INTRODUÇÃO
Descrito pela primeira vez em 1856, por Billroth, o carcinoma adenoide cístico (CAC),
ou cilindroma, corresponde à segunda neoplasia mais comum encontrada na glândula
parótida, e a mais comum entre as glândulas submandibulares e sublinguais1.
É mais frequente na quinta década de vida e existe uma igual distribuição entre os
sexos, embora alguns estudos mostrem predileção pelo gênero feminino2.
O CAC é uma neoplasia maligna rara, que apresenta crescimento lento e, geralmente,
prognóstico desfavorável, pela agressividade da invasão tumoral (invasão neural e
metástases à distância são comuns) e elevado poder recidivante, mesmo após cirurgia
radical e radioterapia1,2.
O prognóstico varia de acordo com as suas características microscópicas, clínicas
e
localização anatômica3. O subtipo cribiforme é
o padrão histológico mais comum e apresenta um baixo grau histológico4.
Indivíduos com CAC em seio maxilar, geralmente, apresentam doença mais avançada
devido à invasão de ossos e partes moles4. A
maxila é uma estrutura óssea localizada no terço médio da face que contém o seio
maxilar e apresenta importante função estrutural. Devido a sua complexa
configuração, a reconstrução maxilar é difícil e desafiadora5.
RELATO DO CASO
A.S.O., 66 anos, gênero feminino, natural de Ouro Branco/MG, com história prévia de
turbinectomia, realizada em 2010, devido a lesão em seio maxilar com invasão do
septo nasal, cujo anatomopatológico diagnosticou carcinoma adenoide cístico.
Evoluiu com recidiva em 2012, sendo submetida a duas linhas de quimioterapia. No
entanto, apresentou nova recidiva em 2015, e optou-se pela realização de
radioterapia devido a recusa de tratamento cirúrgico pela paciente. Em 2017, evoluiu
novamente com recidiva, e após novas sessões de radioterapia, não houve
remissão.
Foi encaminhada ao serviço de Cirurgia da Cabeça e Pescoço do Instituto Mário
Penna/MG, e identificou-se lesão exofítica na parede lateral da fossa nasal com
acometimento do ducto nasolacrimal esquerdo e seio maxilar, mas sem invasão da
órbita. Foi realizada biópsia da lesão, sendo confirmado carcinoma adenoide cístico
com padrão cribriforme e invasão perineural.
Logo, em junho de 2018, foi submetida a maxilectomia com reconstrução do assoalho
orbital com tela de titânio, miniplacas e parafusos 1.5 (Figuras 1.A e 1.B).
Apresentou boa evolução no pós-operatório imediato, recebendo alta no dia seguinte
ao procedimento cirúrgico. Retornou ao ambulatório da equipe de Cirurgia da Cabeça
e
Pescoço duas semanas após o procedimento, sem intercorrências (Figura 1.C). O resultado do anatomopatológico revelou carcinoma
adenoide cístico com margens livres.
Figura 1 - A: Imagem frontal da paciente no pré-operatório;
B: Marcação da maxilectomia; C: Após 14
dias de evolução pós-operatória.
Figura 1 - A: Imagem frontal da paciente no pré-operatório;
B: Marcação da maxilectomia; C: Após 14
dias de evolução pós-operatória.
Em outubro de 2018, durante acompanhamento ambulatorial oncológico, evoluiu com
retração da pálpebra inferior com deiscência da ferida operatória e consequente
exposição da placa de titânio, mas sem sinais de recidiva tumoral ao exame clínico
ou em exames de imagem (Figura 2).
Figuras 2 - A e B: Deiscência de ferida operatória com
exposição da placa de titânio.
Figuras 2 - A e B: Deiscência de ferida operatória com
exposição da placa de titânio.
Desse modo, em novembro de 2018, foi submetida a novo procedimento cirúrgico em
conjunto com a equipe da cirurgia plástica no Hospital da Baleia/MG. Durante ato
operatório, inicialmente, foi realizada ressecção das bordas da ferida para estudo
anatomopatológico com consequente exérese de pálpebra inferior remanescente e
exposição do tarso.
Um enxerto de cartilagem auricular foi posicionado com a concavidade voltada para
a
túnica conjuntiva do bulbo do olho, e fixado ao tarso residual. Foi confeccionado
retalho de músculo temporal baseado no pedículo da artéria temporal superficial
esquerda e, após tunelização, foi utilizado para cobertura do defeito em região
maxilar e do enxerto de cartilagem (Figura 3.A). Optou-se por colocar dreno Portovac® em região
temporal doadora do retalho.
Figura 3 - A: Retalho de músculo temporal após tunelização e
transposição para terço médio da face; B: Cobertura com
retalho cutâneo local e enxerto de pele total; C: Imagem
após três meses de pós-operatório, edema em região orbital e ectrópio
inferior.
Figura 3 - A: Retalho de músculo temporal após tunelização e
transposição para terço médio da face; B: Cobertura com
retalho cutâneo local e enxerto de pele total; C: Imagem
após três meses de pós-operatório, edema em região orbital e ectrópio
inferior.
