INTRODUÇÃO
A craniossinostose é uma alteração morfológica resultante da fusão prematura de uma
ou múltiplas sínfises cranianas, com incidência de 1 a cada 2.000 a 2.500
nascimentos1.
A plagiocefalia refere-se a um plano coronal assimétrico do crânio. Esse formato pode
ser resultante da sinostose coronal unilateral (plagiocefalia anterior) ou da
sinostose unilateral lambdoide (plagiocefalia posterior)2,3.
Um conjunto de alterações mecânicas e bioquímicas no desenvolvimento do crânio são
possíveis causas de craniossinostose4. Um
menor estímulo ao crescimento da calota sobre as suturas levaria a um fechamento
precoce destas5.
Para o diagnóstico, além da história clínica, o exame físico se mostra peça
fundamental. Após suspeita clínica levantada, um estudo radiológico deve ser
realizado, sendo a tomografia computadorizada o método mais acurado6. A tomografia tridimensional, juntamente com
dados antropométricos, tem como fim documentar a existência e extensão da sinostose,
além de visualizar possíveis alterações de parênquima e apresentar fins de
planejamento cirúrgico.
A abordagem cirúrgica, que se mostra necessária em grande parte dos casos,
principalmente naqueles em que há indícios de aumento da pressão intracraniana e
atrasos no desenvolvimento neurológico, deve ser realizada precocemente7. As modalidades de tratamento utilizadas para
a correção da plagiocefalia são diversas, e o momento da intervenção se mostrou
essencial para a decisão da melhor técnica a ser aplicada. Apesar desse momento
ideal de intervenção ainda ser motivo de muita discussão, o que se observou foi que
a abordagem de pacientes com idade mais avançada se mostra até hoje um desafio8.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é propor uma nova abordagem da distração osteogênica como
técnica para correção da plagiocefalia.
MÉTODO
Entre fevereiro de 2005 e fevereiro de 2019, foram tratados três pacientes com
plagiocefalia com a técnica de distração osteogênica. Esses pacientes foram
admitidos no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal (CAIF),
Curitiba, PR.
TÉCNICA CIRÚRGICA
Após a infiltração do couro cabeludo com uma solução de lidocaína e adrenalina, são
feitas suturas contínuas compressivas ao redor da incisão. A incisão é feita em
forma de W atrás da linha do cabelo, e a dissecção no plano subgaleal é realizada
até a margem supraorbitária, evitando lesões supraorbitais e do nervo
supratroclear.
O forame supraorbital é destacado com o uso de um descolador, e a dissecção se
estende no plano subperiosteal liberando tecido periorbitário e borda orbital
lateral. Os cortes propostos à osteotomia frontal são marcados com azul de metileno,
dividindo o osso frontal afetado em duas partes: superior, que engloba o osso
escamoso achatado, e a inferior, correspondente à parte orbitária (Figura 1). A ideia principal dessa técnica é
manter o periósteo entre as duas partes.
Figura 1 - Marcação do retalho.
Figura 1 - Marcação do retalho.
A incisão é feita e o osso é exposto. Uma serra reciprocante e/ou um osteótomo são
usados para realizar a craniotomia sem remover o periósteo entre as duas partes do
osso frontal afetado, de modo que ele seja mantido pediculado e a dura-máter seja
destacada do retalho ósseo (Figura 2). O osso
frontal é deixado in situ, mas projetado como um retalho de avanço.
O teto orbital e as laterais também são osteotomizados e deixados in
situ sem qualquer osteossíntese. Dois distratores cranianos de titânio
são fixados na borda lateral do retalho (osso temporal e parietal), e fixados com
parafusos de titânio no vetor planejado de avanço (Figura 3). As hastes do distrator são colocadas através do couro
cabeludo e exteriorizadas pela incisão (Figura 4). A incisão coronal é fechada com suturas contínuas, sem drenagem, e
curativo não compressivo é aplicado (Figura 5).
Figura 2 - Retalho de avanço.
Figura 2 - Retalho de avanço.
Figura 3 - Dois distratores cranianos de titânio fixados na borda lateral do
retalho.
Figura 3 - Dois distratores cranianos de titânio fixados na borda lateral do
retalho.
Figura 4 - Dois distratores cranianos de titânio fixados na borda lateral do
retalho.
Figura 4 - Dois distratores cranianos de titânio fixados na borda lateral do
retalho.
Figura 5 - Fechamento da incisão coronal.
Figura 5 - Fechamento da incisão coronal.
RESULTADOS
Duas pacientes eram do sexo feminino e um do sexo masculino. A idade média da
realização do procedimento foi de 6,7 anos (3,2 a 9,8 anos). O tempo médio de
distração foi de 120 dias. Um paciente ainda não concluiu o tratamento, e permanece
realizando distração até o período em que este artigo foi escrito.
Apenas uma paciente apresentou complicação pós-operatória após 2 anos do ínicio da
distração. Paciente evoluiu com abscesso em região temporal esquerda, sendo
realizada drenagem e debridamento com sucesso.
Dois pacientes receberam alta com boa evolução pós-operatória, após 10 anos de
acompanhamento.
DISCUSSÃO
O manejo, assim como o diagnóstico dos pacientes com plagiocefalias, exige uma equipe
multidisciplinar, preferencialmente uma equipe de cirurgia craniofacial, e deve
ocorrer preferivelmente nas primeiras semanas após o nascimento9. Tal time irá avaliar desfechos em curto e longo prazo
relacionados à deformidade, incluindo efeitos no crescimento, estado funcional e
estético e bem estar psicossocial do paciente, e com isso definir a melhor conduta
a
ser tomada10.
