INTRODUÇÃO
A preocupação com a velhice e com um possível rejuvenescimento existe desde tempo
muito remoto. Não se sabe ao certo quando tiveram início os procedimentos cirúrgicos
com finalidade exclusiva de rejuvenescimento facial – isso porque eram praticados
sob sigilo e em regime ambulatorial, e os cirurgiões que as faziam eram considerados
argentários e seus pacientes possuidores de vaidade excessiva1,2.
O tratamento cirúrgico para o envelhecimento facial é a ritidoplastia ou face
lift. Suas principais complicações são hematoma, seroma, deiscências,
infecções, lesões nervosas, necrose de pele, hipertrofias cicatriciais, injúrias
parotídeas e deformidades em lóbulo de orelha1-7.
Dentre todas, a complicação mais frequente continua sendo o hematoma que, em algumas
situações, pode comprometer a vascularização do retalho levando a necrose tecidual
e
exigir reabordagem cirúrgica3-12.
OBJETIVO
O artigo visa expor e discutir um caso clínico de ritidoplastia que evoluiu com
grande hematoma bilateral seguido por rápida e extensa necrose de face, também
bilateral.
MÉTODO
A partir da exposição de um caso clínico de ritidoplastia que intercorreu com
hematoma facial bilateral com conseguinte necrose facial extensa, procurou-se
discutir sobre maneiras de se prevenir e tratar tais complicações, além dos fatores
associados, casuística pessoal e da literatura, diagnóstico e cuidados específicos
no manejo pós-operatório.
RESULTADOS
Trata-se de paciente VPA de 62 anos, masculino, com queixas de envelhecimento facial
(excesso de pele e flacidez em região palpebral, em terço médio e inferior da face).
Portador de doença de Parkinson controlada, nunca foi submetido a nenhum tipo de
tratamento estético na face, seja minimamente invasivo ou cirúrgico.
Foi submetido a lift cervicofacial seguindo os princípios do
round-lift de Pitanguy. Foram realizadas incisões pré-pilosa
temporal oblíqua, pré-auricular anterior ao trágus, retroauricular e mastoidea
intrapilosa. Realizou-se dissecção e tração do SMAS pré-auricular com ressecção do
excesso. Submetido também a blefaroplastia superior e lipoaspiração cruzada de
região cervical e submentoniana.
A cirurgia foi realizada no período da manhã e ocorreu sem intercorrências.
Ao final da tarde, apresentou hematoma expansivo de face bilateral – de grande volume
à esquerda e moderado à direita. Foi encaminhado ao Bloco Cirúrgico onde foram
retiradas algumas suturas pré e retroauriculares, com drenagem do hematoma (cerca
de
150 mL à esquerda). A área descolada foi então lavada com soro fisiológico gelado
e
realizada compressão local, seguido de enfaixamento e leve compressão com
espuma.
Não houve recidiva do hematoma.
Entretanto, no dia seguinte, a face apresentava equimoses extensas que camuflaram
área de isquemia que evoluiu para necrose.
No retorno do 4º dia de pós-operatório, o que suspeitávamos ser equimose definiu-se
como área de necrose já estabelecida. E, em cerca de 7 dias, a mesma já
apresentava-se mumificada (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Área de necrose em hemiface esquerda.
Figura 1 - Área de necrose em hemiface esquerda.
Figura 2 - Área de necrose em hemiface direita.
Figura 2 - Área de necrose em hemiface direita.
Foi optado por tratamento conservador. Iniciado uso de Dersani® nas
crostas mumificadas. Realizado desbridamento gradual, e que só se iniciou dias após
a mumificação quando as bordas das crostas começaram a se soltar.
Sobre as áreas desbridadas, iniciou-se uso de colagenase. Após desbridamento
completo das crostas mumificadas, foi iniciado alginato de cálcio intercalado com
hidrocoloide em áreas que já apresentavam crescimento de tecido de granulação (Figura 3).
Figura 3 - Tecido de granulação em hemiface esquerda.
Figura 3 - Tecido de granulação em hemiface esquerda.
Por volta do 40º dia de pós-operatório, o tecido de granulação já era exuberante e
já
havia iniciado processo de contração da ferida; neste período manteve-se curativo
com placa de hidrocoloide.
Importante ressaltar que, ao longo dos primeiros 40 dias de pós-operatório, o
paciente foi atendido diariamente pelo cirurgião em sua residência ou no consultório
(de maneira intercalada), e só quando o tecido de granulação se desenvolveu é que
os
curativos passaram a ser feitos com placas de hidrocoloide, e as visitas feitas duas
vezes por semana.
Passados 90 dias, a ferida já havia apresentado enorme contração e epitelização
importante com cicatrização quase completa (Figura 4).
Figura 4 - Ferida em epitelização.
Figura 4 - Ferida em epitelização.
Aos 5 meses de pós-operatório, foi realizada uma cirurgia corretiva somente em
hemiface esquerda, visto que a da direita apresentou resultado satisfatório apenas
com a cicatrização por segunda intenção. Assim, foi feito descolamento restrito
pouco além das áreas cicatriciais, ressecção de cicatriz alargada pré-auricular e
também ressecção elíptica em dobras cicatriciais na região mandibular (Figura 5).
