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Case Report - Year2015 - Volume30 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2015RBCP0131

RESUMO

INTRODUÇÃO A Aplasia Congênita da Cútis (ACC) é uma doença rara caracterizada pela ausência de uma parte da pele ao nascimento, seja em área localizada ou generalizada. A incidência é de 0,1 a cada 100.000 nascimentos, tendo como acometimento principal o couro cabeludo, ocorrendo de forma isolada nesta localização em 60% dos casos. As causas não são claras, mas fatores genéticos, teratógenos (álcool, cocaína, maconha, heroína, misoprostol, metimazol, carbimazol, herpes simples congênito, varicela congênita, etc.), comprometimento da irrigação sanguínea para a pele, trauma, bandas amnióticas e desordens cromossômicas (trissomia do 13) estão associados com as lesões.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, nascida de parto vaginal com 36 semanas e três dias, e peso adequado para a idade gestacional. Referenciada ao nosso serviço após sete dias de nascimento, constando ausência total do tegumento cutâneo em ambas as pernas, com acometimento de aproximadamente 17% da superfície corpórea, segundo a tabela de queimados de Lund e Browder. A má formação consistia na ausência total de pele e tecido celular subcutâneo. Face a extensão e localização da lesão, optou-se pelo tratamento por enxerto de pele parcial, permitindo, dessa forma, preencher a totalidade do defeito.
CONCLUSÃO: Devido à raridade da ACC e ao pequeno número de pacientes nas séries publicadas na literatura, a padronização do tratamento ainda é incipiente e o que existe são recomendações. Ainda são necessários estudos que abordem desde a etiologia da doença até a avaliação dos métodos de tratamento.

Palavras-chave: Aplasia congênita da cútis; Membros inferiores; Má formação; Tratamento.

ABSTRACT

INTRODUCTION Aplasia cutis congenita (ACC) is a rare disease characterized by the absence of a part of the skin at birth that may be either localized or widespread. The incidence of this disease is 0.1 per 100,000 births. It mainly involves the scalp alone in 60% of the cases. The causes are unclear; however, genetic factors, teratogens (alcohol, cocaine, marijuana, heroin, misoprostol, methimazole, carbimazole, congenital herpes simplex, congenital varicella, and others), impaired blood supply to the skin, trauma, and amniotic band and chromosomal disorders (trisomy 13) are associated with the wounds.
CASE REPORT: A female patient was delivered vaginally at 36 weeks 3 days of gestation, with appropriate weight for the gestational age. She was referred to our service after 7 days of birth, presenting total absence of skin integument on both legs, with impairment of approximately 17% of the body surface according to the Lund and Browder chart. The malformation consisted of the total absence of skin and subcutaneous tissue. Given the extent and localization of the wound, treatment with a partial skin graft was elected, thereby filling the totality of the defect.
CONCLUSION: Owing to the rarity of ACC and the small number of patients in the series published in the literature, standardization of treatment is still incipient. Currently, only recommendations are available. Further studies are needed in order to investigate the etiology of the disease and to evaluate treatment methods.

Keywords: Aplasia cutis congenital; Lower limbs; Malformation; Treatment.


INTRODUÇÃO

A Aplasia Congênita da Cútis (ACC) é uma doença rara, caracterizada pela ausência de uma parte da pele ao nascimento, seja em área localizada ou generalizada. Geralmente, ocorre no couro cabeludo, na linha mediana, e apresenta-se ao nascimento como uma ferida ulcerada, que pode atingir diferentes profundidades1,2.

Em 75% dos pacientes, a ACC ocorre como lesão única1. As lesões são não inflamatórias, bem delimitadas, e se apresentam com extensão variando entre 0,5 e 10 cm ou mais. Os defeitos da pele que se formam no início da gestação podem curar-se antes do parto e aparecer como cicatriz atrófica, membranosa ou semelhante a pergaminho, com associação de alopécia; já os defeitos menos maduros se apresentam como ulcerações.

A incidência relatada é de 0,1 a cada 100.000 nascimentos3. As causas não são claras, mas fatores genéticos, teratógenos (álcool, cocaína, maconha, heroína, misoprostol, metimazol, carbimazol, herpes simples congênito, varicela congênita, etc.), comprometimento da irrigação sanguínea para a pele, trauma, bandas amnióticas e desordens cromossômicas (trissomia do 13) estão associados com as lesões4.

