INTRODUÇÃO
Apesar de a maioria das mulheres submetidas à reconstrução de mama imediata
pós-mastectomia não apresentarem complicações graves com relação ao procedimento
cirúrgico, algumas pacientes estão sujeitas a apresentar problemas que podem surgir
em qualquer período do pós-operatório1,4.
As complicações relacionadas à reconstrução mamária podem ser divididas em três
grandes grupos1,2,4:
Complicações locais: infecção, hematoma, necrose;
Complicações relacionadas ao implante: contratura capsular, ruptura ou
exposição do implante, ALCL;
Complicações estéticas: assimetria, rippling.
Este artigo aborda, em termos comparativos, o hematoma de mama e o linfoma anaplásico
de grandes células, com exemplificação de um relato de caso.
OBJETIVO
O artigo tem como objetivo relatar um caso de hematoma tardio pós-reconstrução
mamária, que em um primeiro momento foi sugerido o diagnóstico de ALCL, evidenciando
as principais características para a diferenciação entre esses dois
diagnósticos.
MÉTODO
Coleta de dados a partir de prontuário médico.
RELATO DE CASO
Paciente, G.P.N., 80 anos, com história de neoplasia em mama direita há nove anos.
Na
época do diagnóstico foi submetida, em outro serviço, à mastectomia e reconstrução
imediata de mama com implante de silicone, 455 cc, perfil moderado, texturizada.
Evoluiu há um ano com queixa de crescimento da mama direita, sem outras queixas;
nega dor ou traumatismo local. Solicitado exame de ressonância nuclear magnética e
mamografia pelo mastologista, ambas realizadas no dia 10/04/2018 (Figuras 1 e 2), que evidenciou sinais sugestivos de ALCL. A paciente foi então
encaminhada à cirurgia plástica. Não foi realizado nenhum outro exame
complementar.
Figura 1 - A: RNM de neomama direita evidenciando presença de
coleção periprótese mamária (corte axial); B: RNM de
neomama direita evidenciando presença de coleção periprótese mamária
(corte coronal).
Figura 1 - A: RNM de neomama direita evidenciando presença de
coleção periprótese mamária (corte axial); B: RNM de
neomama direita evidenciando presença de coleção periprótese mamária
(corte coronal).
Figura 2 - Mamografia de neomama direita evidenciando presença de coleção
periprótese mamária.
Figura 2 - Mamografia de neomama direita evidenciando presença de coleção
periprótese mamária.
Apresenta história pregressa de múltiplas cirurgias ortopédicas e episódios
recorrentes de embolia pulmonar, medicações de rotina, entre elas varfarina em dose
terapêutica.
Ao exame físico, a paciente apresentava volume mamário direito aumentado com mama
endurecida, tensa, com presença de irregularidades em região medial sugestiva de
herniação, coloração da pele em polo inferior ligeiramente escurecida. Não foi
identificada linfadenomegalia.
Diante da suspeita de linfoma anaplásico de grandes células, porém sem confirmação
diagnóstica, em paciente anticoagulada, foi optado por tratamento cirúrgico para
esclarecimento do diagnóstico. A curva do RNI da paciente está apresentada no Gráfico 1.
Gráfico 1 - Curva do RNI da paciente, desde o início do acompanhamento, com a
cirurgia plástica, até a abordagem cirúrgica.
Gráfico 1 - Curva do RNI da paciente, desde o início do acompanhamento, com a
cirurgia plástica, até a abordagem cirúrgica.
Foi orientada, pelo cardiologista, a suspensão da varfarina por 14 dias antes do
procedimento cirúrgico, com manutenção de enoxaparina durante esse período.
Paciente compareceu ao Hospital Felício Rocho, no dia 31/08/2018, para abordagem
cirúrgica. Durante o procedimento cirúrgico evidenciou-se grande coleção hemática,
entremeada com a presença de coágulos de coloração marrom e consistência gelatinosa,
compatível com hematoma tardio em organização e liquefação. Foi realizada a drenagem
do hematoma, capsulectomia com envio da mesma para exame anatomopatológico,
colocação de novo implante mamário 610 cc, e locado dreno de pressão negativa.
A paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório, recebeu alta no dia
seguinte. Optou-se por manter enoxaparina em dose profilática por mais seis dias
após a alta hospitalar.
Foi mantida enoxaparina por 10 dias após o procedimento cirúrgico, até a retirada
do
dreno de pressão negativa. Não houveram complicações no pós-operatório.
Resultado de anatomopatológico da cápsula mamária evidenciou pesquisa negativa para
malignidade.
DISCUSSÃO
O aparecimento tardio de coleções ao redor do implante mamário é raro, e sua
etiologia ainda não é bem compreendida. São necessários exames laboratoriais e de
imagem para melhor esclarecimento do diagnóstico, sendo que, toda coleção com
surgimento após um ano de cirurgia ou mais, deve ser encaminhada para estudo
oncológico sob suspeita de linfoma anaplásico de grandes células (ALCL).
Dentre os diagnósticos diferenciais de coleções tardias pós-reconstrução mamária
estão: hematoma, infecção, ruptura do implante mamário, ALCL1,2.
Hematoma
A incidência de hematoma em cirurgia de reconstrução mamária é baixa,
aproximadamente 2% dos casos. Tipicamente, ocorre entre 12 e 24 horas após o
procedimento cirúrgico, sendo este classificado como precoce, e após este
período, classificado como hematoma tardio1,5.
Existem poucos casos relatados e estudos envolvendo a fisiopatologia do hematoma
tardio pós-reconstrução mamária imediata. Os principais fatores de risco
encontrados na literatura são:
Trauma;
Distúrbios de coagulação ou uso de anticoagulantes;
Uso de corticoides no período peroperatório.
Os fatores de risco citados acima, geralmente, cursam com hematomas de início
súbito, associado a dor forte no local de acometimento. A paciente do caso
relatado, apesar do uso de anticoagulantes, não apresentou queixa de dor. Outros
fatores relacionados a quadros insidiosos, são citados a seguir5:
Reação inflamatória exacerbada (comum em uso de prótese de
poliuretano), aumento da permeabilidade capilar;
Contratura capsular, atrito entre a cápsula e o implante.
Não há relato de fator de risco para formação de hematoma relacionado à
localização, incisão ou tipo do implante.
O tratamento do hematoma tardio é similar ao do precoce, envolvendo exploração
cirúrgica do sítio da complicação, drenagem do hematoma e revisão da hemostasia;
qualquer distúrbio de coagulação deve ser corrigido. Não há consenso na
literatura sobre a colocação de novo implante, podendo ser o mesmo, liso ou
texturizado.
Linfoma Anaplásico de Grandes Células (ALCL)
O linfoma anaplásico de células gigantes é um tipo raro de linfoma de células T
que surge ao redor do implante de mama texturizado, em média de 7 a 10 anos após
o procedimento cirúrgico, porém, há relatos do surgimento desta patologia entre
2 e 32 anos após a reconstrução mamária5,6.
Ao exame físico, é detectada coleção fluida ao redor da cápsula em,
aproximadamente, 70% das vezes, sendo que os outros 30% se apresentam como
massa. É de acometimento unilateral na maioria das vezes, sendo raro o
acometimento bilateral, mesmo em pacientes submetidas à reconstrução mamária
bilateral. Lifandenopatia está presente em aproximadamente 20% dos casos.
Uma revisão de literatura publicada por Miranda et al., no
Journal Clinical Oncology, em 2014, de 60 casos publicados de ALCL, de 1997 a
2012, demonstra que3:
A principal forma de apresentação do ALCL, nos casos descritos, é de
seroma, correspondendo a 63% dos casos (Gráfico 2);
Gráfico 2 - Formas de apresentação do ALCL.
Gráfico 2 - Formas de apresentação do ALCL.
Apenas 17% apresentaram linfonodopatias, sendo que, destas, apenas em
60% (10 pacientes) foi confirmada malignidade.
O ALCL deve ser suspeitado em toda paciente que desenvolve seroma após um ano ou
mais de pós-operatório. Para confirmação diagnóstica, é necessária a realização
de um exame de imagem (USG ou RNM das mamas), após a identificação da coleção
deve-se realizar a punção do líquido para estudo de imuno-histoquímica CD304.
