INTRODUÇÃO
Os preenchimentos faciais têm se popularizado nos últimos anos. Esse aumento da
demanda levou a um crescente número de profissionais que buscam capacitação para
realizá-los. Atualmente, os preenchimentos faciais com ácido hialurônico (AH) têm
sido realizados por profissionais da área da saúde não médicos, havendo um grande
aumento da oferta destes procedimentos, levando inclusive a uma desvalorização
desses serviços. Ao mesmo tempo que se realizam mais procedimentos, o volume de
complicações tende a aumentar em proporção inversa à quantidade de profissionais
habilitados e capacitados a resolvê-las.
As complicações pelo uso de preenchedores à base de AH podem ser decorrentes de
inexperiência, técnica incorreta ou inerente ao próprio produto1. Podem ser divididas em precoces (até 14 dias) e tardias. Nas
complicações precoces temos eritema, edema, equimose, hematoma, necrose e nódulos;
enquanto nas complicações tardias podem ocorrer os granulomas e as cicatrizes
hipertróficas2. O profissional médico,
notadamente o cirurgião plástico, é comumente procurado para abordar tais
complicações, havendo uma necessidade de não apenas aprender as técnicas de
preenchimento, como também suas intercorrências, pois, em última análise, é uma
característica que o diferencia no mercado.
OBJETIVOS
Apresentar o caso de abscesso de face após preenchimento com ácido hialurônico
realizado por profissional não médico e realizar uma breve revisão na literatura à
sua abordagem.
MÉTODO
Este trabalho é baseado no relato de caso com revisão do prontuário da paciente
atendida em clínica privada e no Hospital Beneficente Portuguesa de São José do Rio
Preto, SP, Brasil, no ano de 2018. A revisão da literatura foi possível a partir da
busca de artigos afins nos periódicos PubMed e LILACS.
Não foram observados conflitos de interesse, tampouco foram verificadas fontes de
financiamento. Foram seguidos os princípios da Declaração de Helsinque, revisada de
2000, e da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A paciente recebeu o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e autorizou a divulgação das imagens com
objetivos científicos.
RELATO DE CASO
Paciente A.R.V., 53 anos, feminina, natural e procedente da cidade de São José do
Rio
Preto, SP, veio em consultório com queixa de dor, hiperemia e aumento de volume em
face uma semana após ser submetida a procedimento estético com ácido hialurônico,
em
face, por dentista. A mesma relatou que este profissional realizou o procedimento
em
consultório, aplicando em região malar e sulco nasogeniano. No entanto, no segundo
dia após o preenchimento, a paciente evoluiu com dor e edema em hemiface esquerda,
evoluindo para o lado direito no terceiro dia. Ela entrou em contato com a dentista
que manteve conduta expectante, sem mencionar retorno. Edema e eritema foram
progredindo. Houveram outras tentativas de contato sem sucesso, quando optou por
procurar o cirurgião plástico (Figura 1).
Paciente é hipertensa, não é diabética, nem fumante, não tem alergias e passou por
uma cesariana há 30 anos sem intercorrências.
Figura 1 - Sétimo dia de preenchimento.
Figura 1 - Sétimo dia de preenchimento.
No exame físico no sétimo dia após o procedimento, a paciente encontrava-se em bom
estado geral e afebril, com sinais flogísticos em topografia do sulco nasogeniano
bilateral, associado a nódulos dolorosos a palpação, sem flutuação. Na ocasião, foi
iniciada ciprofloxacina 500 mg, 12/12 h, por 7 dias, associada a dexametasona 4 mg,
6/6h, por 5 dias, e analgésico, por via oral, em regime ambulatorial.
No décimo dia do procedimento, evoluiu com uma piora importante do edema, eritema
e
dor em hemiface direita, que se estendeu para todo o terço médio do lado, ocupando
o
subcutâneo da pálpebra inferior direita à mandíbula do mesmo lado, levando a
distopia do ângulo da boca, alterando a mastigação, associado a picos febris
recorrentes no decorrer do dia (Figura 2).
Havia flutuação em região de sulco nasogeniano, permitindo que fosse realizada
drenagem por incisão direta e expressão do conteúdo.
Figura 2 - Décimo dia de preenchimento.
Figura 2 - Décimo dia de preenchimento.
Foi necessária internação hospitalar, início de antibioticoterapia endovenosa
(ceftriaxona 2 g/dia e clindamicina 600 mg, 6/6 h, dexametasona 10 mg, 6/6 h,
associada a analgésicos). A paciente foi mantida internada por cinco dias, quando
teve alta hospitalar após melhora importante do edema, das funções orais, mantendo
sem febre (Figura 3). Continuou com
antibioticoterapia dupla (ciprofloxacina e clindamicina orais) por mais sete dias,
com resolução completa do quadro.
Figura 3 - Décimo sétimo dia de preenchimento.
Figura 3 - Décimo sétimo dia de preenchimento.
DISCUSSÃO
Felizmente, as complicações por preenchedores são raras; no entanto, não exime do
injetor, adequadamente treinado e qualificado, a responsabilidade de realizar o
procedimento com técnicas adequadas de limpeza da pele, uso adequado e cuidadoso das
cânulas e agulhas, e saber atuar nos eventos adversos3. Além disso, antes do procedimento, deve ser realizada uma anamnese
direcionada incluindo histórico de alergias, infecções, sangramento e reações
adversas. Em geral, os preenchedores devem ser evitados em caso de infecção ativa
em
área próxima (intraoral, envolvendo mucosas, dental ou mesmo sinusite), processo
inflamatório adjacente, imunossupressão, alergia aos componentes do preenchedor ou
lidocaína, gravidez e amamentação4. No caso de
foco de infecção ativo ou vigência de tratamento odontológico, é recomendável adiar
o preenchimento, pois tais tratamentos podem causar bacteremia transitória, a qual,
já comprovadamente, possui impacto sistêmico e pode causar doenças, bem como,
teoricamente, provocar colonização do preenchimento e a formação de biofilme de
bactérias5.
