ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Retalho plantar medial de fluxo retrógrado para reconstrução de defeitos de dorso de pé
Retrograde flow medial plantar artery flap reconstruction for defects of the dorsal metatarsophalangeal region
Case Report -
Year2017 -
Volume32 -
Issue
4
Altino Vieira de Rezende Filho Neto1,2,3; Adilson Alves da Silva3; Jefferson Lessa Soares de Macedo1,3,4; Simone Correa Rosa1,3; Guilherme Debiazi Cordini3; Heloiza Gutierrez Yamamoto3
http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2017RBCP0098
RESUMO
INTRODUÇÃO: As reconstruções complexas da região do pé são planejadas com base nas subunidades anatômicas acometidas e pelo fator etiológico da lesão. Para coberturas de defeitos de dorso de pé, temos várias opções, desde as mais simples como enxertia local e retalhos locais ao acaso e retalhos pediculados locorregionais e as complexas com retalhos livres. Este trabalho tem por objetivo relatar um caso, cuja tática cirúrgica inédita na literatura utilizou um retalho plantar medial de fluxo retrógrado na reconstrução dorso-distais do pé. Sua originalidade consiste na passagem do retalho da planta para o dorso através do primeiro espaço intermetatársico.
MÉTODOS: Paciente 20 anos, sexo feminino, vítima de acidente de moto com trauma no pé, com perda de substância de dorso ao nível de 1 ao 5 metatarso, com exposição de osso e tendão. Foi utilizado um retalho plantar medial de fluxo retrógrado, com transposição para o dorso do pé.
RESULTADOS: A reconstrução da região distal do antepé e dedos são desafios. Os enxertos não são ideais para defeitos profundos e com exposição de estruturas nobres. Retalhos locais não são acessíveis para defeitos de dedos. E os retalhos livres são bem indicados para defeitos grandes. Os retalhos de fluxo reverso da artéria plantar medial está indicado e consagrado para a região do antepé e alguns autores modificaram para região de dorso do primeiro metatarso.
CONCLUSÃO: Este retalho se mostra útil também para lesões de dorso de pé por meio dessa nova tática cirúrgica inédita na literatura, com a originalidade da passagem do pedículo da planta para o dorso através do primeiro espaço intermetatársico.
Palavras-chave:
Retalho perfurante; Retalhos cirúrgicos; Traumatismos do pé.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Complex reconstructions of the foot region are planned based on the anatomical subunits affected by the etiological factors of lesions. We have several options for covering defects of the back of the feet, from the simpler ones, such as local graft and local flap at random and locoregional pedicled flaps, to the more complex ones, such as free flaps. Here, we report a case in which an unpublished technique using a retrograde flow medial plantar flap in the reconstruction of dorso-distal structures of the foot was used. Its originality consisted in the passage of the flap of the plant to the back through the first intermetatarsal space.
METHODS: The patient was a 20-year-old woman who had a motorcycle accident, wherein she sustained foot trauma with loss of back substance at the first to fifth metatarsal level, with bone and tendon exposure, and retrograde flow medial plantar flap was used, with transposition to the back of the foot.
RESULTS: The reconstruction of the distal region of the forefoot and fingers is a challenge. Grafts are not ideal for deep defects and exposure of noble structures. Local flaps are inaccessible for finger defects. Furthermore, the free flaps are well indicated for large defects. The flaps of the medial plantar artery are indicated and consecrated to the forefoot region, and some authors have modified to the dorsum region of the first metatarsal.
CONCLUSION: This flap is useful for reconstruction of feet with dorsal lesions through this new technique that is unpublished in the literature, with the originality of the passage of the pedicle from the plant to the back through the first intermetatarsal space.
Keywords:
Perforator flap; Surgical flaps; Foot injuries.
INTRODUÇÃO
As reconstruções complexas da região do pé são planejadas com base nas subunidades anatômicas acometidas pelo fator etiológico da lesão1.
Para coberturas de defeitos de dorso de pé, temos várias opções, desde das mais simples como enxertia local e retalhos locais ao acaso e retalhos pediculados locorregionais e até os mais complexos com retalhos livres.
O determinante da técnica a ser usada dependerá da extensão e profundidade da ferida e das estruturas nobres que estão expostas como osso, músculo, tendão, vasos e nervos.