Discussão baseada no Relato de Caso
No caso descrito acima, é possível identificar sinais e sintomas sugestivos tanto
de hematoma quanto de ALCL. A Figura 3
demostra esses fatores.
Figura 3 - Comparação entre hematoma tardio de mama e linfoma anaplásico de
grandes células a partir do quadro clínico apresentado pela
paciente.
Figura 3 - Comparação entre hematoma tardio de mama e linfoma anaplásico de
grandes células a partir do quadro clínico apresentado pela
paciente.
A queixa principal da paciente era de assimetria das mamas devido a um aumento
tardio de volume em mama direita. Após a realização da RNM, foi constatada uma
coleção heterógena periprótese; é possível considerar ambas as hipóteses
diagnósticas de linfoma e hematoma a partir desses dados radiológicos. A não
identificação de linfadenopatias em cadeias axilares e torácicas avaliadas pelo
exame de imagem não excluiu a possibilidade do diagnóstico de ALCL, visto que
estudos mencionados anteriormente demostram que a grande maioria das pacientes
não apresentam linfadenomegalia no momento do diagnóstico.
O uso de anticoagulantes em doses terapêuticas pela paciente, devido a patologias
prévias, é um dos fatores de risco para o surgimento do hematoma. O RNI
apresentado pela paciente, no início da investigação diagnóstica, nos faz
acreditar que o uso de anticoagulantes, associado a traumas menores, mesmo não
relatados pela paciente, é o fator causal dessa complicação.
CONCLUSÃO
As complicações cirúrgicas pós-reconstrução mamária são várias, e é importante levar
em consideração as patologias prévias da paciente, assim como a história do
surgimento de cada complicação.
No caso relatado, o hematoma é classificado como tardio, visto que o surgimento desta
complicação ocorreu após nove anos do procedimento cirúrgico. Como fator de risco
relacionado é possível associar a complicação com o uso de anticoagulantes, no
momento dos exames pré-operatórios a paciente se encontrava anticoagulada, com RNI
de 2.81.
O tratamento foi condizente com o preconizado na literatura, que é a drenagem do
hematoma, revisão da hemostasia e capsulectomia total com envio para exame
anatomopatológico para comprovação de ausência de malignidade. Foi optado por
colocação de nova prótese no mesmo tempo cirúrgico.
REFERÊNCIAS
1. Nahabedian M, Gutowski KA. Complications of reconstructive and
aesthetic breast surgery. Oct 2017. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/complications-of-reconstructive-and-aesthetic-breast-surgery?source=history_widget.
Acesso em: 18/03/2019.
2. Clemens MW, Jacobsen E. Breast implant-associated anaplastic large
cell lymphoma. Feb 2019. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/breast-implant-associated-anaplastic-large-cell-lymphoma?source=history_widget.
Acesso em: 28/03/2019.
3. Sabel MS. Clinical manifestations and diagnosis of a palpable breast
mass. Aug 2017. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-a-palpable-breast-mass?source=history_widget.
Acesso em: 20/10/2019
4. Jacobsen E. Treatment of systemic anaplastic large cell lymphoma.
Jan 2019. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-systemic-anaplastic-large-cell-lymphoma?source=history_widget.
Acesso em: 20/03/2019.
5. Nahabedian M. Implant-based breast reconstruction and augmentation.
Jan 2019. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/implant-based-breast-reconstruction-and-augmentation?source=history_widget.
Acesso em: 19/03/2019.
6. Freedman AS, Aster JC. Clinical manifestations, pathologic features,
and diagnosis of systemic anaplastic large cell lymphoma. Oct 2018. Disponível
em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-pathologic-features-and-diagnosis-of-systemic-anaplastic-large-cell-lymphoma?source=history_widget.
Acesso em: 20/03/2019.
1. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Minas Gerais, MG, Brasil.
Endereço Autor: Camila Camargos Bizzotto
Amorim Rua Rio Doce, 15, apto 901 - Belo Horizonte, MG, Brasil CEP
30140-220 E-mail: camilaamorim74@yahoo.com.br