INTRODUÇÃO
O tendão de Aquiles é formado pela união da aponeurose distal dos músculos
gastrocnêmios medial e lateral com a aponeurose do músculo sóleo, no terço distal
da
perna. É arredondado em sua porção distal até cerca de quatro centímetros do
calcâneo, tornando-se então aplainado. Insere-se na tuberosidade superior daquele,
através de uma camada de cartilagem hialina onde o osso não é coberto por periósteo.
Sua circulação tem vasos provenientes da junção músculo-tendinosa, dos tecidos
conectivos circundantes e da porção distal (óssea-tendinosa). Apesar desses três
sistemas, sua circulação é considerada pobre, principalmente no seu terço médio e
inferior. Recebe na sua porção inferior e superior ramos da artéria tibial posterior
e na porção média, ramos da artéria fibular. O paratendão fornece suprimento
vascular, porém esse é escasso.
Sua função é realizar a extensão plantar, sendo essencial para deambulação. A ruptura
do tendão traz transtornos importantes. Tem como causas a atividade esportiva nos
mais jovens e a ruptura espontânea nos idosos com problemas circulatórios, de origem
inflamatória ou associada a doenças autoimunes. A utilização de medicamentos como
os
corticoesteroides e as fluoroquinolonas, também tem sido implicada na etiologia1.
A exposição tendinosa nos jovens tem como causa principal a complicação do tratamento
da ruptura do mesmo, que ocorre geralmente a 2 a 6 cm do calcâneo1. A presença de corpo estranho (fios de sutura)
e a constrição circulatória da sutura acabam levando parte do tendão à necrose com
formação de fístulas, que podem estar associadas a infecção local. A infecção
pós-operatória ou necrose tendinosa acontecem em 2% a 5% das cirurgias de
reparação2. Por se localizar no terço
inferior da perna, é um dos locais de maior dificuldade de tratamento, pois os
tecidos locais têm pouca elasticidade (Figura 1).
Figura 1 - Fístulas únicas e múltiplas.
Figura 1 - Fístulas únicas e múltiplas.
O tratamento consiste em desbridamento cirúrgico adequado e fechamento da lesão. Este
pode ser direto, quando possível, ou por meio de retalhos locais ou à distância.
Vários autores apresentaram métodos de tratamento bem variados, sempre enfatizando
ser o melhor tratamento. A nosso ver, cada caso tem seu tratamento
individualizado.
OBJETIVO
Os autores apresentam a experiência no tratamento da exposição do tendão de Aquiles,
as técnicas utilizadas e os resultados obtidos.
MÉTODO
Estudo retrospectivo de pacientes operados com exposição do tendão de Aquiles, no
período de junho de 1994 a junho de 2018, nas mais variadas formas de exposição
tendinosa, desde fístula única a múltiplas até grandes necroses tendinosas
expostas.
Foram excluídos os casos atendidos em caráter de emergência com exposição tendinosa.
Esses pacientes foram operados no Hospital Universitário Cajuru e em clínica privada
na cidade de Curitiba, Paraná.
RESULTADOS
Foram operados 42 pacientes nesse período, sendo a maioria do gênero masculino (84%).
A idade média foi de 48 anos, sendo o mais jovem com 19 e o mais idoso com 84
anos.
O tratamento visou o desbridamento cirúrgico adequado com retirada dos tecidos
desvitalizados e cobertura das fibras remanescentes com tecidos bem vascularizados.
Objetivou-se preservar a maior quantidade de tecido viável no local para a
manutenção da função e para que as cicatrizes resultantes não limitassem a excursão
articular do tornozelo.
Nos casos que apresentavam apenas fístulas únicas ou múltiplas (28%), realizamos a
abertura da pele com retirada do tendão desvitalizado e dos corpos estranhos (fio
de
sutura). O fechamento desses se deu por meio de sutura direta da pele e realização
de zetaplastia local quando existia elasticidade (sem fibrose) ao redor da lesão,
com intenção de diminuir a tensão na sutura, evitando assim uma possível deiscência
pela movimentação além de profilaxia da retração cicatricial.
Nos casos que apresentavam perda de tecido maior que as fístulas, realizamos
desbridamento, descolamento e aproximação primária da pele ou por meio de retalhos
locais. Dentre esses, realizamos em um caso mais antigo o retalho baseado na artéria
calcânea lateral com enxertia de pele na área doadora3,7 e em um caso
retalho perfurante (Figura 2).
Figura 2 - Exposição tendinosa com marcação do retalho perfurante; pósoperatório
imediato; pós-operatório tardio.
Figura 2 - Exposição tendinosa com marcação do retalho perfurante; pósoperatório
imediato; pós-operatório tardio.
