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Articles - Year2019 - Volume34 - (Suppl.3)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0186

RESUMO

As complicações de ferida operatória após esternotomia para acesso cirúrgico e procedimentos cardiovasculares variam desde pequenas deiscências até mediastinite e osteomielite do esterno. Uma opção de tratamento envolve o amplo desbridamento cirúrgico da ferida em centro cirúrgico, preparo do leito da ferida, seguida do fechamento da ferida com retalhos miocutâneos ou fasciocutâneos. Em pacientes obesos, sobretudo do sexo feminino com mamas gigantes, a utilização do retalho peitoral bilateral, e a utilização do retalho de epíplon, outras opções nos casos de esternotomia com deiscência e risco de infeção, podem acarretar grande morbidade na zona doadora. Demonstrou-se, neste compêndio, a utilização do retalho miocutâneo vertical de reto abdominal como opção no tratamento da esternotomia, que sofreu deiscência em paciente do sexo feminino e que apresentava também obesidade e gigantomastia; permitindo o fechamento da esternotomia que sofreu deiscência.

Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Reconstrução; Esternotomia; Infecção da ferida operatória


INTRODUÇÃO

As reconstruções da parede torácica são procedimentos desafiadores e complexos1. A escolha de músculos locais para confecção de retalho musculares ou miocutâneos são, frequentemente, a primeira opção dentro do arsenal reconstrutivo da região torácica. Em 1957, Julian et al., popularizaram a esternotomia por incisão mediana como método de fácil acesso ao mediastino e aos grandes vasos. Desde então, estudos têm relatado uma incidência de infecção na ferida operatória, incluindo mediastinite e osteomielite, que se situa na faixa de 0,4 a 5%3.

Uma das complicações inerentes a qualquer cirurgia é a infecção do acesso cirúrgico, seja ele qual for4. Assim, uma das complicações descritas da esternotomia, são as deiscências das bordas. Ocorre geralmente após infecção, e está associado a altos índices de mortalidade e morbidade2.

A gama de apresentação das infecções de ferida operatória esternal varia grandemente. Desde quadros de hiperemia, dor e edema em torno da ferida operatória, que regridem com cuidados locais e antibioticoterapia simples, até mediastinites dramáticas, com acometimento de esterno (osteomielite de esterno) e estruturas nobres, por vezes até mesmo o próprio coração4.

Associado a essas situações, de grave infecção com descompensação das comorbidades prévias, o resultado é alta taxa de mortalidade com grande morbidade, prolongada internação e ampla manipulação e invasão do doente, piorando progressivamente o prognóstico dessa afecção4.

As infecções de esternotomia são resultado de diversos fatores associados: colonização prévia das bordas da ferida, falha na assepsia dos materiais utilizados em algum momento da cirurgia ou na cadeia de preparo dos materiais, falha humana de antissepsia, prolongada exposição ao meio externo, imunossupressão por doenças de base, baixa eficácia de antibioticoprofilaxia, falha na administração de antibioticoprofilaxia; enfim, multifatoriais4.

Algumas das deiscências pós-esternotomias podem ser corrigidas apenas com desbridamento das bordas e sua aproximação após melhora das condições dos tecidos envolvidos. Para a correção de defeitos mais complexos já foram descritos vários métodos, incluindo retalhos musculares, musculocutâneos, cutâneos simples, de omento com posterior enxertia de pele e, mais recentemente, os compostos por tecido mamário2.

O uso da fáscia do músculo peitoral maior tem sido descrito nos últimos tempos em procedimentos de cirurgia plástica. Essa fáscia tem boa vascularização e apresenta espessura adequada e resistente. Porém, cabe ressaltar que essas técnicas resultam em grandes descolamentos, sequelas em áreas doadoras, redução ou ausência de atividade dos músculos e aumento da morbidade.

OBJETIVO

Demonstrar a utilização do retalho miocutâneo vertical do músculo reto abdominal como opção no tratamento da esternotomia, que sofreu deiscência em uma paciente obesa que apresentava também gigantomastia.

MÉTODO

ISR, 68 anos, internada em Unidade de Tratamento Intensivo Coronariana após ter realizado cirurgia cardiovascular aberta para confecção de enxertos de veia safena para revascularização miocárdica. Na história pregressa, além da cardiopatia isquêmica e hipertensiva, apresentava também diabetes mellitus de tipo II e encontrava-se anticoagulada para o pós-operatório da cirurgia de revascularização. Após a cirurgia cardíaca, a paciente apresentou deiscência completa da esternotomia, com exposição do pericárdio. Assim, equipe médica assistente retornou a paciente ao bloco cirúrgico para o fechamento da área de deiscência através da dissecção e sutura das bordas medial do músculo peitoral maior (da 2ª a 6ª costelas), associado à colocação de dispositivo metálico para uma nova tentativa de osteossíntese. Após cinco dias, paciente sofreu a segunda deiscência. Neste momento, foi observada a formação de pequena quantidade de tecido de granulação. Cultura mostrou apresentar colonização por gram negativos - Klebsiella sp e Enterobacter sp, não sendo entretanto observada coleção líquidas retroesternais à tomografia realizada. Foi então solicitada avaliação da equipe de cirurgia plástica. Ao exame físico, observa-se área extensa medindo 25cm x 12cm x 8cm de profundidade na região torácica. A pele da região era tensa devido à grande tração exercida lateralmente pelo peso das mamas. A paciente apresentava um índice de Massa Corporal de 42. Em conjunto com a equipe assistente, realizamos o desbridamento do tecido de granulação e posterior confecção do retalho vertical miocutâneo do músculo reto abdominal - VRAM. O retalho foi demarcado na região abdominal à esquerda do defeito (Figura 1) e, a seguir, transposto para a região torácica, de forma que o pedículo vascular - artéria e veias epigástrica superior - ficasse cuidadosamente posicionado na região receptora. Durante o procedimento, o sangramento do tecido muscular subcutâneo atestou a viabilidade deste retalho miocutâneo (Figuras 2, 3 e 4).

