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Cirurgia plástica pós-gastroplastia: perfil das deficiências nutricionais com implicações na cicatrização
Plastic surgery after gastroplasty: nutritional deficiency profile with wound-healing implications
Original Article -
Year2014 -
Volume29 -
Issue
4
Igor Chaves Gomes Luna1; Ernando Luis Ferraz Cavalcanti2; Ivo Vieira Salgado3; David Silveira Farias de Melo4; Ana Luiza Melo C. de Almeida5; Rui Manoel R. Pereira6
http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2014RBCP0097
RESUMO
INTRODUÇÃO: Os cirurgiões plásticos têm recebido em seus consultórios e ambulatórios um número cada vez maior de pacientes com queixa de deformidade do contorno corporal após maciças perdas ponderais secundárias a cirurgias bariátricas. Todavia, em função das restrições alimentares e disabsorções cirúrgicas, são frequentes complicações metabólicas e distúrbios nutricionais no pós-operatório tardio das gastroplastias. O objetivo deste estudo é detectar a prevalência dos principais distúrbios nutricionais relacionados à cicatrização em pacientes de ambulatório especializado em cirurgia plástica do paciente pós-gastroplastia.
MÉTODO: é um estudo observacional, transversal e descritivo, em que os pacientes foram avaliados clinicamente e através de protocolo laboratorial.
RESULTADOS: foram avaliados 32 pacientes com gastroplastia há pelo menos dois anos e estabilidade ponderal há no mínimo seis meses. Os principais distúrbios detectados foram: anemia (56% dos pacientes), com carências na bioquímica do ferro (31,2%) e da vitamina B12 (25%), bem como deficiências dos íons zinco (18,7%) e cobre (3,1%). Houve carências discretas no perfil proteico e ausência de déficits na bioquímica básica e lipidograma.
CONCLUSÃO: é dever do cirurgião plástico conhecer a fundo a prevalência dos principais distúrbios nutricionais relacionados à cicatrização na população de pacientes pós-gastroplastia no sentido de corrigir eventuais carências e prevenir complicações. Sabe-se, contudo, que ainda são necessários mais estudos para correlacionar qualquer deficiência alimentar às intercorrências observadas no pós-operatório deste grupo de pacientes.
Palavras-chave:
Gastroplastia; Ex-obeso; Cirurgia bariátrica; Cirurgia plástica.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Plastic surgeons have received in their outpatient clinics an increasing number of patients complaining of body contour defects due to the massive weight loss after a bariatric surgery. However, owing to dietary restrictions and surgical desorption, metabolic complications and nutritional disorders are commonly observed in the late postoperative period after gastroplasty. The aim of this study was to determine the prevalence of major nutritional disorders related to healing in patients at a specialized outpatient plastic surgery clinic who underwent gastroplasty.
METHOD: This is an observational, transversal, and descriptive study, in which a laboratory protocol was used to clinically evaluate and assess the patients.
RESULTS: Thirty-two patients who underwent gastroplasty at least 2 years previously with weight stability for at least 6 months were evaluated. The major disorders identified included anemia (56% of patients) and deficiency in iron (31.2%), vitamin B12 (25%), zinc ions (18.7%), and copper (3.1%). Mild deficiencies in the protein profile were also observed; however, no deficiencies in basic and lipid biochemistry were noted.
CONCLUSION: The plastic surgeon should have an in-depth knowledge about the prevalence of the major nutritional disorders related to healing in postbariatric patients, to allow correction of possible deficiencies and prevention of complications. However, more studies would be required to correlate any dietary deficiency to the complications observed in the postoperative period in this group of patients.
Keywords:
Gastroplasty; Ex-obese; Bariatric surgery; Plastic surgery.
