INTRODUÇÃO
O envelhecimento das estruturas palpebrais na população idosa causa alterações anatômicas e funcionais que originam sintomas freqüentes de obstrução e fadiga visual, dificuldade para ler, lacrimejamento e cefaléia por ativação constante da musculatura frontal1-4.
O excesso de tecidos palpebrais, incluindo pele, músculo orbicular pré-septal e gordura retro-septal é denominado blefarocalásio1. Quando a margem palpebral superior - encontra-se num nível mais baixo do que o normal, na posição primária do olhar, temos a ptose palpebral3,4.
A blefaroplastia deve ser planejada de forma a abordar todas as alterações anatômicas existentes num mesmo tempo cirúrgico2,4-7.
Este trabalho tem como objetivo mostrar a incidência de alterações funcionais associadas ao blefarocalásio e à ptose palpebral senil numa população idosa, bem como os sintomas associados a estas afecções. É realizada uma análise estatística da melhora estético-funcional no pós-operatório tardio, destacando-se os benefícios da cirurgia reparadora no alívio dos sintomas relacionados ao envelhecimento da região órbito-palpebral8.
MÉTODO
Vinte e cinco pacientes, encaminhados pela oftalmologia, com queixas funcionais associadas ao blefarocalásio, à ptose de supercílios e à ptose palpebral, foram operados entre março de 2005 a janeiro de 2006, no Hospital Geral do Exército de Recife.
Após a anamnese e exame clínico-oftalmológico, os pacientes responderam a um questionário sobre sintomas relacionados ao envelhecimento da região órbito-palpebral. Todos os pacientes foram fotografados, no pré e no pós-operatório de seis meses.
A função do músculo levantador da pálpebra foi medida avaliando-se a excursão em milímetros da pálpebra superior entre o olhar para baixo (relaxamento máximo) e o olhar para cima (contração máxima). Durante o exame, a ação do músculo frontal foi anulada com a compressão digital da região supraciliar2,4 (Figura 1). Conforme a classificação de Beard4 , a função muscular foi dividida em boa (> 8mm), moderada (5 a 7mm) ou fraca (< 4mm).
Figura 1 - Avaliação da função do músculo elevador da pálpebra e da intensidade da ptose palpebral.
A intensidade da ptose palpebral foi medida comparando- se os níveis entre as duas pálpebras superiores e medindo-se a distância entre a margem palpebral superior e o reflexo corneano2,4,7 (Figura 1).
As cirurgias foram realizadas ambulatorialmente, sob anestesia local e sedação. Analgésicos, crioterapia local, colírios lubrificantes e pomadas oftálmicas para uso noturno foram mantidos por sete dias no pós-operatório.
O tratamento cirúrgico foi individualizado, optando-se pela blefaroplastia superior com ressecção de fuso de pele e fita de músculo orbicular para exposição do septo orbitário e, quando necessário, o tratamento das bolsas de gordura e do panículo adiposo retro-orbital (ROOF)1. A ptose de supercílios foi corrigida pela suspensão com fios9 ou pela ressecção direta de pele acima dos supercílios10 (Figuras 2 e 3). A ptose senil foi tratada com a plicatura da aponeurose do músculo levantador da pálpebra7,11,12 (Figuras 4 a 8).
Figura 2 - Dermatocalásio e ptose de supercílios causando desconforto palpebral, diminuição do campo visual e entrópio superior.
Figura 3 - Blefaroplastia e suspensão de supercílios através da ressecção de fuso de pele superciliar, pós-operatório de 1 ano.
Figura 4 - Ptose palpebral leve, associada ao blefarocalásio e à assimetria na posição dos supercílios. Presença de sulco nasojugal fundo.
Figura 5 - Abertura do septo orbitário e exposição da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior.
Figura 6 - Plicatura da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior.
Figura 7 - Suspensão de supercílios com fios e ajuste intra-operatório da plicatura do músculo levantador da pálpebra.
Figura 8 - Pós-operatório tardio de blefaroplastia superior com ressecção parcial do ROOF, suspensão superciliar com fios e plicatura da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior. Blefaroplastia inferior com cantopexia e reposicionamento de bolsas de gordura inferiores.
A blefaroplastia inferior foi realizada pela via subciliar, com dissecção de retalho miocutâneo e, ainda, ressecção ou reposicionamento da gordura septal, nos casos de sulco nasojugal profundo13 (Figuras 4 a 8). A flacidez tarsal inferior foi corrigida através da cantopexia ou do retalho tarsal, conforme o grau de flacidez presente14. No pós-operatório precoce (0 a 7 dias) e tardio (6 meses), foram avaliadas as queixas mais freqüentes, conforme o questionário respondido antes da operação (Tabela 1) e a presença de complicações (Tabela 2).
