INTRODUÇÃO
Defeitos ósseos em membros superiores podem ter diversas etiologias, incluindo
trauma, infecções ou ressecção de tumores. Existem diversas técnicas para
reconstrução, desde as mais simples, como o uso de enxertos ósseos, até
procedimentos de maior complexidade, como a distração osteogênica e o uso de
retalhos ósseos vascularizados. Para a escolha da abordagem mais adequada, devem ser
levados em conta: tamanho do defeito, condição local dos tecidos moles, cobertura
de
tecidos moles e função do membro afetado1.
O retalho livre da fíbula é uma boa opção para a reconstrução nesses casos2. Disponibiliza osso em grande quantidade e com
vascularização confiável, promove suporte mecânico precoce por ser do tipo cortical,
pode ser associado a retalho cutâneo e muscular quando necessário, além de poder ser
associado à distração osteogênica1.
Neste relato de caso, demonstraremos a utilização do retalho livre de fíbula para
reconstrução de defeito ósseo no rádio proximal após ressecção de displasia fibrosa
monostótica, enfatizando o bom resultado estético e funcional do membro.
OBJETIVO
Relatar um caso de reconstrução complexa de membro superior utilizando retalho ósseo
vascularizado com bons resultados.
MÉTODO
Revisão retrospectiva do prontuário eletrônico do paciente.
RESULTADOS
Paciente do sexo masculino, 29 anos, sem comorbidades, encaminhado da Unidade de
Saúde por lesão expansiva em antebraço esquerdo. Realizou ressonância magnética com
achado de lesão expansiva insuflante da medula óssea da região metadiafisária
proximal do rádio. Ao exame físico, observou-se limitação da amplitude de movimentos
no cotovelo e na pronosupinação, com dor local mas sinais de acometimento nervoso
e
vascular.
Foi submetido à biópsia cirúrgica incisional sem intercorrências, com diagnóstico
patológico de displasia fibrosa. Foi então planejada a ressecção completa da lesão
pela equipe da ortopedia e encaminhamento para avaliação com a cirurgia plástica
para reconstrução. Devido ao tamanho da lesão, optou-se pela reconstrução do defeito
ósseo com retalho livre de fíbula.
No intraoperatório, a lesão foi ressecada pela equipe da ortopedia sem
intercorrências, com segmento de aproximadamente 8 cm de osso extirpado, sendo
possível a manutenção da superfície articular do rádio proximal (Figura 1). Para reconstrução, foi realizada a
coleta de retalho osteofasciocutâneo da fíbula direita com aproximadamente 8 cm,
baseada nos vasos fibulares, preservando segmento proximal e distal do osso maiores
que 6 cm. Optamos por manter a ilha cutânea para a monitorização da viabilidade do
retalho no pós-operatório. As anastomoses dos vasos do retalho foram realizadas nos
vasos radiais no antebraço proximal, com pontos simples em nylon 9-0. A fixação do
retalho foi realizada com fios de Kirschner intraósseos pela equipe da
ortopedia.
Figura 1 - Radiografia pré-operatória. Note o aspecto característico em "vidro
moído" no rádio proximal.
Figura 1 - Radiografia pré-operatória. Note o aspecto característico em "vidro
moído" no rádio proximal.
O paciente evoluiu bem no pós-operatório, sem intercorrências clínicas, com o retalho
ou área doadora, recebendo alta no 5º PO. Devido à demora para consolidação óssea,
a
equipe da ortopedia optou por remover os fios de Kirschner após 5 meses da
reconstrução. Avaliação radiológica mostra bom posicionamento do retalho. Na
avaliação clínica, apresenta alguma rigidez no cotovelo e ombro; mesmo assim, a
flexão do cotovelo está preservada. Essa limitação nos movimentos pode estar
relacionada ao período prolongado de fixação, e tende a melhorar com fisioterapia.
Área doadora apresenta bom resultado estético e sem complicações (Figura 2).
Figura 2 - Radiografia de controle no 14º pós-operatório. Retalho ósseo mantém
posicionamento adequado.
Figura 2 - Radiografia de controle no 14º pós-operatório. Retalho ósseo mantém
posicionamento adequado.
DISCUSSÃO
A displasia fibrosa é uma lesão benigna intramedular, com baixo potencial de
malignização (0,4% a 4%), que corresponde a aproximadamente 5% dos tumores ósseos
benignos. Foi descrita pela primeira vez por Lichtenstein em 1938. Pode ser dividida
em monostótica ou poliostótica dependendo do número de óssos acometidos. Na maior
parte dos casos, as lesões são assintomáticas, únicas e achados incidentais em
exames de imagem3.
