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Tratamento cirúrgico de úlcera por pressão na unidade de Pediatria de hospital de reabilitação
Pressure ulcer treatment in the Pediatric Unit of a Rehabilitation Hospital
RESUMO
INTRODUÇÃO: A úlcera por pressão (UPP) é uma das complicações mais comuns em portadores de lesão medular, dos mais graves e frequentes problemas destes pacientes. A incidência e evolução depende dos grupos estudados, tendo as crianças e adolescentes características específicas durante o crescimento. A maior parte das descrições na literatura referem-se a adultos que desenvolveram UPP durante internação. O objetivo é descrever os resultados de pacientes operados para fechamento de úlcera por pressão na unidade de Pediatria do Hospital Sarah Brasília.
MÉTODOS: Estudo descritivo, retrospectivo de pacientes operados de 2005 a 2010 devido à lesão por pressão e análise estatística.
RESULTADOS: 116 pacientes foram admitidos para tratamento cirúrgico de UPP no Hospital Sarah, sendo 20 (17,2%) internados na Pediatria; 15 (75%) homens e 5 (25%) mulheres, todos provenientes de ambiente comunitário; 60% localizadas na região isquiática; com seguimento de 15 anos; 70% eram portadores de malformação do tubo neural. Os procedimentos cirúrgicos foram indicados para úlcera por pressão grau III e IV. Utilizou-se retalho do músculo glúteo (3), em ilha (8) ou península (3), fechamento primário e coccigectomia; retalho do músculo tensor da fáscia lata. Três casos apresentaram complicações, 65% evoluíram com recidiva e 15% com surgimento de novas lesões na região pélvica.
CONCLUSÃO: A principal causa de lesão por pressão em Pediatria foi devido à malformação do tubo neural (70%), adquiridas na comunidade, localizadas na região isquiática. Embora estivessem em atendimento no programa de reabilitação, ainda foi observado alto índice de recidivas (65%).
Palavras-chave:
Úlcera por pressão; Reabilitação; Pediatria; Tubo neural; Ciática.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Pressure ulcers (PUs), or pressure sores, are among the most common serious complications in patients with spinal cord injury. The incidence and evolution in children and adolescents have specific characteristics. Most prior reports evaluated adults who developed PUs in the hospital. The objective is to describe the outcomes of surgical PU closure in children and adolescents in the Hospital Sarah Brasília pediatric unit.
METHODS: This was a retrospective statistical analysis of patients who underwent surgery for PUs. Statistical analysis of the incidence of PUs was performed using Epi Info version 3.2.2.
RESULTS: Of 116 patients who underwent surgery for PUs at the Hospital Sarah between 2005 and 2010, 20 (17.2%) were admitted to the Pediatric Unit. All 15 (75%) male and 5 (25%) female patients were admitted from a community setting. PUs were located in the ischial region in 60% of patients. The follow-up period was 15 years. Neural tube malformations were present in 70% of patients. We performed surgery for grade III and IV PUs, using gluteal flaps, primary closure and coccygectomy, and tensor fascia lata flaps. Three cases had complications, 65% developed recurrences, and 15% developed new ulcers in the pelvic region.
CONCLUSION: The main cause of PUs in pediatric cases admitted to the rehabilitation hospital was a neural tube malformation (70%) in the ischial region. Despite admission to the rehabilitation program, a high recurrence rate (65%) was observed.
Keywords:
Pressure ulcer; Rehabilitation; Pediatrics; Neural tube; Sciatica.
INTRODUÇÃO
Indivíduos com lesão medular (LM) apresentam uma variedade de complicações secundárias. A úlcera por pressão, ou lesão por pressão, é uma das mais comuns. São definidas como área de lesão localizada na pele e no tecido subjacente causado por pressão, atrito e /ou a combinação destes1,2, classificada de I a IV conforme o grau de comprometimento dos tecidos, é um dos mais graves e frequentes problemas destes pacientes.
Estima-se que 85% de indivíduos com lesão medular vão experimentar uma lesão por pressão durante a vida. McKinley et al.3 observaram que as lesões por pressão foram a complicação mais comum secundária à lesão medular, com taxas de prevalência variando de 15,2% após um ano da lesão, para 29,4% após 20 anos da lesão medular. A ocorrência em serviços de internação de urgência de lesão medular varia de 5 a 30%. Os custos médicos associados ao tratamento das lesões por pressão são elevados e proporcionais à gravidade da úlcera, porque a taxa de cura é mais lenta, tem maior probabilidade de complicações, necessidade de procedimentos cirúrgicos e equipe multidisciplinar.