No espaço retromaleolar medial, ocorre a divisão da artéria tibial posterior nas artérias plantares medial e lateral. Essa bifurcação pode ocorrer em três níveis distintos: a) distal à divisão do nervo tibial em 87% dos casos. b) proximal à divisão em 2% dos casos. c) no mesmo nível em 11% dos casos2.
Quanto ao diâmetro, podemos encontrar: a) a artéria plantar medial é geralmente menos calibrosa que a artéria plantar lateral em 81% dos casos. b) a artéria plantar medial pode ser mais calibrosa em 3% dos casos. c) artéria do mesmo calibre em 16% dos casos2.
Depois da sua origem da artéria tibial posterior, a artéria plantar medial entra no compartimento plantar medialmente ao músculo abdutor do hálux. Na altura da articulação talus-navicular, a artéria plantar medial divide-se em um ramo superficial e outro profundo.
A distância entre a origem da artéria plantar medial e o ponto de divisão de seus ramos (superficial e profundo) é de 2,5 a 3 cm.
O ramo superficial situa-se no septo muscular entre o músculo abdutor do hálux e o flexor curto dos dedos. Emite cerca de 3 a 4 ramos septocutâneos para a pele do oco plantar, constituindo, assim, a base anatômica do retalho plantar medial2.
A artéria plantar medial (APM) apresenta 3 padrões de ramificação: a) Tipo A (54%) com a APM dividindo-se em 2 ramos com predominância do superficial; b) Tipo B (38%) com a ausência de ramo profundo e a APM continua como artéria única (APM superficial); e c) Tipo C (9%) com ramo profundo calibroso alcançando o hálux e um ramo superficial menos calibroso2.
Se laquearmos a artéria plantar medial proximalmente, o fluxo sanguíneo para o oco plantar virá através de sua anastomose com o arco plantar profundo distalmente e em continuidade com a artéria plantar lateral.
A dissecção distal da artéria plantar medial determinará o ponto pivot para a mobilização do retalho. O retalho plantar medial de fluxo retrógrado fornece pele e tecido celular subcutâneo do oco plantar para reconstruções na região plantar do antepé2,3-10.
OBJETIVO
Este trabalho tem por objetivo relatar um caso, cuja tática cirúrgica inédita na literatura utilizou um retalho plantar medial de fluxo retrógrado na reconstrução de estruturas dorso-distais do pé. Sua originalidade consistiu na passagem do retalho da planta para o dorso através do 1º espaço intermetatársico.
MÉTODOS
Este trabalho é baseado em um relato de caso com revisão de prontuário, cuja tática cirúrgica inédita na literatura utilizou um retalho plantar medial de fluxo retrógrado na reconstrução de estruturas dorso-distais do pé.
RESULTADOS
Paciente 20 anos sexo feminino, vítima de acidente de moto com trauma no pé com perda de substância de dorso ao nível de 1º ao 5º metatarso, com exposição de osso e tendão (Figura 1) e fratura do 4º e 5º metatarso tratada ortopedicamente (Figura 2).
Figura 1. Defeito do dorso do pé do 1 ao 5 metatarso e transposição do pedículo do retalho de fluxo distal plantar para o dorso através do 1º espaço intermetatársico.
Figura 2. Fratura do 4º e 5º metatarso tratada com fixação.
Nesta paciente foi utilizado um retalho plantar medial com fluxo retrógrado, baseado na ligadura da artéria plantar medial proximal, com transposição para região dorsal através do 1º espaço intermetatársico (Figuras 1 e 3).
Figura 3. A anatomia vascular e o esquema do retalho plantar medial reverso. Fonte: (Fasciocutaneous island flap based on the medial plantar artery: clinical applications for leg, ankle and forefoot. Baker GL, Newton ED, Franklin JD. Plast Reconstr Surg. 1990;85(1):47-58.)
Após isolamento do pedículo, criou-se um túnel pelo primeiro espaço intermetatársico para assim realizar a transposição do retalho da região plantar para região dorsal e cobertura do 1º ao 5º metatarso (Figura 4).
Figura 4. Retalho interposto e fixado no dorso do pé.
Em seguida, retirada enxertia de pele total da região inguinal para cobertura da área doadora do cavo plantar com curativo de Brown por 5 dias (Figura 5).
Figura 5. Fixação do enxerto de pele total na área doadora do retalho.
