ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Cirurgia micrográfica no tratamento do carcinoma microcístico anexial
Micrographic surgery in the treatment of microcystic adnexal carcinoma
RESUMO
Carcinoma microcístico anexial é uma neoplasia de glândulas sudoríparas écrinas incomum, localmente agressivo. Facilmente confundido com tumores anexiais benignos e com alto índice de recidiva após tratamento incorreto. O objetivo é divulgar aos cirurgiões plásticos a importância do conhecimento e manejo correto desta afecção com utilização da cirurgia micrográfica de Mohs. Foi realizada revisão da literatura de 1982 a janeiro de 2014 e análise prospectiva de um caso de carcinoma microcístico anexial conduzido na Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital Felício Rocho em março de 2011, utilizando a cirurgia micrográfica de Mohs. Descrito em 1982, menos de 700 casos de carcinoma microcístico anexial relatados na literatura mundial. O caso apresentado foi tratado com o uso da cirurgia micrográfica de Mohs, com seguimento 3 anos sem recidiva. Podemos concluir que a cirurgia micrográfica de Mohs é um excelente arsenal terapêutico, com menor índice de recidiva e preservação de tecidos vitais.
Palavras-chave:
Cirurgia de Mohs; Neoplasias cutâneas; Retalhos cirúrgicos.
ABSTRACT
Microcystic adnexal carcinoma is an uncommon, locally aggressive eccrine sweat gland tumor that is easily confused with benign adnexal tumors and has a high rate of recurrence after incorrect treatment. The present study was aimed at increasing awareness on the importance of knowing and properly managing this disease among plastic surgeons by using Mohs micrographic surgery. A literature review from 1982 to January 2014 and a prospective case study of a microcystic adnexal carcinoma treated with Mohs micrographic surgery, at the plastic surgery clinic of Felício Rocho Hospital in March 2011, were performed. First described in 1982, microcystic adnexal carcinoma now has at least 700 cases reported in the international literature. The case reported herein was treated with Mohs micrographic surgery, including a 3-year follow-up without recurrence. In conclusion, Mohs micrographic surgery is an excellent therapeutic tool to preserve vital tissues and ensure a reduced recurrence rate.
Keywords:
Mohs surgery; Cutaneous tumor; Surgical flaps.
INTRODUÇÃO
Carcinoma microcístico anexial (CMA) é uma rara neoplasia de glândulas sudoríparas écrinas de crescimento lento e comportamento local agressivo, que raramente metastatiza1,2. Acomete com maior frequência cabeça e pescoço3. Possui diagnóstico diferencial com tumores anexiais benignos como tricoepitelioma, siringoma e tumores de pele malignos como carcinomas basocelular e espinocelular, entre outros4,5. Devido a sua evolução subclínica, é diagnosticado em estágio tardio e o tratamento incorreto gera alto índice de recidiva tumoral6.
OBJETIVOS
Os objetivos do trabalho são relatar um caso de CMA conduzidos pela Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital Felício Rocho (Belo Horizonte, MG, Brasil) com o uso de cirurgia micrográfica de Mohs e realizar uma revisão não sistemática da literatura pertinente para fins de divulgar aos cirurgiões plásticos a importância do conhecimento e manejo correto desta afecção rara.
MÉTODOS
De maneira prospectiva, seguindo os princípios éticos da Declaração de Helsinki revisada em 2000. Foi avaliado um paciente com diagnóstico de CMA em março 2011, submetido à cirurgia micrográfica de Mohs na Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital Felício Rocho (Belo Horizonte, MG, Brasil) e seguimento de 3 anos.
A técnica de Mohs utilizada se inicia pela enucleação, que é a retirada do tumor visível e análise histopatológica; segue-se a remoção da primeira margem perilesional da cirurgia micrográfica após mapeamento dos fragmentos e posterior encaminhamento para congelação no criostato, incluindo fragmento profundo. Quando há tumor residual, sua localização é identificada com precisão e um novo estágio de remoção local é realizado até a retirada completa da neoplasia7,8.
A reconstrução da perda de substância foi realizada no mesmo ato operatório. A totalidade dos espécimes cirúrgicos foi examinada no Departamento de Anatomia Patológica da mesma instituição com critérios padronizados para confirmar o diagnóstico.
A revisão incluiu estudos desde o ano 1982, quando ocorreu o primeiro relato de CMA, até o último trabalho publicado em janeiro de 2014. As bases de dados consultadas foram MEDLINE e PubMed, sendo que a busca limitou-se aos artigos escritos em inglês e português, utilizando as seguintes palavras-chave: Microcystic Adnexal Carcinoma (Carcinoma Microcístico Anexial). Devido à escassez de trabalhos publicados nas revistas especializadas em cirurgia plástica, foram selecionados artigos em periódicos de oncologia, dermatologia, cirurgia de cabeça e pescoço e outros.
