ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Reconstrução total de couro cabeludo: relato e experiência de dois casos
Face I -
Year2018 -
Volume33 -
(Suppl.1)
Estevão José Müller Uliano; Inara do Carmo Lucchese; Diego Fernando Villagra Avila; Mackerley Bleixuvehl de Brito; Zulmar Antonio Accioli de Vasconcellos; Jorge Bins Ely
http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0044
RESUMO
INTRODUÇÃO: O escalpelamento, ato de remover uma parte do escalpo, pode ser facilmente causado por diversos mecanismos como trauma, queimadura, infecção, ablação cirúrgica de tumores e lesões congênitas. Há diversas opções de reconstruções relatadas na literatura.
OBJETIVO: Relatar dois casos de escalpelamentos atendidos e tratados em um Hospital Universitário.
MÉTODOS: Os dois casos de escalpelamento foram tratados com enxerto autólogo em diversos tempos cirúrgicos até a total cobertura da área lesionada.
RESULTADOS: Obteve-se resultado satisfatório após as cirurgias de enxertia de pele nas áreas lesionadas de ambos os casos tratados.
CONCLUSÃO: O enxerto autólogo mostrou-se uma opção viável na reconstrução do couro cabeludo.
Palavras-chave:
Reabilitação; Couro cabeludo; Face.
INTRODUÇÃO
O escalpelamento, ato de remover uma parte do escalpo, pode ser facilmente causado por diversos mecanismos como trauma, queimadura, infecção, ablação cirúrgica de tumores e lesões congênitas. Trata-se de uma lesão grave que, na maioria das vezes, deixa sequelas importantes ao seu portador e, dada sua complexidade, sempre representam um desafio reconstrutivo para neurocirurgiões e cirurgiões plásticos1-3.
Considerando o aspecto tridimensional do crânio, a capacidade de expansão limitada do tecido do couro cabeludo e o aspecto cosmético da região portadora de cabelo, bem como a demanda de cobertura suficiente da cavidade craniana no caso de defeitos cranianos concomitantes, faz-se necessário um amplo espectro de técnicas reconstrutivas. Para este propósito, foram descritos vários procedimentos reconstrutivos, como perfuração da tábua externa, enxertos de pele, retalhos locais de couro cabeludo, retalhos pediculados e retalhos livres4,5.
Nos casos de escalpelamentos em que há periósteo remanescente, o enxerto de pele e os retalhos pediculados são o procedimento de escolha, pois mesmo os grandes danos do couro cabeludo que afetam o periósteo podem ser cobertos com retalhos pediculados. Além do mais, os retalhos pediculados possuem baixa taxa de morbidade e alta possibilidade de substituir, com aparência semelhante, a área lesionada6.
Quando além do trauma do couro cabeludo há o trauma de ossos do crânio e trauma de fronte, faz-se necessária a utilização de retalhos livres para que haja reconstrução mais segura e duradoura6. A realização de retalhos livres é um procedimento cirúrgico realizado em único tempo, provendo a cobertura das áreas desvitalizadas com um tecido viável e bem vascularizado7.
OBJETIVO
O presente estudo tem por objetivo relatar dois casos de escalpelamentos atendidos no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago de Florianópolis - SC, as técnicas utilizadas e o sucesso na evolução das pacientes.
MÉTODOS
Relato de dois casos operados no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HU/UFSC.
RESULTADOS
Caso 1
Paciente R.C.B., 20 anos, feminino, natural e procedente de Xavantina, foi transferida no dia 07/07/2016 para o HU/UFSC com histórico de escalpelamento de aproximadamente 80% do couro cabeludo e áreas de exposição óssea para tratamento cirúrgico. O trauma foi decorrente de acidente de trabalho. No dia 11/07/2016 foi submetida ao primeiro procedimento cirúrgico, quando foram realizados orifícios em calota craniana com drilagem e trepanação devido à grande área de exposição óssea.
Após 33 dias, foi possível observar surgimento do tecido de granulação em grande parte da calota craniana. Foi realizada então a retirada do enxerto em região da coxa direita com dermátomo e feita a expansão do tecido com posterior cobertura de 60% da área craniana exposta e realizada nova drilagem nas áreas onde havia exposição óssea. A remoção de enxerto de área doadora e cobertura da área lesionada foi realizada em mais dois tempos, com 16 e 90 dias após o primeiro procedimento.