A evolução do retalho ocorreu sem sofrimento e sem intercorrência com 1 ano aproximado tempo de pós-operatório, com leve retração cicatricial do 5º quirodáctilo (Figuras 6, 7 e 8).
Figura 6. Pós-operatório tardio da área doadora do retalho com enxerto.
Figura 7. Pós-operatório tardio do retalho em dorso de pé.
Figura 8. Pós-operatório tardio do retalho em dorso de pé.
DISCUSSÃO
As feridas de dorso de pé são provenientes de traumas e infecções ou em decorrência de vasculopatias crônicas por tabagismo e doenças sistêmicas como diabéticos ou hipertensão3-5.
E o tratamento inicial dessas feridas se inicia com tratamento clínico, em sequência de desbridamentos cirúrgicos. Quando a ferida está com melhor aspecto, inicia-se o processo cirúrgico para cobertura com enxertos, retalho local ou retalhos livres.
A reconstrução da região distal do antepé e dedos são desafios. Os enxertos não são ideais para defeitos profundos e com exposição de estruturas nobres. Retalhos locais não são acessíveis para defeitos de dedos. E os retalhos livres são bem indicados para defeitos grandes.
O retalho plantar medial é usado para defeitos da região plantar do pé, especialmente da região do calcanhar. Enquanto que os retalhos de fluxo reverso são baseados no fluxo sanguíneo retrógrado da artéria plantar medial distal para artéria dorsal do pé por meio de vasos comunicantes (perfurantes) dos primeiros metatársicos dorsais. Este tipo de retalho está indicado para a reconstrução de defeitos distais da região plantar, nas cabeças dos metatarsos.
O retalho baseado no fluxo retrógrado é consagrado para região do antepé e alguns autores modificaram para região de dorso do primeiro metatarso5-9.
Oberlin et al.9 descreveram o prolongamento do pedículo com a ligadura justo após a bifurcação da artéria tibial posterior em artéria plantar lateral e medial. Isso permitiu quase dobrar o comprimento do pedículo e o arco de rotação para cobertura de defeitos da planta do antepé e dorso.
Butler & Chevray10 apresentaram algumas recomendações para melhorar a execução deste retalho como: confirmar o fluxo retrógrado antes da divisão dos vasos proximalmente, considerar a realização retalho supercarregado ou conversão em retalho livre, preservação da gordura perivascular do pedículo, não realizar compressão na área de enxertia da área doadora do retalho, fixação do pé em flexão para diminuir tensão do pedículo.
As desvantagens do retalho plantar medial retrógrado se mostram pela falta de sensibilidade e risco do suprimento arterial suficiente e risco da congestão venosa e resultado estético pobre da área doadora do retalho10.
Para Bertelli & Duarte11, a artéria plantar septal descrita recentemente é uma boa opção para defeitos no primeiro metarsofalangeana, embora tecnicamente mais difícil devido ao suprimento muito pequeno.
Tsai et al.12 descreveram 2 casos em que o mesmo retalho foi utilizado para cobertura de dorso de defeitos na região do 1º metatarso, por meio da confecção de um túnel pela borda medial do pé, diferente desta técnica inédita deste caso, em que se pode cobrir defeitos do dorso 1º ao 5º metatarso por meio da transposição do pedículo pelo 1º espaço intermetatársico.
CONCLUSÃO
Neste relato a relevância está em demonstrar que o retalho plantar medial retrógrado modificado, além de ser usado para tratamento de lesões de antepé e lesões da borda medial do 1º metatarso como descrito e consagrado na literatura pela maioria dos autores, também se mostra útil por meio dessa nova tática cirurgia inédita na literatura, com a originalidade da passagem do retalho da planta para o dorso do pé através do 1º espaço intermetatársico para cobertura de lesões de dorso de pé.
COLABORAÇÕES
AVRFN Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
AAS Realização das operações e/ou experimentos.
JLSM Aprovação final do manuscrito.
SCR Análise e/ou interpretação dos dados.
GDC Análise estatística.
HGY Concepção e desenho do estudo.
REFERÊNCIAS
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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Sociedade Brasileira de Microcirurgia, Brasília, DF, Brasil
3. Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, Brasil
4. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Instituição: Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente:
Altino Vieira de Rezende Filho Neto
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E-mail: altinofn@hotmail.com
Artigo submetido: 12/5/2017.
Artigo aceito: 23/9/2017.
Conflitos de interesse: não há.
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