Foram selecionados trabalhos presentes nas referências bibliográfica dos artigos identificados inicialmente e foram excluídos artigos que apresentavam informações repetidas ou disponíveis em outros estudos. Para inclusão no trabalho, todos os artigos foram avaliados pelos autores e os principais critérios de inclusão foram apresentação clínica, histopatologia, imunohistoquímica, diagnóstico diferencial e opções de tratamento.
RESULTADOS
Paciente do gênero feminino, 66 anos, em fevereiro de 2011 foi submetida à biópsia incisional de lesão parda-clara tipo placa de limites imprecisos em região sub palpebral ínfero-medial direita (Figura 1) em outro serviço, com resultado anatomopatológico que poderia corresponder a carcinoma de células escamosas. O patologista sugeriu que o diagnóstico poderia ser estabelecido com maior amostragem da lesão.
Figura 1. Lesão cutânea tipo placa de limites imprecisos em região sub palpebral direita infero-medial.
Adiante, o paciente foi conduzido pela equipe de cirurgia plástica do Hospital Felício Rocho, no qual foi realizada em março de 2011 nova biópsia incisional, que identificou achados de carcinoma infiltrante com ninhos de células atípicas infiltrando a derme e focos com invasão perineural, provavelmente originados de estruturas glandulares écrinas.
Para auxiliar no diagnóstico, foi realizado estudo imunohistoquímico. As células neoplásicas foram negativas para antígeno epitelial BER-EP4 e positiva para p63, indicando diferenciação escamoide ou pilar. A reatividade para p63 favorece tratar-se de lesão cutânea primária. Positiva também para EMA, AE1, AE2.
O conjunto dos achados sugere o diagnóstico de CMA.
Em abril de 2011, sob anestesia local e sedação, foi realizada cirurgia micrográfica da lesão facial em apenas um estágio e reconstrução imediata com retalho local para reparação da perda de substância (Figuras 2).
Figura 2. Técnica cirúrgica;
A e
B: Lesão cutânea, a margem lateral da exérese de 5 mm e a marcação de quatro fragmentos de 3 mm de largura. As margens são examinadas por cortes de congelação;
C: esquema de mapeamento e identificação de cada fragmento;
D: Perda de substância;
E, F, G, H: perda de substância reparada pela técnica de McGregor (zetaplastia periorbital lateral).
Paciente evolui bem, com seguimento de 3 anos sem sinais de recorrência tumoral (Figura 3).
Figura 3. Seguimento pós-operatório de 3 anos.
DISCUSSÃO
Descrito primeiramente em 1982 por Goldstein et al.1, o CMA, também conhecido como carcinoma esclerosante das glândulas sudoríparas, siringoma maligno e carcinoma siringoide, é uma neoplasia cutânea incomum com cerca de 700 casos relatados na literatura mundial.
Uma série retrospectiva de casos durante período de 16 anos realizada em um centro de cirurgia de Mohs com sede na Pensilvânia/EUA. O número de casos por ano foi 1,633.
Outro grande estudo retrospectivo americano com análise estatística de 223 pacientes identificou prevalência no sexo feminino (57%), em brancos (90%). Casos têm sido reportados em afro-americanos, japoneses de Porto Rico, coreanos espanhóis e judeus9.
Raramente ocorre em crianças, com acometimento preferencial em idosos com idade média de 68 anos e incidência maior em topografia de cabeça e pescoço, incluindo lábios (74%). Dados semelhantes foram descritos em outra grande série de casos realizada pela Universidade da Califórnia, São Francisco, que também relatou predominância do lado esquerdo dos pacientes10.
São lesões de crescimento lento, mas localmente agressivo. Caracteriza-se clinicamente como uma placa endurecida, solitária, nódulo ou cístico, com limites imprecisos, cor da pele ou placa amarelada localizado em maior frequência na região central da face. Outras localizações incomuns são escalpe, axilas, nádegas e genitais10,11.
No geral, o CMA é assintomático, em casos nos quais houver invasão perineural há aumento da morbidade e podem apresentar sintomas como parestesia, anestesia e dor local12.
A patogênese tumoral pode estar envolvida com radiação UV e casos na literatura foram associados à imunossupressão5.
Devido à apresentação subclínica, o CMA é frequentemente diagnosticado em estágio tardio e em sua maioria confinado à pele (75%), com tamanho médio de 2 cm; entretanto, invasão para tecido moles e até mesmo o osso é possível devido agressividade local, causando grande morbidade. Linfonodos são acometidos em 1% dos casos e metástase à distância é raríssima13.
Diagnóstico diferencial clínico inclui tumores anexiais benignos como tricoepitelioma, tricoadenoma, sirigoma e tumores malignos de pele como carcinoma espinocelular, carcinoma basocelular e até mesmo melanoma14.
