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Lipomas gigantes: série de 14 casos
Giant lipomas: a 14-case series
RESUMO
INTRODUÇÃO: Os lipomas são os tumores mesenquimais benignos mais frequentes na população. Para ser considerado gigante, deve apresentar pelo menos 10 cm em uma de suas dimensões ou pesar ao menos 1.000g. O objetivo do trabalho é analisar uma série de casos de lipomas gigantes atendidos em nosso serviço.
MÉTODO: Análise retrospectiva de prontuários e registros anatomopatológicos dos diagnósticos de lipomas submetidos a tratamento cirúrgico no período de janeiro 2003 a janeiro 2010.
RESULTADOS: Foram avaliados 14 pacientes, com média de idade de 52,3 anos (33-72) e tempo médio de evolução até o tratamento de 4,4 anos (seis meses - 20 anos); 64% dos casos não apresentavam sintomas. Todos os pacientes foram submetidos à ressecção cirúrgica da neoplasia. O peso médio das peças foi de 3,8 kg (512 g - 22 kg) e o tamanho médio no maior eixo foi de 27,5 cm (15-66 cm). Foram observadas complicações pós-operatórias em 42% dos casos.
CONCLUSÃO: Observamos períodos prolongados de evolução até o tratamento, mesmo em casos com lesões de grande volume. A exérese cirúrgica aberta deve ser considerada o tratamento de eleição para estes tumores.
Palavras-chave:
Lipoma/cirurgia; Neoplasias; Tecido adiposo/cirurgia.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Lipomas are the most common benign mesenchymal tumors worldwide. To be considered giant, they must be at least 10 cm in one of its dimensions or weigh at least 1,000 g. The objective of this study is to analyze a series of cases of giant lipomas seen in our practice.
METHOD: We conducted a retrospective analysis of the medical and anatomopathological records of patients diagnosed with lipomas who underwent surgery between January 2003 and January 2010.
RESULTS: We evaluated 14 patients with a mean age of 52.3 years (range, 33-72 years) and a mean evolution time until treatment of 4.4 years (range, 6 months to 20 years); 64% of cases presented no symptoms. All patients underwent surgical tumor resection. The average weight of the pieces was 3.8 kg (range, 512 g to 22 kg), while the average length of the longest axis was 27.5 cm (range, 15-66 cm). Postoperative complications were observed in 42% of cases.
CONCLUSION: We observed prolonged periods of evolution until treatment, even in cases of large-volume lesions. Open surgical excision should be considered the treatment of choice for these tumors.
Keywords:
Lipoma surgery; Neoplasms; Adipose tissue surgery.
INTRODUÇÃO
Lipomas são os tumores mesenquimais benignos mais frequentes na população, com a incidência estimada de 10% e prevalência em 2,1 por 1.0001,2. Apresentam-se geralmente em localização subdérmica e subcutânea, e podem se localizar em qualquer região do corpo, incluindo vísceras e cavidades3-5.
A maioria apresenta pequenas dimensões (raramente acima de 10 cm) e pesa poucos gramas6. Segundo Sanchez et al.4, para um lipoma ser considerado gigante, deve apresentar pelo menos 10 cm em uma de suas dimensões ou pesar ao menos 1.000 gramas. Apesar de a grande maioria não causar sintomas, dependendo da localização e da proximidade com outras estruturas, os lipomas podem levar a limitações funcionais devido ao tamanho e ao peso excessivos, ao linfedema, à dor ou à compressão de nervos7.
OBJETIVO
Este trabalho tem como objetivo analisar uma série de casos de lipomas gigantes submetidos a tratamento cirúrgico em nosso serviço.
MÉTODO
Análise retrospectiva de prontuários e revisão de exames anatomopatológicos de todos os casos de lipomas submetidos a tratamento cirúrgico no período entre janeiro de 2003 e janeiro de 2010.
Foram incluídos os lipomas que apresentavam pelo menos uma de suas dimensões acima de 10 cm. Deste grupo, foram estudados aqueles com peso acima de 500 gramas. Foram considerados somente os casos com localização subdérmica e subcutânea.
Foram excluídos casos de síndromes associadas à lipomatose. Também foram excluídos os lipomas de localização intracavitária ou visceral, e as variantes infiltrativas (intra e intermusculares).
RESULTADOS
No total, 2.101 lipomas com diagnóstico confirmado por anatomia patológica foram submetidos a tratamento cirúrgico. Destes, 147 apresentavam pelo menos uma de suas dimensões maiores do que 10 cm. Foram identificados 21 casos de lipomas acima de 500 gramas, sendo que sete destes casos foram excluídos devido aos dados incompletos no prontuário médico, resultando em um total de 14 casos.