INTRODUÇÃO
Os cirurgiões plásticos têm recebido em seus consultórios e ambulatórios um número cada vez maior de pacientes com queixa de deformidade do contorno corporal após maciças perdas ponderais secundárias a cirurgias bariátricas. Este aumento se deve aos números estatísticos atuais do problema 'obesidade'. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), mais de um terço dos adultos norte-americanos (35,7%) e aproximadamente 12,5 milhões das crianças e adolescentes (17%) daquele país são obesos1. Os Estados Unidos ocupam apenas a quinta posição no ranking da obesidade da Organização Mundial de Saúde (OMS), já o Brasil se encontra na 77ª posição2. A cirurgia bariátrica, surgida nos anos de 1950, apresentou grande evolução e hoje é vista como uma ferramenta fundamental na perda ponderal e melhora de diversos distúrbios metabólicos, como o diabetes mellitus e a dislipidemia. No Brasil, houve um aumento de aproximadamente 200% no número de cirurgias bariátricas realizadas no período de 2003 a 20113. Após expressiva perda ponderal é frequente a queixa de flacidez tecidual e alterações cutâneas, localizadas principalmente em mamas, abdome, dorso, braços, coxas e face4. Neste momento o cirurgião plástico assume seu papel na equipe multidisciplinar, provendo a reparação cirúrgica destes segmentos afetados. Todavia, em função das restrições alimentares e disabsorções cirúrgicas, são frequentes complicações metabólicas e distúrbios nutricionais no pós-operatório tardio das gastroplastias, período em que o paciente se apresenta como candidato para os procedimentos plásticos reparadores. Desta forma o cirurgião plástico pode se deparar com intercorrências em seu procedimento cirúrgico secundariamente a distúrbios da cicatrização causados por carências nutricionais (Figura 1).
Figura 1. Deiscência parcial em abdominoplastia pós cirurgia bariátrica.
Conhecer a prevalência dos principais déficits nutricionais neste grupo de pacientes é fundamental para o cirurgião plástico. Anemias, carências de determinados minerais e vitaminas, além de baixas reservas proteica e lipídica podem interferir nas diversas fases da cicatrização. Em função da sua elevada frequência no paciente que se submeteu a gastroplastia, este trabalho propõe apresentar um levantamento da prevalência dos principais distúrbios nutricionais relacionados à cicatrização, alertando o cirurgião plástico para um adequado preparo pré-operatório, fornecendo informações que possam servir para melhor orientação dos pacientes.
OBJETIVO
Detectar a prevalência dos principais distúrbios nutricionais relacionados à cicatrização em pacientes do ambulatório especializado em cirurgia plástica do paciente pós-gastroplastia, no serviço de cirurgia plástica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). Secundariamente propor um painel de exames laboratoriais que possam guiar o desenvolvimento de protocolos pré-operatórios neste grupo de pacientes.
MÉTODO
O estudo foi realizado no ambulatório de cirurgia plástica do IMIP, no período de fevereiro/2013 a janeiro/2014, com aprovação pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, se caracteriza por ser do tipo observacional, transversal e descritivo. Os pacientes arrolados no estudo eram todos com status pós-gastroplastia há pelo menos dois anos e estabilidade ponderal há no mínimo seis meses; foram avaliados do ponto de vista clínico e laboratorial, independentemente de estarem usando ou não suplementos nutricionais. Os itens avaliados foram: sexo, idade, percentual de perda ponderal, presença de comorbidades e parâmetros laboratoriais (hemograma, coagulograma, ferro sérico, ferritina, transferrina, cálcio, sódio, potássio, magnésio, cloreto, vitamina B12, proteínas totais e frações, perfil lipídico - colesterol total, LDL, HDL, VLDL e triglicerídeos).
RESULTADOS
Foram avaliados 32 pacientes, sendo 31 do sexo feminino e um do sexo masculino, todos operados segundo a técnica de derivação gástrica em Y de Roux. A média de idade foi de 38,4 anos, variando de 23 a 60 anos. Já a média de perda ponderal foi de 41,6% do peso inicial, sendo o maior índice de 53% e o menor de 32%. Cerca de 37,5% dos pacientes (n=12) apresentaram alguma comorbidade, sendo a hipertensão arterial sistêmica a mais encontrada (7 pacientes), seguida por hérnias incisionais (3 pacientes) e diabetes mellitus, dislipidemia, osteoartrose, osteoporose e labirintite (1 paciente cada). Destes pacientes, três dos hipertensos e um diabético afirmaram melhora clínica importante de suas respectivas comorbidades após a cirurgia bariátrica.