Os dados dos questionários foram analisados estatisticamente, empregando-se os testes Mc-Nemar e Exato de Fisher (Tabela 1).
RESULTADOS
O estudo contou com 25 pacientes, com idade média de 65,4 anos (49 a 79 anos), sendo 6 (24%) homens e 19 (76%) mulheres. O tempo médio de seguimento foi de 9,9 meses (6 a 14 meses). No questionário pré-operatório, 11 (40%) dos pacientes referiram cirurgias oftalmológicas anteriores. As co-morbidades e os achados no exame clínico da região órbito-palpebral são detalhadas nas Figuras 9 e 10.
Figura 9 - Co-morbidades associadas nos pacientes estudados.
Figura 10 - Achados no exame clínico pré-operatório.
Em todos os casos de ptose palpebral, havia uma boa função do músculo levantador da pálpebra e, na gradação da ptose, verificou-se 7 (41%) pacientes com ptose leve e, 10 (59%), com ptose moderada.
Os procedimentos cirúrgicos utilizados estão resumidos na Figura 11.
Figura 11 - Tratamento cirúrgico instituído nos pacientes estudados.
A incidência de complicações precoces foi de 12%, com dois casos de quemose leve, tratada clinicamente com colírios (Figuras 12 a 14) e um caso de hematoma palpebral unilateral e quemose importante contralateral, que necessitou de reintervenção para drenagem do hematoma e retirada da plicatura da aponeurose.
Figura 12 - Ptose palpebral senil moderada e blefarocalásio.
Figura 13 - Blefaroplastia superior e inferior com plicatura da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior e retalho tarsal inferior. Quemose leve e lago lacrimal à direita, na primeira semana pós-operatória.
Figura 14 - Pós-operatório tardio, com regressão completa da quemose e do desconforto ocular.
Dos pacientes submetidos à cirurgia para ptose, 20% referiram algum desconforto para fechar os olhos, lacrimejamento e edema palpebral, no primeiro mês de pós-operatório, sintomas que regrediram com massagens e colírios. O lago lacrimal, relacionado à quemose e ao afastamento da pálpebra inferior da esclera pelo edema, esteve presente em 20% dos pacientes, regredindo com tratamento clínico. Duas (8%) pacientes necessitaram de reintervenção precoce para ajuste dos pontos na aponeurose palpebral12,15.
A Tabela 1 e o Figura 15 apresentam os resultados estatísticos da avaliação tardia dos sintomas referidos pelos pacientes. Na Tabela 3, analisa-se a relação entre as co-morbidades associadas e a presença de cefaléia freqüente, não mostrando relação estatisticamente significante entre os dados analisados.
Figura 15 - Avaliação das questões: "Sensação desconfortável de peso ou cansaço palpebral ou frontal?", "Olhos lacrimejam com freqüência e de forma incômoda?", "Cefaléia mais de uma vez por semana?", "Diminuição no campo de visão?" e "Incômodo ou queixas estéticas relacionadas com as pálpebras?" antes e após a cirurgia.
DISCUSSÃO
O processo natural de envelhecimento leva à progressiva atenuação das estruturas órbito-palpebrais, com o aparecimento do blefarocalásio, da ptose palpebral e de supercílios entre outras alterações que podem comprometer a função1-4. A correção destas alterações traz conjuntamente uma melhora estética que, muitas vezes, também é desejada pelo paciente8.
A alta incidência de co-morbidades nesta população ressalta a necessidade da avaliação clínica pré-operatória e a possibilidade de um pós-operatório mais demorado e com maior incidência de complicações (Figura 9).
É importante que o cirurgião atente para a presença da ptose palpebral e que esteja apto para a sua correção, concomitantemente, à blefaroplastia2,5-7,15. Casos de ptose bilateral leve ou com assimetria mais evidente de um lado com freqüência são subdiagnosticados2-4 (Figuras 16 e 17).
Figura 16 - Ptose palpebral (aponeurótica) unilateral.
Figura 17 - Pós-operatório tardio de blefaroplastia superior, com cauterização de bolsas de gordura, plicatura da aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior à direita e blefaroplastia inferior com retalho tarsal.