Figura 5 - Cicatriz formada e marcação pré-operatória de área de descolamento e
de ressecção.
Figura 5 - Cicatriz formada e marcação pré-operatória de área de descolamento e
de ressecção.
Obteve-se resultado de boa qualidade, com boa evolução pós-operatória e sem
intercorrências (Figura 6).
Figura 6 - Resultado final após cirurgia corretiva.
Figura 6 - Resultado final após cirurgia corretiva.
DISCUSSÃO
Necrose do retalho cutâneo representa uma importante complicação cirúrgica
pós-ritidoplastia e, se extensa, é de difícil tratamento, com possibilidade de
graves sequelas e amplas deformidades estéticas7.
Vários são os fatores que podem ser relacionados à necrose de pele no face
lift, como tensão exagerada, retalho excessivamente delgado, amplos
descolamentos, hematomas, curativos compressivos, diabetes, vasculopatias e o
tabagismo, considerado o principal fator de risco7-10.
Sabidamente, o cigarro prejudica a cicatrização e vascularização do retalho – a
nicotina aumenta a adesividade plaquetária e viscosidade do sangue, o que leva a
tromboses oclusivas microvasculares e, consequentemente, isquemia tecidual7,10.
Alguns estudos revelam que descolamentos menores e realizados em planos mais
profundos estariam associados a menor risco de necroses em face
lift
8,10.
De acordo com a literatura, a incidência de hematoma em face lifts é
de 0,2% a 8% dos casos3-8. Já a incidência de necrose de pele, como
consequência ou não de hematomas, varia de 0,2% a 3% dos casos6,7,8.
Em nossa casuística, de janeiro de 1992 a março de 2018, foram realizados 1.136
face lifts – dados semelhantes a Rohrich, em 23 anos de
análise3,4.
A partir de agosto de 2013, o autor dedica-se exclusivamente às cirurgias plásticas
faciais, totalizando 484 face lifts desde então. Neste período,
tivemos o total de 11 hematomas e de 2 necroses, traduzindo uma incidência de 2,2%
e
de 0,4% dos casos, respectivamente.
Infelizmente, a literatura atual sobre o manejo das necroses de pele em face é
escassa e as opções de tratamento limitadas1,7,9. Quando se detecta a isquemia tecidual com
sinais de sofrimento de pele, pode-se indicar que tentem melhorar a perfusão
(oxigenoterapia hiperbárica, ozonoterapia, entre outros)1-9, mas, uma
vez instalada a necrose, temos como opções a cicatrização por segunda intenção,
desbridamento cirúrgico conservador, administração local de preparações
antibióticas, curativos diversos (alginato, sulfadiazina de prata, hidrocloide) e
injeções de vitaminas (A, C e E)1,7,9.
A necrose cutânea em face, uma vez estabelecida, deve ser sempre tratada da maneira
mais conservadora possível, para evitar aumento de margens cruentas com perda de
tecidos viáveis e maiores sequelas1,6,7,9.
A cicatrização por segunda intenção é uma ótima opção em todos os casos,
principalmente para pequenas áreas de necrose ao longo da borda do retalho.
Independente do tamanho da necrose, o desbridamento deve sempre ser muito
conservador e sempre tardio (idealmente aguardando a mumificação completa da lesão
e
desprendimento espontâneo das crostas, com intuito de não ampliar as margens da
ferida), e deixar a revisão das cicatrizes para um momento posterior1,6,7,9.
Outras opções como curativo à vácuo, oxigenoterapia hiperbárica, ozonoterapia (esta
ainda experimental) e sutura elástica podem auxiliar na redução do tempo de
cicatrização, mas ainda com uso restrito na face1,9.
Além das opções de curativo e tratamentos clínico e cirúrgico aqui descritas, a
literatura existente sobre o manejo da necrose do retalho de pele após a
ritidoplastia é exígua e exige maior estudo e investimento por parte dos cirurgiões
plásticos1,7.
CONCLUSÃO
Ao término do tratamento foi possível constatar que, uma vez instalada uma necrose
de
grandes proporções em um retalho de pele da face, é possível se obter resultados
estéticos de boa qualidade com um tratamento conservador que envolve apenas cuidados
locais com curativos diários por várias semanas, além de desbridamentos
conservadores e tardios, associado a apenas uma revisão cirúrgica de pequena monta
realizada cinco meses depois da primeira cirurgia. O poder de contração da ferida
na
região pré-auricular provou ser bem maior que imaginávamos, o que foi de grande
valia para o resultado final do processo.
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ritidoplastias: análise de casos clínicos. Rev Bras Cir Plást. 2008;
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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Minas Gerais, MG, Brasil.
2. Clínica Cló e Ribeiro, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
3. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, MG, Brasil.
4. Faculdade de Medicina da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço Autor: Ticiano César Teixeira
Cló Rua República Argentina, 507 - Sion. Belo Horizonte, MG, Brasil
CEP 30315-490 E-mail: clocirurgiaplastica@gmail.com