Após a segunda cirurgia, a paciente evoluiu com hemiplegia à esquerda sendo necessária a transferência da paciente para avaliação com equipe de neurocirurgia. Observou-se pequeno hematoma e a conduta foi tratamento conservador. Após exames de imagem e avaliação com a equipe especializada, a paciente retornou ao HU para dar seguimento ao tratamento das áreas expostas em couro cabeludo. A paciente recebeu alta após termino do tratamento no dia 13/11/2016 e segue em acompanhamento com o Serviço de Cirurgia Plástica HU-UFSC, com melhora do déficit neurológico e com boa cicatrização do couro cabeludo.
O caso está exposto nas Figuras de 1 a 3. A Figura 1 ilustra a paciente no pré-operatório, a Figura 2 mostra o procedimento de drilagem e a evolução da paciente durante a internação até a pega do enxerto e a Figura 3, o resultado obtido após o tratamento cirúrgico.
Figura 1. A; B e C: Pré-operatório.
Figura 2. A: Procedimento cirúrgico de drilagem; B: Evolução pós-operatória; C: PO imediato de enxertia; D: 30º PO.
Figura 3. A; B; C e D: Resultado final após enxertia.
Caso 2
Paciente V.C.L., 17 anos, feminino, natural e procedente de Içara, foi transferida no dia 25/07/2016 para o HU-UFSC com histórico de escalpelamento extenso. O trauma foi decorrente de acidente de trabalho e acometia aproximadamente 90% do couro cabeludo com áreas de exposição óssea e fronte, associado apresentava fratura de clavícula direita e alteração visual a esquerda.
No dia 28/07/2016 a paciente foi submetida à retirada de enxerto de pele total em região abdominal, drilagem craniana e enxerto de pele precoce em região frontal para evitar retração palpebral. Durante a internação eram realizados curativos e avaliação diária das lesões. Após 55 dias, constatou-se tecido de granulação viável para enxertia de pele no local. Foi então realizado enxerto de pele parcial, sendo a área doadora utilizada a região anterior da coxa esquerda.
No seguimento a paciente evoluiu com necrose parcial do enxerto e infecção local. Após tratamento infeccioso, foi submetida à nova enxertia de pele dia 31/10/2016, enxerto retirado da região posterior da coxa esquerda. A remoção de enxerto de área doadora e cobertura da área exposta foi realizada em mais um tempo cirúrgico 40 dias após o último procedimento. A paciente permaneceu internada até o dia 23/12/2016, apresentando boa evolução e continua em acompanhamento no ambulatório de cirurgia plástica do HU-UFSC.
As Figuras 4 a 6 expõem o caso da paciente e o resultado obtido com a técnica realizada. A Figura 4 relata o momento de admissão da paciente no hospital, a Figura 5 mostra o procedimento cirúrgico e a evolução após o tratamento de drilagem com crescimento de tecido de granulação e a Figura 6 ilustra o resultado obtido após o tratamento.
Figura 4. A e B: Admissão da paciente no Serviço; C: Pré-operatório.
Figura 5. A: Procedimento cirúrgico de drilagem; B: PO imediato de enxertia em fronte; C: Evolução das áreas de granulação.
Figura 6. A; B e C: Resultado final após enxerto.
DISCUSSÃO
A cobertura da calota craniana após avulsão do couro cabeludo sempre foi um grande desafio para os cirurgiões plásticos, visto que ampla área acometida pode impossibilitar a reconstrução com retalhos locais. O escalpelamento é pouco incidente, entretanto, causa repercussões graves, tanto pelo mecanismo de lesão ou consequências psicológicas e sociais. Há um acometimento principalmente das mulheres, devido ao comprimento do cabelo.