Vários fatores de risco e de proteção para o desenvolvimento de lesões por pressão têm sido descritos na literatura. Entre estes, a lesão neurológica, baixo peso, anemia, tabagismo, incontinência urinária, doença pulmonar, diminuição de albumina, diabetes, função cognitiva prejudicada, diminuição da mobilidade, aumento da idade, espasticidade, doença renal, entre outros.
Mesmo que muito tenha sido pesquisado e desenvolvido sobre o tema, ainda é um problema constante na prática dos hospitais, e procura-se melhorar o atendimento nesta área. O tratamento cirúrgico das lesões por pressão inclui o desbridamento de tecidos desvitalizados, o fechamento primário, uso de enxertos cutâneos, retalhos musculares ou miocutâneos e a remoção de proeminências ósseas ou de ossificações4-9.
Nos últimos cinco anos, 109 artigos foram publicados na base de dados PubMed com os descritores pressure ulcer and children. As publicações são principalmente sobre escalas de risco de desenvolver úlceras, a incidência, complicações, medidas preventivas e opções de tratamento. O diagnóstico e as comorbidades em crianças têm características específicas devido às causas, o seu crescimento e desenvolvimento.
OBJETIVO
Descrever o resultado do tratamento cirúrgico de lesão por pressão na unidade de Pediatria de hospital de reabilitação.
MÉTODOS
Estudo descritivo, retrospectivo de pacientes operados na Unidade de Pediatria do Hospital Sarah Brasília devido à úlcera por pressão, no período de janeiro de 2005 e dezembro de 2010. O trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Sarah.
Critérios de inclusão: menores de 17 anos de idade submetidos ao tratamento cirúrgico de lesão por pressão, desenvolvidas em ambiente comunitário, operados no Hospital Sarah.
Avaliação pré-operatória
Todos os pacientes foram avaliados no pré-operatório pela equipe médica, enfermagem, nutricionista e de fisioterapia quanto ao mapa sensitivo e motor; exames para avaliação nutricional, da função renal com estudo urodinâmico, e hepática, exames de imagem (Rx, fistulografia, tomografia e ressonância magnética), coleta de secreção da úlcera para cultura e antibiograma.
No laboratório de movimento realizou-se a avaliação funcional do sistema musculoesquelético, definindo-se o padrão de deambulação e mobilidade, a necessidade de adaptações de órteses, bengalas e andadores; avaliação da condição física; orientação e adequação do treinamento fisioterápico e identificação dos fatores de risco de lesões; avaliação quanto à necessidade de procedimentos cirúrgicos para correção de deformidades nos membros inferiores.
Cuidados pós-operatórios
Posicionamento em decúbito ventral, com a proteção dos cotovelos, quadril, joelhos, tornozelos e pés com travesseiros e colchão adaptado por seis semanas. Durante esse período, foram acompanhados por fisioterapeuta para mobilização dos joelhos, tornozelos e pés; mantidos com sonda vesical de demora por 15 dias, quando liberados para realização do cateterismo intermitente. O dreno por aspiração foi removido entre quatro a sete dias; os pontos cirúrgicos foram removidos em 15 dias.
Foram liberados para sentar, uso de cadeira de rodas e órteses a partir da sexta semana, quando foram avaliados e adaptados à nova condição com orientação de alívio da pressão de 15 em 15 minutos, mudança de decúbito de 2/2 h, uso de colchões de ar e adaptações no leito e na almofada da cadeira de rodas, inspeção e cuidados com a pele.
Técnica operatória
Paciente em decúbito ventral posicionado em colchão de ar sob anestesia geral. Utilizou-se antibiótico profilático, cefazolina e gentamicina por 24 horas, de acordo com a função renal, e ou resultado do antibiograma, prevenção contra tromboembolismo. Todos pacientes foram operados por equipe de cirurgiões plásticos, em alguns casos houve a necessidade de intervenção ortopédica.
A lesão por pressão foi marcada com azul de metileno em toda a sua extensão e removida toda a úlcera, fístulas, tecido de granulação, tecido fibrosado adjacente, proeminências ósseas e ossificações heterotópicas vistas no exame de imagem pré-operatório. Fechamento da úlcera por pressão com retalho muscular ou miocutâneo, suturados por planos com pontos com fios de monocryl e mononylon. Colocação de dreno aspirativo 1/8 por contra-abertura com sistema fechado. Rotineiramente, utilizou-se a prevenção ao contato com látex na realização de procedimentos para portadores de mielomeningocele ou antecedentes de alergia ao látex.