Análise histopatológica é necessária com devida amostragem de tecido para evitar erros de diagnóstico, pois o CMA apresenta característica histológica com poucas células atípicas com poucas ou nenhuma mitose. Em uma série de casos, em 27% ocorreu erro diagnóstico, pois característica microscópica branda associada à amostragem pequena tornam o diagnóstico difícil10. Por isso, o tecido biopsiado deve ter profundida e tamanho adequados.
A patologia é caracterizada por múltiplas ilhas de células epiteliais basaloides, estruturas ductais e cistos queratinizados, de localização intradérmica, estendendo como finos fios de tumor intercalados com feixes de colágeno. Apresenta tipicamente em componentes profundos, pequenos ninhos e filamentos de células embebidos em estroma hialinizado. Comumente, ocorre invasão perineural e intramuscular, sendo que tais características não são evidentes em biópsias superficiais14.
A invasão perineural está sendo relatada em 17,5 a 59% das séries cirúrgicas e frequentemente relacionada com a recorrência tumoral15.
Imunohistoquímica pode auxiliar o diagnóstico e diferenciar de outros tumores; destaca-se a diferenciação écrina e pilar. Os marcadores positivos mais confiáveis são: EMA (antígeno de membrana epitelial) que coram estruturas ductais, citoqueratinas (AE1 e AE3) que coram fortemente células epiteliais no CMA e CEA (antígeno carcinoembrionário), que ajuda a diferenciar de tricoepitelioma desmoplásico3.
Múltiplos estudos retrospectivos e um estudo prospectivo confirmaram a eficácia da cirurgia micrográfica para o tratamento do CMA. Excisões convencionais apresentam taxa de recorrência maiores que 47% geralmente nos 3 primeiros anos. Já a cirurgia de Mohs vem sendo reconhecida como tratamento de escolha para tumores cutâneos cujas margens são difíceis de definir, principalmente por aumentar a chance de cura e poupar tecidos saudáveis, apresentando taxa de recorrência de 0-22%, em seguimento de 5 anos. Mesmo assim, atualmente cerca de 87% dos CMA primários são tratados com a cirurgia convencional e aproximadamente 10% tem utilizado a cirurgia de Mohs6.
A denominação da técnica cirúrgica se deve ao seu pioneiro, o médico Dr. Frederic Edward Mohs, da Universidade de Wisconsin - EUA, na década de 1930. A técnica consiste na remoção dos tumores de pele e mucosas com máxima eficácia e menor perda tecidual, caracterizado pelo mapeamento cirúrgico associado à análise microscópica perioperatória criteriosa da totalidade das margens da lesão16.
Tratamento complementar com radioterapia e quimioterapia ainda não tem consenso, devido à raridade e dos poucos casos relatados. Autores acreditam que a radioterapia adjuvante pode contribuir para o controle local no paciente em que uma cirurgia adicional está contraindicada, apesar de ser relatado como efeito adverso a conversão do tumor em formas mais agressivas17. A quimioterapia, mesmo que não seja a primeira linha de tratamento, deve ser útil em paciente com doença avançada que não tenha outra opção de tratamento18.
Longo seguimento é importante para paciente com CMA, pois há relatos de recorrência após 30 anos de tratamento.
CONCLUSÃO
O conhecimento da lesão e um exame físico adequado favorece suspeição clínica, que auxiliada pela análise histopatológica e imunohistoquímica confere diagnóstico preciso. Deve-se considerar como diagnóstico diferencial de neoplasia cutâneas, especialmente na face. Como manejo correto, a cirurgia micrográfica de Mohs é um excelente arsenal terapêutico, com menor índice de recidiva.
COLABORAÇÕES
ACMA Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito; concepção e desenho do estudo.
AFSF Revisão crítica de seu conteúdo; realização das operações e/ou experimentos; aprovação final do manuscrito.
JCRRA Revisão crítica de seu conteúdo; realização das operações e/ou experimentos; aprovação final do manuscrito.
RLFS Pesquisa de bibliografia.
REFERÊNCIAS
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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora, MG, Brasil
3. Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, Juiz de Fora, MG, Brasil
4. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil
5. Instituto de Cirurgia Plástica Avançada, Belo Horizonte, MG, Brasil
6. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
7. Faculdade de Medicina da Universidade de Itaúna, Itaúna, MG, Brasil
Instituição: Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Autor correspondente:
Augusto César de Melo Almeida
Rua Ouro Preto, 617/1904 - Barro Preto
Belo Horizonte, MG, Brasil CEP 30170-040
E-mail: almeidaugusto@hotmail.com
Artigo submetido: 14/4/2015.
Artigo aceito: 20/7/2015.
Conflitos de interesse: não há.
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