação - revisão e edição; supervisão.
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RCCA
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Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; concepção e
desenho do estudo; redação - preparação do original; redação - revisão e
edição.
|
BFAP
|
Coleta de dados; concepção e desenho do estudo.
|
REFERÊNCIAS
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1. Hospital Ophir Loyola, Belém, PA,
Brasil
2. Universidade Estadual do Pará, Belém, PA,
Brasil
3. Universidade Federal do Pará, Belém, PA,
Brasil.
Autor correspondente: Rui Antonio Aquino de
Azevedo Padre Eutíquio, nº 1380 - Batista Campos, Belém, PA, Brasil
CEP 66035-045 E-mail: drruiazevedo@hotmail.com
Artigo submetido: 8/3/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Conflitos de interesse: não há.