Variáveis estudadas: sexo, idade, diagnostico, classificação das lesões por pressão segundo National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP)1, procedimento cirúrgico e evolução pós-operatória.
Análise estatística: análise de frequência programa Epi-info 3.2.2.
RESULTADOS
No período de 2005 a 2010, 116 pacientes foram admitidos para tratamento cirúrgico de lesão por pressão no Hospital Sarah Brasília, sendo 20 (17,2%) com idade menor de 17 anos e internados na Unidade de Pediatria; 15 (75%) homens e 5 (25%) mulheres, desenvolveram a úlcera por pressão (UPP), todos provenientes de ambiente comunitário; 35% procedente do DF e 65% de outros estados brasileiros (Tabela 1).
A distribuição dos pacientes operados está descrita na Tabela 1. 65% estava na faixa etária entre 11 a 17 anos; 70% era portador de malformação do tubo neural (mielomeningocele lombar e torácica); 25% de paraplegia (nível T8,9,12 e L1) e 5% de tetraplegia espástica por afogamento. Quanto à localização da úlcera por pressão, 61% estava localizada na região isquiática, 26% na região sacra e 13% na região trocantérica (destes, um era portador de paraplegia e um de tetraplegia) (Figura 1), sendo que três pacientes apresentavam UPP em mais de um sítio, totalizando 23 procedimentos cirúrgicos para fechamento de UPP.
Figura 1. Distribuição quanto ao diagnóstico.
Todos tinham como comorbidades: bexiga e intestino neurogênico, deformidades no quadril, joelhos e pés, UPP nos pés e região dorsal; em um caso, a ossificação heterotópica, cinco com lesão por pressão nos membros inferiores; luxação do quadril em cinco. Todos desenvolveram a UPP no ambiente comunitário.
Na avaliação da mobilidade observou-se que 95% apresentava mobilidade reduzida, estando entre a deambulação comunitária com uso de órteses, bengalas e cadeira de rodas (Tabela 1). Os procedimentos cirúrgicos foram indicados para úlcera por pressão grau III e IV; em três casos, foi necessário o desbridamento cirúrgico prévio. Utilizou-se para o fechamento da UPP o retalho do músculo glúteo em três, miocutâneo do glúteo em ilha (Figura 2) em oito ou península em três para fechamento das UPP isquiáticas; fechamento com aproximação do músculo glúteo e coccigectomia para UPP sacra em seis e retalho do músculo tensor da fáscia lata para região trocantérica em três. Três casos apresentaram complicações, sendo dois com pequena área de necrose na extremidade do retalho com evolução para cicatrização por segunda intenção e um com infecção e fistula subcutânea, resolvida com a realização de curativos e cuidados com o decúbito (Tabela 2).
Figura 2. Pré-operatório de UPP na região isquiática; 2ª semana de pós-operatório de retalho de músculo glúteo em ilha.
O tempo de internação mínimo para o procedimento cirúrgico foi de oito semanas, e o máximo de nove meses para paciente portador de tetraplegia espástica. O tempo de seguimento foi, em média, de 15 anos. Os pacientes portadores de malformação do tubo neural foram admitidos pela equipe de Pediatria no período estudado com idade mínima de um mês e máxima de 17 anos, permaneceram em acompanhamento ambulatorial e apresentavam alterações neurológicas, cutâneas, ortopédicas, intestinais e urinárias.
As manifestações ortopédicas foram as deformidades da coluna espinhal, luxação do quadril e contraturas osteoarticulares nos membros inferiores e foram avaliadas e acompanhadas pela equipe de Ortopedia. As alterações neurológicas estavam relacionadas à localização mais frequente, na região lombar e lombossacral, com alteração da sensibilidade, diminuição de reflexos, da força muscular e atrofia muscular.
Dos 20 pacientes operados para o fechamento da UPP, 13 (65%) apresentaram recidiva das úlceras no tempo de seguimento médio de 15 anos, entre um ano a quatro anos após a cirurgia, sendo que em quatro foi necessária reoperação e 15% evoluíram com UPP em novos sítios da região pélvica (Figura 3). Os pacientes de malformação do tubo neural tinham na admissão no hospital relatos de procedimentos cirúrgicos para correção da hidrocefalia com derivação ventrículo peritoneal (DVP) ou para abordagem da medula presa, realizados entre 48 horas de vida a 30 dias em outro serviço de saúde (um caso não foi operado para correção do tubo neural).