Na ptose palpebral de origem aponeurótica, o achado cirúrgico mais comum é a presença de falhas ou deiscências da aponeurose em sua inserção na placa tarsal, que podem ser evidenciadas após a abertura do septo orbitário durante a blefaroplastia2,4 (Figura 18). No exame físico, nota-se uma prega palpebral alta ou ausente, adelgaçamento dos tecidos palpebrais superiores e função normal do músculo elevador da pálpebra e do músculo de Muller2-4,6,7,15 (Figura 19).
Figura 18 - Falha na aponeurose do músculo levantado da pálpebra, encontrada durante dissecção cirúrgica.
Figura 19 - Ptose palpebral senil - prega palpebral alta ou ausente, adelgaçamento dos tecidos palpebrais superiores com função normal do músculo elevador da pálpebra e do músculo de Muller.
A abordagem cirúrgica da ptose palpebral por via anterior possibilita melhor exposição da aponeurose e visibilização dos defeitos e desinserções da mesma. Permite a ressecção de pele excedente, o tratamento das bolsas de gordura e a reconstrução de uma nova prega tarsal, além de poupar a lamela posterior5,6. Linberg et al.15 preconizam o uso da anestesia local e ajuste intra-operatório da posição palpebral, e demonstraram uma relação linear entre a posição durante a cirurgia e o resultado obtido após três meses (Figura 7). Também mostraram que a posição palpebral, na primeira semana, é um excelente preditivo do resultado aos três meses, estabelecendo uma base para intervenções precoces no tratamento das hiper e hipocorreções das ptoses15.
A determinação exata da altura palpebral é difícil mesmo com o uso de manobras intra-operatórias. Tucker & Verhulst12 preconizam a reintervenção precoce em pacientes que apresentem hipercorreção maior que 0,5 mm, hipocorreções maiores que 1 mm ou presença de assimetrias maiores que 1 mm entre os dois olhos. Em 2 do 15 casos onde foi feita a plicatura da aponeurose, realizou-se revisão precoce para o ajuste da posição palpebral final.
Estes pacientes podem apresentar recuperação pós-operatória mais demorada, pela dissecção mais extensa e a associação com outros procedimentos. Dos pacientes submetidos à plicatura aponeurótica nesta casuística, 32% referiram desconforto para fechar os olhos, lacrimejamento e edema palpebral mais prolongado, sintomas estes que regrediram, em média, após um mês, com massagens, colírios e acompanhamento oftalmológico.
A correção da ptose de supercílios pela suspensão com fios foi utilizada em 60% dos pacientes, minimizando a quantidade de pele retirada durante a blefaroplastia superior9 e corrigindo assimetrias superciliares existentes (Figuras 4 a 8). A ressecção direta de pele acima do supercílio foi efetiva em casos de ptose significativa nesta região em pacientes mais idosos10, que toleram melhor as cicatrizes cutâneas (Figuras 2 e 3).
CONCLUSÕES
O tratamento dos pacientes com queixas funcionais relacionadas ao blefarocalásio e à ptose palpebral senil deve iniciar-se com rigoroso exame clínico, para que um plano cirúrgico adequado possa ser traçado. O profissional deve estar preparado para tratar as alterações encontradas e, assim, melhorar não só a estética, mas também as queixas e as limitações funcionais presentes.
Quando lidamos com uma população idosa, o preparo pré-operatório engloba o acompanhamento com outros profissionais para a compensação das doenças sistêmicas e oftálmicas altamente prevalentes neste grupo, minimizando riscos e diminuindo possíveis complicações cirúrgicas.
A individualização e a associação de técnicas possibilita a correção de diversas alterações concomitantemente, verificando- se, porém, uma recuperação mais lenta em alguns pacientes relacionada a idade, presença de co-morbidades e dissecções cirúrgicas mais extensas.
Desta forma, reiteramos os benefícios que a cirurgia palpebral reparadora pode oferecer aos pacientes com queixas funcionais relacionadas ao envelhecimento das estruturas órbito-palpebrais8, e a importância de um diagnóstico preciso para a melhora funcional destes pacientes.
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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica; Cirurgiã Plástica do Hospital Geral do Exército de Recife, PE.
Correspondência para:
Tatiana Martins Caloi
Av. Gov.Agamenon Magalhães, 2615 - sala 104 - Boa Vista
Recife - PE - CEP 50050-290
Telefax: 0xx 81 3231-6808
E-mail: dra_tatianacaloi@terra.com.br
Trabalho realizado no Hospital Geral do Exército de Recife, PE. Apresentado no 43º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica, em 12 de novembro de 2006.
Artigo recebido: 02/03/2007
Artigo aprovado: 09/04/2007