A idade média dos pacientes foi de 52,3 anos (33-72). Houve predomínio de pacientes do sexo masculino, em 64% (9) dos casos. O tempo de evolução médio do aparecimento da lesão até o tratamento foi de 4,4 anos (6 meses - 20 anos) (Tabela 1).
A maioria dos pacientes não apresentava sintomas (64%). Dos cinco casos sintomáticos, dois apresentavam dor, dois apresentavam ulceração cutânea e um apresentava linfedema de membro inferior (secundário à localização do lipoma em região escrotal). Todos estes pacientes apresentaram melhora dos sintomas após o tratamento cirúrgico.
O diagnóstico pré-operatório foi predominantemente clínico, sendo indicados estudos de imagem em sete casos - ultrassonografia em quatro casos, tomografia computadorizada em um caso e ressonância magnética em dois casos. O peso corporal de quatro pacientes (>120 kg) foi um fator limitante para a solicitação de tomografia e ressonância. Todos os exames foram sugestivos de lipomas.
Foram realizadas biópsias incisionais em quatro casos. Em um único caso, a biópsia apresentava características sugestivas de lipossarcoma, o que foi descartado após estudo detalhado da peça cirúrgica.
Todos os pacientes foram submetidos à ressecção cirúrgica aberta. Não foi empregada técnica aspirativa em nenhum dos casos. O peso médio foi de 3,8 kg (512 g - 22 kg). A média no maior eixo foi de 27,5 cm (15-66 cm) (Tabela 1).
Em dez casos, houve necessidade de ressecção do excesso de pele para o adequado fechamento da área cruenta. Em todos os casos, foi utilizada drenagem aspirativa em sistema fechado, mantida, em média, por dois dias.
Em 13 casos, o exame anatomopatológico demonstrou lipomas comuns, sendo observado um caso de fibrolipoma.
Em relação ao período pós-operatório, seis pacientes (42%) apresentaram complicações. Parestesia foi encontrada em dois pacientes, apresentando melhora após algumas semanas. Foi necessária enxertia de pele em dois pacientes, sendo um devido à área cruenta residual após isquemia de retalho cutâneo e um devido a infecção e necrose de ferida operatória. Foi relatado um caso de varizes de membro inferior após ressecção de lipoma de coxa. Complicações pulmonares, sem relação direta com a região operada, ocorreram em um paciente, portador de doença pulmonar obstrutiva crônica grave.
Os pacientes foram acompanhados e reavaliados periodicamente, com seguimento mínimo de 24 meses após a ressecção do tumor, sem evidências de complicações tardias ou sinais de recidiva.
DISCUSSÃO
O relato de lipomas gigantes não é frequente. Normalmente, são observados longos períodos de evolução, insidiosa e progressiva, podendo chegar a intervalos de 10 a 15 anos4,7-9. O maior lipoma cutâneo foi relatado por Brandler, em 1894, pesando 22,7 kg, localizado na região escapular de um homem de 26 anos4,8. Nesta série, relatamos o caso de um lipoma em região escrotal com 22 kg, em um homem de 58 anos, com cerca de 10 anos de evolução (Figura 1A e B, Figura 2A e B, Figura 3).
Figura 1. (A) e (B) Paciente masculino, 58 anos, 10 anos de evolução - Lipoma escrotal gigante - 22 kg.
Figura 2. (A) e (B) Lipoma escrotal gigante intraoperatório - ressecção e reconstrução escrotal e peniana (seta) - pedículo dissecado e isolado.
Figura 3. Lipoma escrotal gigante - peça cirúrgica - 22 kg.
Nesta série, optamos por incluir somente casos acima de 500 gramas, com o objetivo de tornar a amostra mais significativa em relação à sintomatologia associada, às dificuldades no diagnóstico pré-operatório e às complicações.
Os lipomas são duas vezes mais frequentes no sexo feminino, provavelmente devido ao maior acúmulo de tecido adiposo10,11. Em nossa série, entretanto, o predomínio foi do sexo masculino, com 64% dos casos.
Os lipomas tipicamente são tumores únicos, multilobulados e pseudoencapsulados, sendo compostos por adipócitos maduros. Normalmente, apresentam-se como lesões móveis, assintomáticas e de consistência fibroelástica. Além da localização subcutânea típica, também podem se apresentar em plano subfascial, bem como em raras variantes infiltrativas (intra e intermusculares). Vísceras e cavidades também podem ser acometidas5,7,8,12-15.
É relatado classicamente que a gordura contida nos lipomas costuma aumentar com aumentos de peso corporal, porém não apresenta diminuição mesmo em períodos de inanição ou caquexia7,8,14.