Figura 3. Pós-operatório imediato de fechamento de UPP com retalho glúteo em ilha; Recidiva após 1 ano com UPP sobre o retalho músculo glúteo em ilha.
No hospital foi realizada a derivação ventrículo atrial (DVA) em dois pacientes que perderam a DVP e a laminectomia para liberação de medula presa em três pacientes; outras intervenções incluíram a correção da bexiga neurogênica, entre eles a aplicação de toxina botulínica na bexiga, ou a cistoenteroplastia; o alongamento tendíneo, exérese de ossificação heterotópica e 10% dos pacientes apresentavam úlceras em joelhos, calcâneo e região maleolar, acompanhadas com curativos e proteção (Figura 4).
Figura 4. Distribuição quanto aos procedimentos associados.
Para todos, foi realizado estudo de imagem da bacia com radiografias, fistulografia, tomografia ou ressonância magnética, preparo pré-operatório com adaptação de colchão para o decúbito ventral (Figura 5), proteção quanto ao uso de látex. Os medicamentos em uso foram antibióticos, anticonvulsivantes, sedativos, ansiolítico, oxibutinina e anticoagulantes, entre outros.
Figura 5. A: Avaliação pré-operatória de UPP grau V;
B: Exame de Ressonância magnética evidenciando UPP isquiática com miosite ossificante;
C: Adaptação de colchão para posicionamento em decúbito ventral no pós-operatório.
Os pacientes foram admitidos no ambulatório e encaminhados ao programa de reabilitação, com ênfase na reeducação vesicointestinal (RVI), podendo ser em regime de internação ou ambulatorial. Inicialmente, foram realizados os exames urológicos, quando se discutiu e determinou o início ou não do cateterismo vesical intermitente. Foram realizados esclarecimentos da patologia e aulas expositivas sobre bexiga neurogênica, e partir daí iniciou-se o treinamento da técnica propriamente dita.
A enfermeira reabilitadora foi responsável pela educação do cuidador quanto à técnica do cateterismo vesical intermitente limpo e as técnicas de reeducação intestinal. O treinamento intestinal teve abordagem individual baseado no hábito intestinal, na idade e peso da criança, com aulas de esclarecimento sobre intestino neurogênico, a proposta de reeducação alimentar, treino de uso do vaso sanitário diariamente (após uma grande refeição), toque retal e extração manual de fezes.
Tais orientações foram realizadas ao acompanhante/cuidador e no caso dos adolescentes, o treino foi direcionado para o autocuidado. A abordagem da criança e do adolescente foi realizada considerando a faixa etária dos mesmos. É necessário relatar que, mesmo a criança ou adolescente independentes para as atividades de vida diária, o cuidador deve permanecer em toda a abordagem, já que ele é o responsável pela supervisão e/ou realização do procedimento. O acompanhamento longitudinal foi programado de acordo com as demandas individuais e pela avaliação da equipe interdisciplinar, realizado ambulatorialmente ou em nova internação.
DISCUSSÃO
As úlceras por pressão (UPP) ocorrem anualmente em pacientes de todo o mundo e muitos podem morrer de suas complicações. O atendimento e tratamento das lesões por pressão é um dos grandes desafios em saúde na atualidade. A taxa de incidência, prevalência, recidiva e reincidência de lesão por pressão depende de vários fatores, entre eles a causa, por lesão medular e a associação com comorbidades, tal como avaliado neste estudo, maior prevalência de malformações do tubo neural (70%), associado às comorbidades (100%)1-9.
No seguimento de crianças e adolescentes atendidas em hospital de reabilitação, internadas para realização de procedimentos cirúrgicos para lesões por pressão, todas as lesões foram desenvolvidas na comunidade. A taxa de prevalência anual de úlceras de pressão e outras causas de ruptura da pele em indivíduos com malformações no tubo neural relatados na literatura para todas as idades está entre 15% e 77%, e em adultos é de 34%, mais elevada do que a população geral10,11. Neste estudo foram avaliados somente aqueles casos que evoluíram para o fechamento cirúrgico da lesão, observou-se média de três casos por ano.