Em dois casos (5%) em que o tendão viável exposto encontrava-se mais superiormente,
com pouca fibrose local, fizemos cobertura com retalhos do músculo sóleo trazendo
a
porção muscular para frente, sendo um com pedículo proximal e o outro com pedículo
distal. Em um segundo tempo cirúrgico realizamos a enxertia de pele no local, com
bons resultados.
Nos pacientes jovens com maior exposição de tendão viável, nossa indicação foi o uso
de retalhos de pedículo distal como o sural reverso4 (dois casos) e o fasciogorduroso (um caso), como descrito por
Gumener5 (Figura 3).
Figura 3 - Exposição do tendão após desbridamento cirúrgico. Retalho sural
reverso. Pré e pós-operatório.
Figura 3 - Exposição do tendão após desbridamento cirúrgico. Retalho sural
reverso. Pré e pós-operatório.
Em dois casos com grande exposição tendinosa, foram realizados dois retalhos
microcirúrgicos anterolaterais da coxa6, com
posterior lipoaspiração dos mesmos (Figura 4).
Figura 4 - Retalho anterolateral da coxa. Pós-operatório imediato, com 1 ano e 5
anos.
Figura 4 - Retalho anterolateral da coxa. Pós-operatório imediato, com 1 ano e 5
anos.
A maioria dos nossos pacientes (52%) apresentavam grande necrose do tendão exposto,
pois nos foram encaminhados tardiamente. Nesses casos, realizamos a retirada
completa do tendão e fechamento direto da lesão, quando a pele ao redor assim
permitia ou por meio de enxertia de pele parcial, sobre tecido de granulação. Nesses
casos em que realizamos enxertia de pele, os cuidados pós-operatórios como uso de
calçados especiais se fizeram necessários para evitar úlceras locais.
Em todos os casos mantivemos imobilização da articulação do tornozelo em 90 graus
por
três semanas, até a cicatrização do tendão e da pele, quando iniciamos a
fisioterapia (Figura 5).
Figura 5 - Pré-operatório. Ressecção completa com zetaplastia, pós-operatório 6
anos.
Figura 5 - Pré-operatório. Ressecção completa com zetaplastia, pós-operatório 6
anos.
DISCUSSÃO
A cirurgia do tendão de Aquiles é bastante comum e está indicada para as rupturas
agudas e as consequentes a tendinites crônicas.
O tratamento deve ser o mais precoce possível e depende de fatores como: a idade do
paciente, a localização da exposição e as condições do tendão. A intervenção precoce
evita uma maior quantidade de tendão necrosado.
O tipo da reconstrução depende do tamanho da lesão, das condições do tendão e das
condições gerais do paciente, como preconizou Koski e cols. em 20031.
Na maioria de nossos casos, os pacientes eram idosos, com doenças associadas, haviam
sido submetidos a infiltração local com corticoide ou tomavam corticoide ou outros
medicamentos, que favoreceram a lesão e que dificultavam a cicatrização
Nesses pacientes realizamos o desbridamento dos tecidos desvitalizados e, quando
possível, o fechamento direto da lesão. Pudemos notar que nos casos em que foi
possível realizar uma zetaplastia local obtivemos os melhores resultados, sem
retração cicatricial e cicatrização mais rápida da lesão.
Marchesi e cols., em 2016, revisando a literatura, levantaram 69 trabalhos publicados
com intenção de montar um guia de conduta no tratamento desse tipo de lesão2. Relataram que a maioria desses trabalhos se
baseava em casos e séries limitadas de pacientes e mostravam a conduta de cada
cirurgião de acordo com as condições locais e gerais de cada paciente. Concluiu que
a melhor solução, de acordo com a experiência de cada cirurgião e os desejos dos
pacientes, era aquela em que as cirurgias trouxessem menos sequelas à área doadora.
Nesses trabalhos, os retalhos perfurantes locais foram a primeira opção para as
lesões menores, o retalho sural reverso para as lesões de moderadas a grandes e os
retalhos microcirúrgicos para as maiores e mais complexas lesões.
Nos nossos casos realizamos apenas um retalho cutâneo axial local baseado na artéria
calcânea lateral, com boa cobertura do tendão, porém com a área doadora enxertada
em
contato com o calçado, com riscos de ulceração. Acreditamos que os retalhos
perfurantes cutâneos dessa região e mesmo os da região do pé podem ser uma boa
opção8.
Entre os retalhos locais, realizamos em dois casos o retalho do músculo sóleo nas
lesões do terço proximal do tendão, como preconizado por Türker e cols.9 Fizemos um dos retalhos com pedículo proximal
e um com pedículo distal, com posterior enxertia de pele.