O objetivo deste trabalho é relatar o caso raro de uma paciente com ACC de localização restrita aos membros inferiores, tratada com enxerto de pele parcial.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, nascida de parto vaginal com 36 semanas e três dias, Apgar 9/10 e peso adequado para a idade gestacional. Não se constataram, na anamnese, antecedentes familiares de doenças cutâneas congênitas, tampouco os pais eram consanguíneos. A mãe tinha 18 anos, esta era sua segunda gestação e sua filha mais velha era saudável. Descobriu estar gestante por volta de 20 semanas, quando ainda fazia uso irregular de anticoncepcional oral (Levonorgestrel + Etinilestradiol), iniciando o pré-natal e realizando ultrassonografia com 27 semanas; note-se que não se evidenciaram alterações.

Referenciada ao nosso serviço após sete dias de nascimento, constando ausência total do tegumento cutâneo em face anteromedial de ambas as pernas, preservando uma ilha de pele em região posterior e plantar com acometimento de aproximadamente 17% da superfície corpórea, segundo a tabela de queimados de Lund e Browder. A má formação consistia na ausência total de pele e tecido celular subcutâneo. Apresentava fácies eumórfica, com hemangioma plano em pálpebra bilateral, e fissura palatina incompleta. A lesão apresentava-se em membros inferiores como ulceração de bordos delimitados irregulares, envolvendo parte de pernas e pés bilateralmente (Figura 1).


Figura 1. Paciente com 11 dias de vida. Aplasia Congênita da Cútis com envolvimento extenso de pernas (parede anterior e medial) e com acometimento total da pele e do tecido subcutâneo.



Durante a internação, foram solicitadas sorologias para doenças infecciosas, como herpes e varicela, bem como biópsia de pele e cariótipo para exclusão de desordens cromossômicas. Também foi realizado ultrassom transfontanela, abdominal e ecocardiograma, sendo identificado, nestes exames, apenas persistência do canal arterial de 2,5 mm, com discreta repercussão hemodinâmica. A radiografia de ossos longos não mostrou qualquer tipo de má formação. Avaliação realizada por geneticista não constatou quaisquer outras más formações, não tendo sido possível definir um quadro sindrômico; constatou-se apenas um quadro de aplasia cutânea congênita isolada.

Face a extensão e localização da lesão, optou-se pelo tratamento por enxerto de pele no 11.º dia de vida. Foi realizado enxerto de pele parcial, retirado de ambas as coxas, permitindo, dessa forma, preencher a totalidade do defeito. Curativo realizado no quinto dia pós-operatório mostrou enxertia de pele com boa integração, em praticamente toda a área enxertada. Recebeu alta para acompanhamento ambulatorial no 16.º pós-operatório, com boa evolução da lesão (Figura 2).


Figura 2. Paciente no16.º dia de pós-operatório.



DISCUSSÃO

A ACC é doença rara, cujo diagnóstico é clínico, correspondendo ao achado físico da ausência de pele ao nascimento. Apresenta-se mais comumente como lesões focais acometendo o couro cabeludo e o aspecto histológico da lesão varia desde a ausência parcial de pele, passando por sua ausência total, acometimento do subcutâneo, fáscia e músculos, até o acometimento de osso e duramáter5. Mais raramente, acomete outras áreas do corpo, como o tronco e os membros, podendo alcançar grandes extensões.

A aplasia manifesta-se geralmente como má formação isolada, caso ocorrido com o paciente do presente artigo. No entanto, diversas más formações associadas, únicas ou múltiplas, acometendo os mais diversos sistemas orgânicos, têm sido descritas (Quadro 1)6.




Segundo alguns dados estatísticos7, o acometimento de membros inferiores ocorre em 25% de todos os casos de aplasia cutânea congênita; 12% acometem tronco e flancos, sendo que o couro cabeludo é acometido em 60% dos casos.

Em 1986, Frieden5 fez uma revisão extensa do assunto e propôs uma classificação baseada nos padrões da apresentação da lesão cutânea, na presença e no tipo de más formações associadas, e no modo de transmissão (Quadro 2). Subdividiu os pacientes em nove grupos. O paciente em análise parece encaixar-se melhor no grupo 7 da classificação de Frieden: "ACC localizada nas extremidades, sem formação de bolhas", com base nos achados clínicos coincidentes do padrão de ocorrência da lesão cutânea - aplasia cutânea com envolvimento de áreas pré-tibiais, dorso de mãos e pés, e área extensora dos punhos. Não se constatou, entretanto, envolvimento de membros superiores.