A malformação do tubo neural é a segunda deficiência mais comum na infância, depois de paralisia cerebral (PC). É complexa e requer acompanhamento multidisciplinar ao longo de toda a vida. O atraso no desenvolvimento neuropsicomotor pode ser avaliado precocemente pelo déficit de controle da cabeça, tórax e outras alterações no desenvolvimento motor, principalmente quando associado à hidrocefalia, observada em 60% dos casos deste estudo, embora controlada pelo uso de DVP ou DVA.
Estima-se que 47% das internações hospitalares entre portadores de malformações do tubo neural foram para condições evitáveis, como por exemplo, infecções urológicas, cálculos renais, úlceras por pressão e osteomielite. No estudo realizado por programa específico para malformações do tubo neural foram identificadas entre as principais causas de internação, o intestino e a bexiga neurogênicos, as alterações decorrentes da mobilidade e a ocorrência de lesões de pressão10-12.
A bexiga neurogênica e intestino neurogênico estavam presentes principalmente nas doenças nas quais ocorrem lesão na medula. Desde a admissão no hospital, os pacientes e cuidadores foram orientados quanto aos cuidados com a pele, a realização de cateterismo vesical intermitente limpo e manobras para evacuação e auxílio no funcionamento intestinal.
As manifestações e consequências das malformações do tubo neural podem ser observadas desde os lactentes e crianças, dependem principalmente do tipo e do nível da lesão na medula espinhal. São classificadas como torácica, lombar e lombossacral, a depender do nível neurológico, apresentam deformidades que definem o prognóstico de locomoção com auxílio de órteses e bengalas ou a necessidade de cadeira de rodas, encontrados em 95% dos casos deste estudo. As órteses e adaptações devem ser avaliadas regularmente durante o crescimento da criança, pois podem originar lesões por pressão nos pés ou mesmo na região sacra ou isquiática, pelo fato da criança arrastar ou permanecer por períodos prolongados sentada na cadeira de rodas12-17.
Em geral, os níveis mais elevados de lesão, torácicos e lombares vistos em 11 casos, são associados com maiores graus de paralisia e perda sensorial, o que pode explicar as taxas mais elevadas de deformidades nos membros, dificuldades de posicionamento no leito e cadeira de rodas, e da ocorrência de lesões por pressão e alto índice de recorrências como as encontradas neste estudo. O uso de cadeira de rodas, a permanência sentada prolongada, a imobilidade, a incontinência urinária, e o sexo masculino foram associados com a maior ocorrência de UPP18-21.
Embora as crianças tenham sido admitidas no hospital no programa de reabilitação e acompanhadas desde o primeiro ano de vida por tempo médio de 15 anos, até o surgimento da UPP, foram orientados quanto aos cuidados com a pele e adaptações para locomoção, desenvolveram, principalmente na faixa etária de 11 a 17 anos (60%), lesão por pressão com indicação para realização de cirurgia. Vale ressaltar que se tratava de grupo de alto risco de desenvolver UPP conforme a escala de Braden22.
A escala de Braden é constituída por 6 dimensões: percepção sensorial, umidade, atividade, mobilidade, nutrição e fricção e forças de deslizamento, contribuindo todas para o desenvolvimento de UPP. Ademais, os dados da literatura têm demonstrado que aproximadamente 50% dos jovens com doença crônica refere não cumprir as recomendações terapêuticas23.
Os adolescentes com doença crônica precisam de se sentir apoiados pelos familiares, principalmente quando apresentam déficit cognitivo associado, como os avaliados neste estudo. Vale destacar que a doença crônica modifica permanentemente a vida do adolescente e pode perturbar, entre outros, o relacionamento social, o rendimento escolar e o comportamento sexual24.
O grande desafio para a atuação da Cirurgia Plástica na equipe multidisciplinar é conhecer o nível da lesão, avaliar o grau de incapacidade para indicação de retalhos musculares, pois, nos casos em que o paciente é deambulador comunitário com o uso de órtese, o músculo glúteo apresenta grau de força de 2 ou mais, seu uso deve ser evitado, pois pode contribuir para piora na mobilidade dos membros. Ademais, deve intervir durante todo o processo de reabilitação, avaliando o posicionamento, as lesões nos pés e outras localizações, a orientação dos curativos, desbridamentos necessários e o momento para realização da cirurgia.