Dentre os distúrbios laboratoriais, o mais prevalente foi a anemia; 56% dos pacientes (18 pacientes) apresentaram-se com algum tipo de anemia, sendo a mais comum a microcítica e hipocrômica. A média da hemoglobina foi de 11,9g/dL, com valores variando entre 9 a 14g/dL. Sete pacientes apresentaram leucopenia (21,8%). Com relação ao coagulograma, houve um índice de aproximadamente 10% de distúrbios da coagulação (3 pacientes), especificamente na via extrínseca, o que pode traduzir carências de vitamina K e cálcio, cofatores importantes desta via. Este íon não se apresentou deficitário em nenhum dos pacientes; a média da calcemia sérica foi de 9,1mg/dL, com valores oscilando entre 8,6 e 9,8mg/dL. A bioquímica do ferro se apresentou frequentemente alterada nos pacientes da pesquisa. O ferro sérico mostrou-se deficitário em 12,5% dos pesquisados (4 pacientes), já a ferritina em 31,2% (10 pacientes). O ferro sérico apresentou um valor médio de 94,9mcg/dL, oscilando entre 16 a 214mcg/dL; a ferritina demostrou um valor médio de 30,2mcg/L, com variação entre 3,0 e 134mcg/L. Um único paciente apresentou alteração da transferrina; tal parâmetro apresentou média de 287mg/dL, variando entre 192 e 380mg/dL.
Não foram evidenciadas quaisquer alterações no ionograma básico: sódio, potássio, magnésio e cloreto. Outros dois íons importantes à cicatrização, leiam-se cobre e zinco, cursaram com baixo índice de carências detectadas. O cobre mostrou-se deficitário em apenas um dos pacientes, já o zinco em seis pacientes (18,7%). O valor médio detectado para o cobre foi de 113mcg/dL, com oscilação entre 73 - 182mcg/dL; o valor médio do zinco foi 88,9mcg/dL, com valor máximo de 144mcg/dL e mínimo de 60mcg/dL. A vitamina B12 demonstrou alterações nos resultados laboratoriais em 8 pacientes (25%). Seu valor médio foi de 302pg/mL, com variação entre 119 e 485pg/mL. O perfil laboratorial proteico apresentou resultado satisfatório, com poucas e discretas carências. As proteínas totais apresentaram valor médio de 6,8g/dL, oscilando entre 6,0 e 7,9g/dL, estando deficitárias em três pacientes (9,3%). A albumina apresentou valor médio de 4,1g/dL, com variação entre 3,3 e 4,8g/dL, estando deficitária em um paciente. O perfil lipídico apresentou-se normal em todos os pacientes estudados. Não foram observados distúrbios nos triglicerídeos nem nas frações do colesterol total (LDL, HDL e VLDL) (Tabelas 1 e 2).