Para cobertura do retalho muscular, confeccionou-se retalho cutâneo de avanço com
remanescente de pele em terço médio da face, sendo necessário enxerto de pele total
para cobertura da região palpebral inferior para evitar tensão no local (Figura 3B).
Visando melhorar a simetria facial, foi realizada lipoenxertia em retalho cutâneo
(lipoenxertado cerca de 40 mL de gordura autógena após preparo da mesma por
decantação) e cantoplastia esquerda.
No pós-operatório imediato, a paciente evoluiu com edema assimétrico em hemiface
esquerda e drenagem de pequena quantidade de secreção sero-hemática, sendo tratada
somente com medidas clínicas, sem necessidade de reabordagem cirúrgica. Recebeu alta
no dia seguinte sem outras intercorrências. O anatomopatológico das bordas da lesão
evidenciou margens livres. Paciente com boa evolução até o momento, sem sinais de
recidiva, apresentando ectrópio inferior devido a retração do enxerto de pele (Figura 3.C).
DISCUSSÃO
No caso relatado, a paciente era portadora CAC do tipo histológico cribriforme com
infiltração perineural que, somado à sua localização em seio maxilar, configura um
quadro de pior prognóstico e risco de recidiva, conforme a literatura pesquisada.
A
idade de aparecimento da lesão e o gênero da paciente em questão também estão de
acordo com os dados disponíveis.
Devido a sua agressividade, a cirurgia radical do tumor para obtenção de margens
livres é o tratamento de escolha para o CAC2.
A radioterapia adjuvante pode suprimir ou diminuir a taxa de crescimento1.
O avanço no desenvolvimento de materiais de fixação, como o titânio, permitiu a
confecção de placas de reconstrução que, inicialmente, eram utilizadas como
tratamento padrão para a substituição de uma falha óssea6. No entanto, devido a alta incidência de exposição e fratura
das placas, principalmente em pacientes submetidos à radioterapia pós-operatória,
a
utilização de técnicas microcirúrgicas são consideradas atualmente como o
padrão-ouro na cirurgia reparadora7,8.
Entretanto, muitos centros que tratam do câncer de cabeça e pescoço, no Brasil,
acabam não utilizando retalhos microcirúrgicos livres em um número significativo dos
casos, devido ao seu alto custo, necessidade de alta tecnologia e maior tempo
cirúrgico8,9.
Uma alternativa consiste no uso de retalhos de vizinhança, principalmente no
tratamento de defeitos maxilares extensos em hospitais que não apresentam equipes
microcirúrgicas. Eles podem ser compostos apenas de tecidos sem função estrutural,
como o retalho de músculo temporal, ou podem conter segmentos ósseos, como o retalho
de fáscia temporal com osso parietal7,10.
CONCLUSÃO
Devido à complexa configuração da maxila, a reconstrução dos defeitos pós-excisionais
ainda representa um desafio para cirurgiões plásticos e de cabeça e pescoço. O
retalho de músculo temporal mostrou-se uma boa opção para reconstrução da região
periorbital e malar, com cobertura do material de síntese, e resultado estético e
funcional satisfatórios.
REFERÊNCIAS
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Tommasi AF (ed.). Diagnóstico em patologia bucal. 3 ed. São Paulo: Pancast.
2002; 374-5.
2. Regezi JA, Sciubba JJ. Doenças das glândulas salivares. In:
Patologia bucal correlações clinicopatológicas. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan. 2000; 230-3.
3. Quon HHD, Feldman M, Sewell D, Weber RS. Cancer of the head and
neck. In: Clinical oncology. 3 ed. Philadelphia: Elsevier. 2004;
1505.
4. Spiro RH, Huvos AG, Strong EW. Adenoid cystic carcinoma: factors
influencing survival. Am J Surg. 1979; 138(4):579-83.
5. Min R, Siyi L, Wenjun Y, Ow A, Lizheng W, Minjun D, et al. Salivary
gland adenoid cystic carcinoma with cervical lymph node metastasis: a
preliminary study of 62 cases. Int J Oral Maxillofac Surg. 2012;
41:952-7.
6. Boyes-Varley JG, Howes DG, Davidge-Pitts KD, Brånemark I,
McAlpine JA. A protocol for maxillary reconstruction following oncology
resection using zygomatic implants. Int J Prosthodont. 2007;
20(5):521-31.
7. Costa SM, et al. Reconstrução da maxila. Rev Bras Cir
Craniomaxilofac. 2010; 13(3):165-8.
8. Cordeiro PG, Santamaria E. A classification system and algorithm for
reconstruction of maxillectomy and midfacial defects. Plast Reconstr Surg. 2000;
125(7):2331-48.
9. Campbell HH. Reconstruction of the left maxilla. Plast Reconstr
Surg. 1948; 3(1):66-72.
10. Davison SP, Mesbahi AN, Clemens MW, Picken CA. Vascularized
calvarial bone flaps and midface reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2008;
122(1):10e-18e.
1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Minas Gerais, MG, Brasil.
2. Hospital da Baleia, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
3. Instituto Mário Penna, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
Endereço Autor: Hugo Leonardo Resende
Rodrigues Av. Contorno, nº8000 Sala 1302 - Belo Horizonte, MG, Brasil
CEP 30110-056 E-mail: hugo@doutorhugorodrigues.com.br