Nos casos de deformidade leve com fusão parcial da sínfise, sem evidências clínicas
de hipertensão intracraniana ou atrasos no desenvolvimento neurológico, uma conduta
expectante, apenas observacional, é tomada11,12. A intervenção
cirúrgica se mostra necessária quando uma dismorfologia mais significativa é
demonstrada, principalmente quando há indícios de aumento na pressão cerebral. O
tratamento intervencionista tem como objetivos a liberação das suturas fundidas,
permitindo crescimento e desenvolvimento satisfatórios do encéfalo, assim como a
normalização do formato da fronte e cabeça e a minimização do comprometimento
funcional. Estudos mostram que o momento ideal para uma intervenção situa-se entre
o
6º e o 9º mês de vida13. Nosso estudo pode
avaliar pacientes que obtiveram tratamento cirúrgico tardio com sucesso.
Alguns autores defendem que postergar o ato cirúrgico pode resultar em progressão
da
deformidade com possíveis alterações compensatórias secundárias e desenvolvimento
de
problemas neuropsiquiátricos. Já outros alegam que atrasar a intervenção poderia
trazer benefícios como uma menor necessidade de revisões secundárias futuras14.
Fairley e cols. demonstraram que pacientes diagnosticados com plagiocefalia entre
o
1º e o 2º mês de vida poderão ser submetidos à intervenção endoscópica com
realização de craniotomia extensa e osteotomias, preferencialmente entre o 2º e 3º
mês de vida, e posterior tratamento com órteses, uma vez que métodos mais invasivos
poderiam trazer morbidades que suplantariam os benefícios na população neonatal15.
A intervenção mais precoce também é defendida por outros autores, uma vez que a
criança mais nova poderia ter a vantagem de um maior potencial osteogênico e de
crescimento dural e maior maleabilidade óssea16,17. Por outro lado, os riscos cirúrgicos, principalmente
os relacionados à perda sanguínea, em crianças menores são mais consideráveis16,17.
Caso o paciente receba o diagnóstico após dois meses de idade, a cirurgia mostra
maiores benefícios quando realizada entre o 6º e o 9º mês de vida16,17. A idade ideal para realização
das mais diversas modalidades cirúrgicas para correção da plagiocefalia e das demais
craniossinostoses permanece sendo, ainda, motivo de debates entre especialistas,
sendo que uma resposta definitiva para tal questão ainda não foi encontrada16,17. Observamos a realização de
uma técnica cirúrgica, sem complicações significativas, realizada com sucesso em
pacientes na infância.
O objetivo do tratamento primário da sinostose unicoronal gira em torno do alívio
da
assimetria fronto-orbital, sendo a abordagem mais eficaz a reformulação da fronte
e
o avanço fronto-occipital, especialmente nos pacientes mais velhos e aqueles com
dismorfologia mais significativa. Poderá ser realizado um avanço uni ou bifrontal,
dependendo da gravidade da deformação, sendo a craniotomia bilateral quase sempre
necessária, juntamente com o avanço da banda ipsilateral ou bilateral supraorbital.
Classicamente, utilizou-se a técnica convencional de cranioplastia em tempo único,
mas devido a complicações e resultados insatisfatórios, novas técnicas foram
desenvolvidas.
Disponíveis hoje no arsenal terapêutico, encontram-se molas que proporcionam um
movimento ósseo lento e seu reposicionamento na topografia desejada, sendo esse
dispositivo geralmente recomendado para crianças mais novas. Outro dispositivo, e
o
preferível atualmente, é o distrator ósseo para reposicionamento da calota craniana,
promovendo o movimento simultâneo do terço médio facial e região frontal, em
monobloco. Esse processo baseia-se na formação de tecido ósseo novo entre dois
segmentos fraturados e progressivamente separados por meio de tração controlada pelo
dispositivo distrator. Seu uso é mais recomendado em crianças com pelo menos 6 meses
de vida, uma vez que o osso mais jovem apresenta maior fragilidade18.
Como vantagens em relação à cranioplastia clássica, a distração osteogênica traria
um
menor tempo operatório, redução do sangramento e de possíveis coleções extradurais
decorrentes do procedimento, diminuindo a incidência de infecções devido a uma menor
formação de espaço morto, uma maior preservação do suprimento vascular dural e um
menor estresse sobre o escalpo. Por não necessitar de área doadora e ser um processo
de remodelação gradual, seria o mais aconselhável em uma população mais velha, cuja
capacidade de remodelamento ósseo já é mais restrita19.
Iyengar RJ e cols. demonstraram em estudo de coorte com crianças com craniossinostose
não sindrômica e não tratada, com idade média de 6,8 anos, que apesar de
apresentaram maiores índices de cefaleia desabilitante, atrasos de desenvolvimento,
anomalias estéticas consideráveis e malformações de Chiari, a reconstrução craniana
ainda proporciona benefícios no que concerne ganhos estéticos e
funcionais20. No entanto, o aconselhamento das família em relação à
melhor conduta nessa faixa etária ainda se mostra um desafio devido à falta de dados
quanto aos riscos e benefícios em longo prazo. Em nosso estudo, podemos observar um
benefício estético considerável, com poucas complicações.
CONCLUSÃO
A técnica de distracão osteogênica em paciente com idade mais avançada mostrou-se
uma
técnica segura e com bons resultados estéticos funcionais.
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1. Hospital de Clínicas da Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
2. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR,
Brasil.
Endereço Autor: Flávia David João de Masi Professor
Pedro Viriato Parigot de Souza, nº 1805 - Mossunguê, Curitiba, PR, Brasil CEP
81200-100 E-mail: fdemasi@netuno.com.br