DISCUSSÃO
Howes et al5 já haviam descrito a relação entre má nutrição e comprometimento da cicatrização, já que nutrientes específicos são necessários às várias etapas do complexo processo cicatricial. Segundo Andrade6, é conhecido que os pacientes submetidos a cirurgia barátrica apresentam alterações nutricionais e metabólicas, que exigem grande atenção no preparo para procedimentos plásticos reparadores. Em seu estudo de 2007, os principais índices alterados foram hemoglobina, proteínas, ferro sérico, cromo e zinco. De acordo com Richards e Schirmer7 as principais complicações metabólicas da derivação gástrica em Y de Roux são as deficiências de ferro e vitamina B12, com variação entre as séries reportadas. Estes autores citam que a deficiência de ferro fica entre 15% e 40%, com anemia ferropriva real ocorrendo em até 20% dos pacientes. Esta deficiência ocorre já que o ferro é preferencialmente absorvido nos segmentos intestinais desviados, ou seja duodeno e jejuno proximal. Já a carência de vitamina B12 pode estar presente em 15% a 20% dos pacientes, mas raramente é causa de anemia ou neuropatias. Sua deficiência ocorre pela mistura tardia com o fator intrínseco, responsável por sua absorção. Os resultados do estudo apresentado corroboram a literatura no que tange à elevada prevalência de carências com relação a estes elementos. Ainda de acordo com Richards e Schirmer7 pode haver carência de cálcio em até 8% dos pacientes submetidos à gastroplastia, além de carência de vitaminas lipossolúveis em diferentes proporções na literatura. O cálcio e a vitamina K, especificamente dentre as lipossolúveis, são essenciais à cascata da coagulação, que participa na primeira etapa da cicatrização. Além disso, o cálcio funciona também como cofator de enzimas envolvidas nas demais etapas8.
Em nossa série, houve cerca de 10% de distúrbios da via extrínseca da coagulação, entretanto sem relação a carências do cálcio. A desnutrição proteico-calórica é mais provável ocorrer em pós-operatórios recentes de gastroplastia, todavia a ocorrência tardia de desnutrição proteica sugere que estes pacientes podem sempre estar sob risco para tal complicação7. Um adequado aporte proteico é fundamental para a cicatrização uma vez que o colágeno é o componente primordial da cicatriz. Nosso estudo identificou um baixo índice de carências proteicas. Quando quantidades inadequadas de lipídios são ingeridas, há lentificação do processo cicatricial e consequente autoconsumo proteico para geração de energia; ácidos graxos essenciais são também fundamentais para a cicatrização normal8. O perfil lipídico mostrou-se dentro dos parâmetros da normalidade. Com relação ao ionograma, é sabido que o equilíbrio hidroeletrolítico é fundamental à homeostasia, incluindo-se a cicatrização neste ínterim. Não houve alterações neste parâmetro, exceto pelos íons cobre e zinco, que são cofatores de várias enzimas envolvidas no processo cicatricial, podendo comprometer a proliferação celular e a formação do tecido de granulação9.
CONCLUSÃO
Mesmo diante das evoluções nas técnicas operatórias bariátricas, da correta suplementação dietética e do maior acesso à informação, ainda é comum que pacientes pós-gastroplastia se apresentem ao cirurgião plástico com alguma carência nutricional, demandando uma avaliação pré-operatória que investigue, no mínimo, os distúrbios mais encontrados no estudo: hemograma, coagulograma, proteínas totais e frações, bioquímica do ferro, índices séricos de cobre, zinco e vitamina B12. Caso não se sinta habilitado a manejar determinada carência nutricional, o cirurgião plástico poderá contar com o apoio de equipe multidisciplinar, envolvendo nutricionista, endocrinologista e cirurgião do aparelho digestivo10, 11. Fundamental é estar com o paciente plenamente compensado antes da intervenção plástica. Concluímos afirmando que, apesar da já conhecida relação entre carências nutricionais e distúrbios da cicatrização é necessários mais estudos para correlacionar qualquer deficiência alimentar às intercorrências observadas no pós-operatório deste grupo de pacientes.
REFERÊNCIAS
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1. Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE - Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE
2. Membro titular SBCP - Staff do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE
3. Membro titular SBCP - Staff do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE
4. Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE - Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE
5. Acadêmica de medicina da Universidade de Pernambuco (UPE) - Acadêmica de medicina da Universidade de Pernambuco (UPE)
6. Membro titular SBCP - Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP-PE
Instituição: Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira.
Autor correspondente:
Igor Chaves Gomes Luna
Rua Reinaldo Tavares de Melo, 142, Apto 1301 - Manaíra
João Pessoa, PB, Brasil CEP: 58038-300
E-mail: igorluna_med@hotmail.com
Artigo submetido: 8/1/2014.
Artigo aceito: 31/8/2014.
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