Figura 1 - Aspecto da ferida ao final do desbridamento e a demarcação da área do retalho miocutâneo do reto abdominal - VRAM.

Figura 2 - Utilização de retalho miocutâneo vertical de reto abdominal, observa-se a espessura do retalho.

Figura 3 - Pós-operatório imediato - aspecto da ferida operatória fechada com auxílio do VRAM.

Figura 4 - 7º Pós-operatório - aspecto da ferida operatória fechada.

RESULTADOS

O retalho musculocutâneo vertical do músculo reto abdominal permitiu o fechamento da ferida operatória em tempo único, não sendo observado sinais de deiscência ou infecção, tampouco complicações no sítio doador abdominal. A paciente obteve alta no 20º dia de pós-operatório. O retalho utilizado foi suficiente para cobertura cutâneo-muscular e manteve boa vitalidade, provavelmente devido a um bom suprimento sanguíneo através de pedículo confiável. Não foi evidenciado sofrimento tecidual, deiscências ou sinais de infecção de ferida operatória, no acompanhamento pós-operatório.

DISCUSSÃO

Várias são as técnicas disponíveis para o tratamento da infecção do esterno, dependendo da sua localização, profundidade e da perda de substância local. Dentre elas, destaca-se a cobertura local com retalhos musculares de músculo peitoral maior e reto-abdominal2.

Com esta técnica, reduz-se a mortalidade, visto que o tecido é capaz de aumentar o fluxo sanguíneo local e facilitar o aporte de antibióticos, além de ocluir o espaço morto e melhorar o resultado estético3. Entretanto, sabe-se que a técnica pode resultar em grandes descolamentos teciduais, sequelas em áreas doadoras, redução ou ausência de atividade dos músculos e aumento da morbidade, muito embora o fechamento final seja feito simplesmente pela pele e pelo subcutâneo por sobre esses tecidos utilizados.

O retalho do músculo peitoral maior é considerado como a primeira escolha para a reconstrução cirúrgica da mediastinite pós-esternotomia em muitas instituições. O retalho de transposição de omento tem se mostrado eficaz na reconstrução esternal, especialmente em defeitos irregulares ou quando os retalhos musculares falharam. Embora o retalho de omento tenha sido descrito na literatura antes do músculo peitoral maior para o tratamento de feridas esternais, geralmente ele é um retalho utilizado como último recurso, devido à necessidade de laparotomia e receio de complicações abdominais6.

Dentre as desvantagens do retalho de omento citam-se: possível contaminação da cavidade peritoneal, potencial de surgimento de hérnia epigástrica e menor estabilização da parede torácica anterior em comparação aos retalhos musculares7.

Em casos de utilização do músculo peitoral, temos preferido a utilização do músculo peitoral bilateral, que garante melhor preenchimento do defeito, seguido de dois retalhos fasciocutâneos da parede torácica bilateral. No caso apresentado, estes últimos retalhos ficariam sob grande tensão, devido ao peso das mamas da paciente.

CONCLUSÃO

O retalho miocutâneo vertical do músculo reto abdominal representou uma opção segura e de fácil execução no caso apresentado, permitindo o fechamento da esternotomia que sofreu deiscência.

REFERÊNCIAS

1. Marinho CCC, Rodrigues HLR, Rossi RV, Motta AS, Miranda ML, Lima RC. Utilização do retalho de omento na reconstrução torácica: relato de caso. Rev Bras Cir Plást. 2019;34(0):16-8.

2. Anger J, Farsky PS, Almeida ASA, Arnoni RT, Dantas DC. Utilização do retalho fasciocutâneo do músculo peitoral maior na deiscência de esternotomia: uma nova abordagem. Einstein (São Paulo). 2012 Dec;10(4):449-54. DOI: https://doi.org/10.1590/S1679-45082012000400010

3. Bongiolo Junior M, Santos DN, Bittencourt RCB, Pintarelli G, Jeziorowski A, Nunes E. Uso de retalho de músculo peitoral maior para o tratamento de osteomielite de esterno. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(3):67.

4. Gallafrio ST, Menezes TT, Monaco FF, Alvarez DM, Strabelli TMV, Jatene FB, et al. Análise crítica do protocolo de tratamento da ferida operatória complicada após esternotomia para cirurgia cardíaca. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(2):194-201.

5. Althubaiti G, Butler CE. Abdominal wall and chest wall reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2014 May;133(5):688e-701e. PMID: 24776572 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000000086

6. Marinho CCC, Rodrigues HLR, Rossi RV, Motta AS, Miranda ML, Lima RC. Utilização do retalho de omento na reconstrução torácica: relato de caso. Rev Bras Cir Plást. 2019;34(0):16-8.

7. Moreschi AH, Macedo Neto AV, Barbosa VG, Saueressig MG. Tratamento agressivo com retalho muscular e/ou omentopexia nas infecções do esterno e mediastino anterior em pós-operatório de esternotomia. J Bras Pneumol. 2008 Sep;34(9):654-60. DOI: https://doi.org/10.1590/S1806-37132008000900004











1. Hospital São Lucas da Pontifícia, Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Partenon, Porto Alegre, RS, Brasil.

Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias Kolling, Avenida Alberto Bins, no 456, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90030-140. E-mail: marcelokolling91@gmail.com

 

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