Nos casos que apresentavam exposição do tendão viável, preferimos os retalhos de
pedículo distal com pele, que dão uma boa cobertura local e as áreas doadoras quando
enxertadas ficam mais distantes, apesar de deixarem cicatrizes maiores.
Naqueles pacientes jovens, com tendão viável, realizamos em apenas dois dos nossos
casos cobertura com retalho sural reverso.
Em outros dois casos realizamos a cobertura com retalho microcirúrgico anterolateral
da coxa devido à grande extensão da lesão, com bons resultados que necessitaram,
posteriormente, de lipoaspiração para diminuir o volume.
Concordamos com Bae, que comparou os resultados de 15 pacientes operados que
retiraram todo o tendão com o lado contralateral normal, e mostrou com ecografia que
a cicatriz resultante forma uma fibrose parecida com o tendão10. Esses pacientes tiveram função excelente em nove casos e
boa em seis casos. Nos nossos casos em que ressecamos todo o tendão, o resultado
funcional foi igual. Tanto os jovens como os idosos retornaram às suas atividades
físicas normais.
Atualmente, evitamos grandes procedimentos cirúrgicos, principalmente nos mais
idosos, nos quais realizamos o desbridamento cirúrgico e fechamento direto por meio
de sutura. A zetaplastia, quando os tecidos assim o permitirem, facilita a
cicatrização e evita cicatrizes hipertróficas locais (Figura 6).
Figura 6 - Necrose tendinosa; ressecção completa; manutenção da função.
Figura 6 - Necrose tendinosa; ressecção completa; manutenção da função.
CONCLUSÃO
Concluímos que os procedimentos necessários para correção da exposição tendinosa com
necrose varia de acordo com a idade, condições locais e gerais de cada paciente. Os
procedimentos que necessitam a retirada completa do tendão também trazem bons
resultados, com retorno dos pacientes às atividades normais, com poucas sequelas.
Um
procedimento menor, como a ressecção do tendão e fechamento direto pode ser a melhor
conduta, evitando maiores sequelas nas áreas doadoras.
REFERÊNCIAS
1. Koski A, Tukiainen E, Suominen S, Asko-Seljavaara S. Reconstruction
of iatrogenic skin defects of the Achilles tendon region: an analysis of 25
consecutive patients. Eur J Plast Surg. 2003; 26:298-303. DOI: https://doi.org/10.1007/s00238-003-0548-z
2. Marchesi A, et al. Soft tissues defects of the Achilles tendon
region: Management and reconstructive ladder, Review of the literature. Injury;
2016. PMID: 27492062
3. Grabb W, Argenta L. The lateral calcaneal artery skin flap (The
lateral calcaneal artery, lesser saphenous vein, and sural nerve skin flap).
Plast Reconstr Surg. 1981; 68:723-30. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-198111000-00010
4. Donski PK, Fogdestan I. Distally based fasciocutaneous flap from the
sural region. A preliminar report. Scand J Plast Surg. 1983;
17(3):191-6.
5. Gumener R, et al. The reversed fasciocutaneous flap in the leg.
Plast Reconstr Surg. 1991; 88:1034-41. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-199112000-00013
6. Song YG. The free thigh flap: a new flap concept based on the
septocutaneous artery. Br J Plast Surg. 1984; 37:149-59. DOI: https://doi.org/10.1016/0007-1226(84)90002-X
7. Bittencourt RC, Jeziorowski A. Reconstrução dos Membros inferiores.
In: Carreirão S. Cirurgia Plástica para a Formação do Especialista. São Paulo:
Editora Atheneu; 2011.
8. Rocha JR, Bijos P. Reconstrução cirúrgica nos traumatismos dos
membros inferiores. Grandes esmagamentos. Cirurgia Plástica. São Paulo: Editora
Atheneu; p. 729-41.
9. Türker T, Lawson K, Larson EE. Wrap technique to cover exposed
Achilles tendon with the soleus muscle. Eur J Plast Surg. 2017 fev;
40(1):57-60.
10. Bae SH, Lee HS, Seo SG, Kim SW, Gwak HC, Bae SY. Debridement and
Functional Rehabilitation for Achilles Tendon Infection Following Tendon Repair.
J Bone Joint Surg Am. 2016 jul 20; 98(14):1161-7. doi:10.2106/JBJS.15.01117.
DOI: https://doi.org/10.2106/JBJS.15.01117
1. Hospital Universitário Cajuru, Curitiba, PR,
Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Paraná, PR, Brasil.
Endereço Autor: Emelyn Althoff
Fernandes Rua Goncalves Dias, nº 402 - Batel, Curitiba, PR, Brasil
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