INTRODUÇÃO
As reconstruções da parede torácica são procedimentos desafiadores e complexos1. A escolha de músculos locais para confecção
de retalho musculares ou miocutâneos são, frequentemente, a primeira opção dentro
do
arsenal reconstrutivo da região torácica. Em 1957, Julian et al.,
popularizaram a esternotomia por incisão mediana como método de fácil acesso ao
mediastino e aos grandes vasos. Desde então, estudos têm relatado uma incidência
de
infecção na ferida operatória, incluindo mediastinite e osteomielite, que se situa
na faixa de 0,4 a 5%3.
Uma das complicações inerentes a qualquer cirurgia é a infecção do acesso cirúrgico,
seja ele qual for4. Assim, uma das
complicações descritas da esternotomia, são as deiscências das bordas. Ocorre
geralmente após infecção, e está associado a altos índices de mortalidade e
morbidade2.
A gama de apresentação das infecções de ferida operatória esternal varia grandemente.
Desde quadros de hiperemia, dor e edema em torno da ferida operatória, que regridem
com cuidados locais e antibioticoterapia simples, até mediastinites dramáticas,
com
acometimento de esterno (osteomielite de esterno) e estruturas nobres, por vezes
até
mesmo o próprio coração4.
Associado a essas situações, de grave infecção com descompensação das comorbidades
prévias, o resultado é alta taxa de mortalidade com grande morbidade, prolongada
internação e ampla manipulação e invasão do doente, piorando progressivamente
o
prognóstico dessa afecção4.
As infecções de esternotomia são resultado de diversos fatores associados:
colonização prévia das bordas da ferida, falha na assepsia dos materiais utilizados
em algum momento da cirurgia ou na cadeia de preparo dos materiais, falha humana
de
antissepsia, prolongada exposição ao meio externo, imunossupressão por doenças
de
base, baixa eficácia de antibioticoprofilaxia, falha na administração de
antibioticoprofilaxia; enfim, multifatoriais4.
Algumas das deiscências pós-esternotomias podem ser corrigidas apenas com
desbridamento das bordas e sua aproximação após melhora das condições dos tecidos
envolvidos. Para a correção de defeitos mais complexos já foram descritos vários
métodos, incluindo retalhos musculares, musculocutâneos, cutâneos simples, de
omento
com posterior enxertia de pele e, mais recentemente, os compostos por tecido
mamário2.
O uso da fáscia do músculo peitoral maior tem sido descrito nos últimos tempos em
procedimentos de cirurgia plástica. Essa fáscia tem boa vascularização e apresenta
espessura adequada e resistente. Porém, cabe ressaltar que essas técnicas resultam
em grandes descolamentos, sequelas em áreas doadoras, redução ou ausência de
atividade dos músculos e aumento da morbidade.
OBJETIVO
Demonstrar a utilização do retalho miocutâneo vertical do músculo reto abdominal como
opção no tratamento da esternotomia, que sofreu deiscência em uma paciente obesa
que
apresentava também gigantomastia.
MÉTODO
ISR, 68 anos, internada em Unidade de Tratamento Intensivo Coronariana após ter
realizado cirurgia cardiovascular aberta para confecção de enxertos de veia safena
para revascularização miocárdica. Na história pregressa, além da cardiopatia
isquêmica e hipertensiva, apresentava também diabetes mellitus de tipo II e
encontrava-se anticoagulada para o pós-operatório da cirurgia de revascularização.
Após a cirurgia cardíaca, a paciente apresentou deiscência completa da esternotomia,
com exposição do pericárdio. Assim, equipe médica assistente retornou a paciente
ao
bloco cirúrgico para o fechamento da área de deiscência através da dissecção e
sutura das bordas medial do músculo peitoral maior (da 2ª a
6ª costelas), associado à colocação de dispositivo metálico para
uma nova tentativa de osteossíntese. Após cinco dias, paciente sofreu a segunda
deiscência. Neste momento, foi observada a formação de pequena quantidade de tecido
de granulação. Cultura mostrou apresentar colonização por gram negativos -
Klebsiella sp e Enterobacter sp, não sendo
entretanto observada coleção líquidas retroesternais à tomografia realizada. Foi
então solicitada avaliação da equipe de cirurgia plástica. Ao exame físico,
observa-se área extensa medindo 25cm x 12cm x 8cm de profundidade na região
torácica. A pele da região era tensa devido à grande tração exercida lateralmente
pelo peso das mamas. A paciente apresentava um índice de Massa Corporal de 42.
Em
conjunto com a equipe assistente, realizamos o desbridamento do tecido de granulação
e posterior confecção do retalho vertical miocutâneo do músculo reto abdominal
-
VRAM. O retalho foi demarcado na região abdominal à esquerda do defeito (Figura 1) e, a seguir, transposto para a região
torácica, de forma que o pedículo vascular - artéria e veias epigástrica superior
-
ficasse cuidadosamente posicionado na região receptora. Durante o procedimento,
o
sangramento do tecido muscular subcutâneo atestou a viabilidade deste retalho
miocutâneo (Figuras 2, 3 e 4).
Figura 1 - Aspecto da ferida ao final do desbridamento e a demarcação da área do
retalho miocutâneo do reto abdominal - VRAM.
Figura 1 - Aspecto da ferida ao final do desbridamento e a demarcação da área do
retalho miocutâneo do reto abdominal - VRAM.
Figura 2 - Utilização de retalho miocutâneo vertical de reto abdominal,
observa-se a espessura do retalho.