Neste estudo foram utilizados o músculo glúteo para o preenchimento e proteção óssea, com ou sem desinserção muscular, em ilha ou península. Foi utilizado quando o grau de força do músculo glúteo era zero ou o paciente não era deambulador. Retalho do músculo tensor da fáscia lata foi empregado nos pacientes com UPP trocantérica, observados nos pacientes paraplégicos e tetraplégico.
Nesta casuística encontramos índice de complicações do fechamento cirúrgico de lesão de pressão de 15%, representado por infecção e necrose de segmento do retalho para o fechamento principalmente de UPP isquiáticas, que evoluíram com cicatrização por segunda intenção com a realização de curativos. Diferente do que foi exposto por Figueiras25,o qual relatou o tratamento cirúrgico de UPP em 17 pacientes principalmente adultos, com a localização sacral mais prevalente, desenvolvida em ambiente hospitalar em 82% dos casos, em que foi necessária uma variedade de procedimentos cirúrgicos, com taxa de complicações de 39%.
No estudo realizado por Souza Filho et al.26 na análise de 38 procedimentos para fechamento de UPP no período de três anos, principalmente na região sacra e trocantérica, o índice de complicações foi de 36,8%, com deiscência e taxa de recidiva de 60% nas UPP isquiáticas.
Mesmo com o atendimento em centro de reabilitação, os cuidados empregados para o posicionamento, procedimentos ortopédicos e urológicos, adaptações da cadeira de rodas, as recidivas ocorreram em 13 (65%) dos casos, entre um a quatro anos após a cirurgia, em quatro casos foram realizadas reoperações com retalhos mais complexos, nos demais foi realizado acompanhamento ambulatorial e orientação de curativos e cuidados com o posicionamento.
A taxa de recidiva de UPP descrita na literatura pertinente variou de 20 a 80%, de acordo com o sítio da UPP, o diagnóstico, entre outros fatores. No estudo realizado por Souza Filho et al.26 na análise de 38 procedimentos para fechamento de UPP no período de três anos, principalmente na região sacra e trocantérica, o índice de complicações foi de 36,8% devido à deiscência e a taxa de recidiva foi de 60% nas UPP isquiáticas em paraplégicos. No relato do atendimento em hospital no DF de 140 pacientes operados, no período 9 anos, 1,5% ocorreram por mielomeningocele, as complicações foram 6% de deiscência, 5% de hematoma, 2% de infecção do sítio cirúrgico e 2% de necrose parcial e a taxa de recorrência das UP foi de 33,18%27.
É importante relatar que o grupo mais prevalente neste estudo foi de portadores de malformações do tubo neural com as especificidades desta doença, as lesões por pressão foram adquiridas em ambiente comunitário e observou-se índice de recidiva de 65%. A importância de seguimento, estudos e intervenções neste grupo da população é fundamental, pois a mortalidade relatada na literatura devido a complicações relacionadas a malformações do tubo neural era alta na infância e adolescência, todavia, 90% destes pacientes estão vivendo agora na idade adulta graças aos avanços nos cuidados de saúde16,17.
CONCLUSÃO
Observou-se no estudo a ocorrência de 17% (20) das internações por lesão por pressão, em unidade de Pediatria em hospital de reabilitação no período de cinco anos, todos desenvolveram UPP no ambiente comunitário e apresentavam comorbidades, 75% do sexo masculino, 70% consequentes a malformações do tubo neural com lesões por pressões localizadas principalmente na região isquiática. O fechamento cirúrgico foi realizado com retalhos musculares. Encontrou-se 13 (65%) casos de recidiva das lesões por pressão e 3 (15%) evoluíram com UPP em novos sítios da região pélvica.
É importante analisar que apesar da admissão e acompanhamento em programa de reabilitação desde idade precoce ainda é alto o índice de recidivas no período de seguimento de 15 anos. Ressaltamos a importância da manutenção do acompanhamento com equipe multidisciplinar ao longo da vida das crianças e adolescentes portadores de lesão medular.
COLABORAÇÕES
KTB Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
ICCP Concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
ACLR Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
3. Hospital Sarah Brasília, Brasília, DF, Brasil
4. Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor, Brasília, DF, Brasil
Instituição: Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente:
Katia Torres Batista
SMHS - Quadra 301 - Bloco A
Brasília, DF, Brasil - CEP 70335-901
E-mail: katiatb@terra.com.br
Artigo submetido: 3/11/2016.
Artigo aceito: 23/9/2017.
Conflitos de interesse: não há.
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