O tempo de evolução relatado geralmente não é confiável, já que a maioria dos lipomas gigantes é assintomática no período inicial4,10. Os sintomas, quando presentes, devem-se à compressão de estruturas vizinhas, tamanho e/ou peso excessivos7, o que ocorreu em três dos nossos casos. Ulcerações cutâneas são as alterações secundárias mais frequentes em lipomas gigantes4, ocorrendo em dois casos desta série.
Nos exames de imagem, os lipomas têm aspectos característicos. Na ultrassonografia, apresentam-se normalmente como lesões hiperecóicas (em relação à musculatura), com linhas ecogênicas correspondentes aos septos. Na tomografia, são lesões hipoatenuantes (-50 a -150 U.H.), sem impregnação por contraste (Figura 4). Na ressonância magnética, o sinal é semelhante ao da gordura convencional, com hipersinal em T1 e hipossinal em T2, sendo a margem, com os tecidos normais, claramente definida. Apresentam-se como lesões homogêneas, com septos delgados e uniformes, com >75% de gordura na composição do tumor5,7,12,14,15.
Figura 4. Lipoma gigante - parede torácica (subpeitoral) TC tórax.
De acordo com Terzioglu et al.7 e Phalen et al.10, não há como se diferenciar com certeza os lipomas dos lipossarcomas baseando-se somente em exames de imagem. Outros autores consideram que esta diferenciação pode ser realizada, na maioria dos casos16-18. As maiores dificuldades são encontradas nos casos de lipossarcomas bem diferenciados.
Nos exames radiográficos, podem ser evidenciadas áreas de calcificação, secundárias à necrose gordurosa, presente em 10-15% das lesões malignas e muito raramente em lesões benignas; porém, trata-se de achado inespecífico17,18. Na ressonância magnética, os lipossarcomas se apresentam com septos irregulares e espessos, tecidos não adiposos associados, menor proporção de componente adiposo no tumor (<75%), além de lesões nodulares e globulares associadas17,18. De acordo com Kransdorf et al.17, lesões com >10 cm têm 14 vezes mais chances de serem malignas.
Em lesões suspeitas, pode ser indicada biópsia incisional ou PAAF (punção aspirativa por agulha fina), sendo esta última frequentemente não conclusiva para estes casos7,12,13,15 (Figuras 5A e B).
Figuras 5. (A) e (B) Paciente masculino, 54 anos, 5 anos de evolução. Lipoma cervical gigante - 730 g (detalhe *) - cicatriz de biópsia incisional.
A malignização é muito rara em lipomas cutâneos, sendo até mesmo questionada por alguns autores. Esta hipótese deve ser considerada em lesões com crescimento rápido, grandes volumes, presença de sintomas ou ulcerações 4,5,7,16-18. Em nossa casuística, a biópsia incisional de um dos pacientes foi sugestiva de lipossarcoma, sendo que, após exérese da lesão, foi excluída malignidade.
Há relatos do uso de técnica aspirativa (uso de cânulas de lipoaspiração convencional) para esses tumores4,8,9,11, porém o risco de recidiva ou remoção incompleta da lesão, além de uma alta incidência de seromas e hematomas, são possíveis complicações deste tipo de tratamento, além de impossibilitar o diagnóstico histológico preciso. Desta forma, a excisão cirúrgica é a modalidade de tratamento de escolha, com dissecção geralmente facilitada devido à presença de pseudocápsula envolvendo a lesão4,5,7-9 (Figuras 6A e B, Figura 7).
Figuras 6. (A) e (B). Paciente masculino, 48 anos, 6 anos de evolução. Lipoma gigante - couro cabeludo (subgaleal) - 512 g.
Figura 7. Lipoma gigante - couro cabeludo (subgaleal) - peça cirúrgica - 512 g.
Nenhum dos pacientes apresentou recidiva da tumoração, porém este fato pode estar influenciado pelo tempo de seguimento pós-operatório, limitado em alguns casos.
CONCLUSÃO
Observamos nesta série características semelhantes aos dados encontrados na literatura, em relação ao tempo de evolução, à presença de sintomas e à incidência de complicações. Dificuldades similares em relação ao diagnóstico diferencial com lipossarcomas também foram observadas. Trata-se da maior série de casos de lipomas gigantes encontrada na literatura, com o segundo maior caso já relatado.
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Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Instituição: Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - ISCMSP, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente:
Daniel Francisco Mello
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São Paulo, SP, Brasil CEP 01239-040
E-mail: mello.plastica@gmail.com
Artigo submetido: 27/3/2014.
Artigo aceito: 13/12/2014.
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