Figura 2 - Utilização de retalho miocutâneo vertical de reto abdominal,
observa-se a espessura do retalho.
Figura 3 - Pós-operatório imediato - aspecto da ferida operatória fechada com
auxílio do VRAM.
Figura 3 - Pós-operatório imediato - aspecto da ferida operatória fechada com
auxílio do VRAM.
Figura 4 - 7º Pós-operatório - aspecto da ferida operatória fechada.
Figura 4 - 7º Pós-operatório - aspecto da ferida operatória fechada.
RESULTADOS
O retalho musculocutâneo vertical do músculo reto abdominal permitiu o fechamento
da
ferida operatória em tempo único, não sendo observado sinais de deiscência ou
infecção, tampouco complicações no sítio doador abdominal. A paciente obteve alta
no
20º dia de pós-operatório. O retalho utilizado foi suficiente para
cobertura cutâneo-muscular e manteve boa vitalidade, provavelmente devido a um
bom
suprimento sanguíneo através de pedículo confiável. Não foi evidenciado sofrimento
tecidual, deiscências ou sinais de infecção de ferida operatória, no acompanhamento
pós-operatório.
DISCUSSÃO
Várias são as técnicas disponíveis para o tratamento da infecção do esterno,
dependendo da sua localização, profundidade e da perda de substância local. Dentre
elas, destaca-se a cobertura local com retalhos musculares de músculo peitoral
maior
e reto-abdominal2.
Com esta técnica, reduz-se a mortalidade, visto que o tecido é capaz de aumentar o
fluxo sanguíneo local e facilitar o aporte de antibióticos, além de ocluir o espaço
morto e melhorar o resultado estético3.
Entretanto, sabe-se que a técnica pode resultar em grandes descolamentos teciduais,
sequelas em áreas doadoras, redução ou ausência de atividade dos músculos e aumento
da morbidade, muito embora o fechamento final seja feito simplesmente pela pele
e
pelo subcutâneo por sobre esses tecidos utilizados.
O retalho do músculo peitoral maior é considerado como a primeira escolha para a
reconstrução cirúrgica da mediastinite pós-esternotomia em muitas instituições.
O
retalho de transposição de omento tem se mostrado eficaz na reconstrução esternal,
especialmente em defeitos irregulares ou quando os retalhos musculares falharam.
Embora o retalho de omento tenha sido descrito na literatura antes do músculo
peitoral maior para o tratamento de feridas esternais, geralmente ele é um retalho
utilizado como último recurso, devido à necessidade de laparotomia e receio de
complicações abdominais6.
Dentre as desvantagens do retalho de omento citam-se: possível contaminação da
cavidade peritoneal, potencial de surgimento de hérnia epigástrica e menor
estabilização da parede torácica anterior em comparação aos retalhos musculares7.
Em casos de utilização do músculo peitoral, temos preferido a utilização do músculo
peitoral bilateral, que garante melhor preenchimento do defeito, seguido de dois
retalhos fasciocutâneos da parede torácica bilateral. No caso apresentado, estes
últimos retalhos ficariam sob grande tensão, devido ao peso das mamas da
paciente.
CONCLUSÃO
O retalho miocutâneo vertical do músculo reto abdominal representou uma opção segura
e de fácil execução no caso apresentado, permitindo o fechamento da esternotomia
que
sofreu deiscência.
REFERÊNCIAS
1. Marinho CCC, Rodrigues HLR, Rossi RV, Motta AS, Miranda ML, Lima RC.
Utilização do retalho de omento na reconstrução torácica: relato de caso. Rev
Bras Cir Plást. 2019;34(0):16-8.
2. Anger J, Farsky PS, Almeida ASA, Arnoni RT, Dantas DC. Utilização do
retalho fasciocutâneo do músculo peitoral maior na deiscência de esternotomia:
uma nova abordagem. Einstein (São Paulo). 2012 Dec;10(4):449-54. DOI:
https://doi.org/10.1590/S1679-45082012000400010
3. Bongiolo Junior M, Santos DN, Bittencourt RCB, Pintarelli G,
Jeziorowski A, Nunes E. Uso de retalho de músculo peitoral maior para o
tratamento de osteomielite de esterno. Rev Bras Cir Plást.
2010;25(3):67.
4. Gallafrio ST, Menezes TT, Monaco FF, Alvarez DM, Strabelli TMV,
Jatene FB, et al. Análise crítica do protocolo de tratamento da ferida
operatória complicada após esternotomia para cirurgia cardíaca. Rev Bras Cir
Plást. 2017;32(2):194-201.
5. Althubaiti G, Butler CE. Abdominal wall and chest wall
reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2014 May;133(5):688e-701e. PMID: 24776572
DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000000086
6. Marinho CCC, Rodrigues HLR, Rossi RV, Motta AS, Miranda ML, Lima RC.
Utilização do retalho de omento na reconstrução torácica: relato de caso. Rev
Bras Cir Plást. 2019;34(0):16-8.
7. Moreschi AH, Macedo Neto AV, Barbosa VG, Saueressig MG. Tratamento
agressivo com retalho muscular e/ou omentopexia nas infecções do esterno e
mediastino anterior em pós-operatório de esternotomia. J Bras Pneumol. 2008
Sep;34(9):654-60. DOI:
https://doi.org/10.1590/S1806-37132008000900004
1. Hospital São Lucas da Pontifícia,
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Partenon, Porto Alegre, RS,
Brasil.
Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias Kolling, Avenida
Alberto Bins, no 456, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90030-140.
E-mail: marcelokolling91@gmail.com