Em virtude da grande extensão da lesão, o paciente assemelhava-se a um grande queimado, com queimaduras de terceiro grau. A primeira preocupação da equipe médica foi resguardar o paciente contra as perdas hídricas, eletrolíticas e calóricas, e contra o risco de infecção, enquanto aguardava as melhores condições clínicas para a realização do tratamento cirúrgico definitivo. Para tanto, o paciente ficou sob os cuidados da equipe da pediatria e cirurgia plástica, com manutenção de hidratação e controle de infecção por meio dos cuidados locais e antibioticoterapia.

Existem várias opções de tratamento, apresentadas por vários autores5,7,8, dependendo do tipo e da extensão da lesão. Lesões pequenas acometendo apenas a pele e o tecido celular subcutâneo são deixadas para cicatrização por segunda intenção, que ocorre de forma muito rápida. De fato, em muitos relatos, o paciente apresenta-se ao nascimento com pequenas cicatrizes no couro cabeludo, caracterizando um quadro de aplasia, cuja cicatrização ocorreu intraútero. Para lesões maiores - e especialmente aquelas que acometem tecidos mais profundos, e quando existe a exposição de órgãos nobres -, estaria indicado o tratamento por meio do uso de retalhos locais. Quando se depara com lesões extensas como a apresentada, parece não haver outra solução senão o uso de enxerto de pele. A maioria dos casos semelhantes descritos na literatura é tratada pelo mesmo método, com fechamento completo da lesão.

A importância deste relato está na descrição de mais um caso para a literatura pertinente a essa rara afecção, ainda mais rara quando se constata sua extensão, o seu padrão de acometimento e as suas alterações secundárias.


CONCLUSÃO

Devido à raridade da ACC e ao pequeno número de pacientes nas séries publicadas na literatura, a padronização do tratamento ainda é incipiente e que existe são recomendações. Ainda são necessários estudos que abordem desde a etiologia da doença até a avaliação dos métodos de tratamento e a evolução de grupos maiores de pacientes.


REFERÊNCIAS

1. Moscona R, Berger J, Govrin J. Large skull defect in aplasia cutis congenita treated by pericranial flap: long-term follow-up. Ann Plast Surg. 1991;26(2):178-82. http://dx.doi.org/10.1097/00000637-199102000-00012. PMid:2006845.

2. Yang JY, Yang WG. Large scalp and skull defect in aplasia cutis congenita. Br J Plast Surg. 2000;53(7):619-22. http://dx.doi.org/10.1054/bjps.2000.3413. PMid:11000081.

3. Bajpai M, Pal K. Aplasia cutis cerebri with partial acrania--total reconstruction in a severe case and review of the literature. J Pediatr Surg. 2003;38(2):e4. http://dx.doi.org/10.1053/jpsu.2003.50064. PMid:12596124.

4. Suárez O, López-Gutiérrez JC, Andrés A, Barrena S, Encinas JL, Luis A, et al. [Aplasia cutis congenita: surgical treatment and results in 36 cases]. Cir Pediatr. 2007;20(3):151-5. PMid:18018742.

5. Frieden IJ. Aplasia cutis congenita: a clinical review and proposal for classification. J Am Acad Dermatol. 1986;14(4):646-60. http://dx.doi.org/10.1016/S0190-9622(86)70082-0. PMid:3514708.

6. Evers MEJW, Steijlen PM, Hamel BC. Aplasia cutis congenita and associated disorders: an update. Clin Genet. 1995;47(6):295-301. http://dx.doi.org/10.1111/j.1399-0004.1995.tb03968.x. PMid:7554362.

7. Stringa S, Pellerano G, Bustin Z. Aplasia cutis congênita comentário sobre cinco casos. Med Cut ILA. 1985;13:321-6.

8. Irons GB, Olson RM. Aplasia cutis congenita. Plast Reconstr Surg. 1980;66(2):199-203. http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198008000-00003. PMid:6996008.










1. Hospital Santa Casa de Campo Grande, Campo Grande, MS, Brasil
2. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, MS, Brasil
3. Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil
4. Hospital Universitário de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil

Instituição: Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Campo Grande, MS, Brasil.

Autor correspondente:
Gustavo de Sousa Marques Oliveira
Av. Primeiro de Maio, 335 - São Bento
Campo Grande, MS, Brasil CEP 79004-620
E-mail: gustavomo49@hotmail.com

Artigo submetido: 19/9/2011.
Artigo aceito: 16/10/2011.

 

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