O procedimento é realizado de maneira limpa, mas nunca será completamente estéril,
pois apesar de usar a clorexidina 2% e alcoólica para a limpeza, luvas, campos e
gazes estéreis, a agulha pode passar por uma glândula sebácea contendo bactérias,
e
ainda pode haver contaminação hematogênica devido a uma bacteremia acidental por uma
escovação dentária ou uso do fio dental6. É
recomendado ainda não utilizar maquiagem não estéril nas primeiras quatro horas após
o procedimento4.
As infecções de início precoce apresentam endurecimento, eritema, sensibilidade e
prurido, e podem ser indistinguíveis da resposta transitória pós-procedimento, mas,
posteriormente, podem ocorrer nódulos flutuantes e sintomas sistêmicos. As infecções
normalmente são relacionadas com a flora residente (Staphylococcus
ou Streptococcus spp.), introduzida pela injeção; estas bactérias
são capazes de utilizar o ácido hialurônico como substrato6.
Deve ser realizada drenagem do abscesso e cultura microbiológica, com tratamento
preferencialmente guiado por esta. No entanto, como terapia inicial, necessita de
escolha antibiótica empírica, pela urgência do caso7. Pode ser usada a amoxicilina com clavulanato, cefalexina ou até
ciprofloxacina para os pacientes alérgicos à penicilina. Inicialmente, deve ser
realizada medicação via oral, podendo ser necessária a associação de antibióticos
e
mudança da via de administração (endovenosa) a partir da gravidade do caso, e guiada
por cultura6. A extensão da antibioticoterapia
pode durar até 4 a 6 semanas, podendo ser associados esteroides via oral9. No caso relatado, pela evolução dos sintomas
sistêmicos, como também pela progressão das manifestações locais, a equipe julgou
necessário realizar terapia antibiótica dupla endovenosa, que se manteve após
resultado da cultura.
Em infecções mais duradouras, recorrentes ou com má resposta aos antibióticos, devem
ser considerados infecções atípicas e biofilmes8. Estes, são constituídos por uma matriz segregada por bactéria, de
consistência firme, resistente à antibioticoterapia e ao sistema imune3. São também de difícil diagnóstico, uma vez
que a maioria das culturas são negativas, necessitando de estudos moleculares (Algoritmo 1)10. Deve-se incluir, no mínimo, duas medicações: ciprofloxacina e
macrolídeo (claritromicina), durante até 6 semanas. A hialuronidase e esteroides
intralesionais devem ser considerados e, em último caso, excisão cirúrgica da
lesão.
Algoritmo 1 - Manejo das complicações associadas ao biofilme. (Retirada de:
Constantine RS, Constantine FC, Rohrich RJ. The ever-changing role of
biofilms in plastic surgery. Plast Reconstr Surg. 2014; 133:865e.
10)
Algoritmo 1 - Manejo das complicações associadas ao biofilme. (Retirada de:
Constantine RS, Constantine FC, Rohrich RJ. The ever-changing role of
biofilms in plastic surgery. Plast Reconstr Surg. 2014; 133:865e.
10)
CONCLUSÃO
Apesar das complicações com os preenchedores serem raras, elas devem ser conhecidas
pelo profissional que realiza o procedimento. O caso relatado exemplificou que o
médico, notadamente o cirurgião plástico, é comumente procurado em intercorrências
pelo uso de preenchedores, diferenciando-o no mercado.
REFERÊNCIAS
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Plast Reconstr Surg. 2015; 136:120S.
2. Crocco EI, Alves RO, Alessi C. Eventos adversos do ácido hialurônico
injetável. Surg Cosmet Dermatol. 2012; 4(3):259-63.
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10.1097/PRS.0000000000001760.
4. Parada MB, Cazerta C, Afonso JPJM, Nascimento DIS. Manejo das
complicações dos preenchedores dérmicos. Surg Cosmet Dermatol.
2016; 8(4):342-51. DOI: 10.5935/scd1984-8773.201684897.
5. Parahitiyawa NB, Jin LJ, Leung WK, Yam WC, Samaranayake LP.
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132:48S. DOI: 10.1097/PRS.0b013e31829e52a7.
7. Signorini M, Liew S, Sundaram H, Boulle KL, Goodman GJ, Monheit G,
Wu Y, Almeida ART, Swift A, Braz AV. Global Aesthetics Consensus: avoidance and
management of complications from hyaluronic acid fillers - evidence and
opinion-based review and consensus recomendations. Plast Reconstr Surg. 2016;
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8. Rohrich RJ, Monheit G, Nguyen AT, Brown SA, Fagien S. Soft-tissue
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9. Wilson AJ, Taglienti AJ, Chang CS, Low DW, Percec I. Current
applications of facial volumization with fillers. Plast Reconstr Surg. 2016;
137:872e. DOI: 10.1097/PRS.0000000000002238.
10. Constantine RS, Constantine FC, Rohrich RJ. The ever-changing role
of biofilms in plastic surgery. Plast Reconstr Surg. 2014; 133:865e. DOI:
10.1097/PRS.0000000000000213.
1. Hospital Beneficência Portuguesa, São José do
Rio Preto, SP, Brasil.
2. Clínica Nuamces Cirurgia Plástica, São José do
Rio Preto, SP, Brasil.
Endereço Autor: Alexandre Rezende
Veloso Rua José Polachini Sobrinho, nº400 - São José do Rio Preto,
SP, Brasil CEP 15084-160 E-mail: veloso.ar@gmail.com