Em estudo recente com 372 pacientes, foi encontrada predileção pelo sexo feminino
na
proporção de 2:1 e idade média de diagnóstico aos 23 anos. Nos casos sintomáticos,
a
queixa mais comum foi dor óssea (44% dos casos), seguida de fratura em 9%. No geral,
os ossos mais acometidos foram o fêmur, seguido de cabeça, tíbia e costela. Quando
analisados os casos de displasia monostótica, os sítios mais comuns, em ordem
decrescente, são cabeça, fêmur e pelve. Nos casos poliostóticos são fêmur, tíbia e
cabeça. A ocorrência desse tipo de lesão no rádio, como no caso aqui discutido, foi
8,6%4.
É importante lembrar também que esse tipo de lesão óssea pode estar associada à
síndrome de McCune-Albright - displasia fibrosa, puberdade precoce e manchas café
com leite - e síndrome de Mazabraud - displasia fibrosa e mixomas
intramusculares3.
No caso em questão, o paciente iniciou o quadro com sintomas de dor e limitação da
amplitude de movimentos, mas sem fraturas patológicas. Nos exames iniciais, foram
levantadas as hipóteses de tumor de células gigantes ou fibroma condromixoide, sendo
esse o motivo da indicação da biópsia.
Após a confirmação histológica da displasia fibrosa, optou-se inicialmente por não
realizar tratamento conservador ou medicamentoso com bifosfonados, já que o paciente
é jovem, apresenta lesão sintomática e limitação das atividades diárias pela redução
da mobilidade articular do cotovelo. Decidido pela ressecção cirúrgica, foram
aventadas diversas possibilidades para reconstrução.
A literatura demonstra que procedimentos de curetagem e enxertos de osso esponjoso
são associados a altas taxas de reabsorção e persistência ou recorrência das lesões.
Quando possível, o ideal é ressecar a lesão completamente e reconstruir com osso
cortical. Leitos receptores favoráveis e defeitos menores que 6 cm podem ser
reconstruídos com enxerto ósseo cortical e fixação3. Como no caso aqui apresentado o segmento ósseo ressecado foi de 8 cm,
optamos pela utilização de osso vascularizado da fíbula. Apesar de não ser
estritamente necessário, optamos por manter uma ilha de pele para monitorização, que
poderá ser facilmente ressecada em procedimento futuro, caso seja necessário.
Nesse caso, a superfície articular do rádio foi preservada, e a radiografia de
controle no pós-operatório mostra bom posicionamento do osso e bons resultados na
avaliação dos movimentos, apesar de alguma limitação residual devido à imobilização
prolongada.
O retalho livre de fíbula é uma boa opção para reconstrução de defeitos ósseos
significativos no antebraço, com bons resultados e poucas sequelas na área
doadora.
REFERÊNCIAS
1. Gan AWT, Puhaindran ME, Pho RWH. The reconstruction of large bone
defects in the upper limb. Injury Int J Care Injured. 2013; 44:313-7. DOI:
https://doi.org/10.1016/j.injury.2013.01.014
2. Sato R, Hamada Y, Hibino N, Nishisho T, Tonogai I, Endo K, et al.
Restoration of the Active Forearm Rotation Using Vascularized Free Fibular Graft
and Radial Head Arthroplasty for a Wide Defect of the Proximal Radius. J Hand
Surg Asian-Pac Vol. 2017; 22:531-4. DOI: https://doi.org/10.1142/S0218810417720406
3. Dicaprio MR, Enneking WF. Current Concepts Review. Fibrous
Dysplasia. J Bone Joint Surg. 2005 ago; 87-A(8).
4. Benhamou J, Gensburger D, Messiaen C, Chapurlat R. Prognostic
Factors from an Epidemiologic Evaluation of Fibrous Dysplasia of Bone in a
Modern Cohort: The FRANCEDYS Study. J Bone Miner Res. 2016 dez;
31(12):2167-72.
1. Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR,
Brasil.
2. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR,
Brasil.
3. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil.
Endereço Autor: Bruno Guilherme Zampiri de Pieri
Rua Dr. Ovande do Amaral, nº 201 - Jardim das Americas, Curitiba , PR, Brasil
CEP 81520-060 E-mail: brunozpieri@gmail.com