Há diversas modalidades de fechamento do couro cabeludo avulsionado. O reimplante é o tratamento ideal para o tratamento, porém a realização do procedimento requer uma equipe treinada e especializada em microcirurgia, assim como a viabilidade do tecido a ser reimplantado. Outras opções citadas na literatura incluem a cicatrização por segunda intenção, com a vantagem de não requerer procedimentos cirúrgicos para reconstrução. O fechamento primário, utilizado para defeitos menores de 3 cm2 de diâmetro, é rápido e com alopecia limitada8,9. A transposição rotacional de avanço local; o retalho regional, utilizado em pequenas e médias reconstruções, com a vantagem de alopecia limitada e única cirurgia. A expansão local dos tecidos e o enxerto de pele.
No presente relato, o enxerto de pele foi o método utilizado pela equipe de cirurgia plástica para a reconstrução das pacientes escalpeladas descritas. O enxerto é um método em que o tempo de cura é rápido e confiável para reconstruir defeitos de couro cabeludo maiores de 9 cm2, como das pacientes do estudo, visto que as duas pacientes apresentavam área de acometimento maior de 80%, o que dificulta outras técnicas cirúrgicas.
Os efeitos indesejados da reconstrução com enxerto são a alopécia, deformidade do contorno com hipopigmentação e morbidade do local doador10. Há certa dificuldade quanto à nutrição do enxerto quando a área exposta se encontra sem periósteo. Para isso, existem três métodos descritos na literatura de nutrição do enxerto.
Uma grande aba pericranial pode ser girada para o defeito, permitindo utilizar o enxerto no mesmo momento ou através de uma aba de "fáscia subgaleal", que contém tecido areolar solto, pediculado de um vaso de couro cabeludo, que pode ser girado para a ferida e imediatamente enxertado11-13. Outra opção é a perfuração do calvário expondo o espaço diploico promovendo tecido de granulação para um enxerto secundário14,15. Este último método foi o utilizado nos casos relatados, visto a maior prática, experiência e eficácia, apesar de haver riscos intracranianos e de cicatrização
CONCLUSÃO
Reconstruções do couro cabeludo continuam sendo um desafio para os cirurgiões, as técnicas frequentemente utilizadas dependem do tamanho da lesão e da experiência do serviço. Nesse estudo pode-se relatar o caso de duas pacientes com avulsão de couro cabeludo tratadas com enxerto autólogo, obtendo resultado satisfatório e boa evolução.
REFERÊNCIAS
1. Jones NF, Hardesty RA, Swartz WM, Ramasastry SS, Heckler FR, Newton ED. Extensive and complex defects of the scalp, middle third of the face, and palate: the role of microsurgical reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1988;82(6):937-52. PMID: 3200957 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198812000-00001
2. Ioannides C, Fossion E, McGrouther AD. Reconstruction for large defects of the scalp and cranium. J Craniomaxillofac Surg. 1999;27(3):145-52. PMID: 10442304 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1010-5182(99)80042-0
3. Beasley NJ, Gilbert RW, Gullane PJ, Brown DH, Irish JC, Neligan PC. Scalp and forehead reconstruction using free revascularized tissue transfer. Arch Facial Plast Surg. 2004;6(1):16-20. DOI: http://dx.doi.org/10.1001/archfaci.6.1.16
4. Mehrara BJ, Disa JJ, Pusic A. Scalp reconstruction. J Surg Oncol. 2006;94(6):504-8. PMID: 17061273 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/jso.20487
5. Wang HT, Erdmann D, Olbrich KC, Friedman AH, Levin LS, Zenn MR. Free flap reconstruction of the scalp and calvaria of major neurosurgical resections in cancer patients: lessons learned closing large, difficult wounds of the dura and skull. Plast Reconstr Surg. 2007;119(3):865-72. PMID: 17312489 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.prs.0000240830.19716.c2
6. Desai SC, Sand JP, Sharon JD, Branham G, Nussenbaum B. Scalp reconstruction: an algorithmic approach and systematic review. JAMA Facial Plast Surg. 2015;17(1):56-66. DOI: http://dx.doi.org/10.1001/jamafacial.2014.889
7. Angelos PC, Downs BW. Options for the management of forehead and scalp defects. Facial Plast Surg Clin North Am. 2009;17(3):379-93. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.fsc.2009.05.001
8. Raposio E, Nordström RE, Santi PL. Undermining of the scalp: quantitative effects. Plast Reconstr Surg. 1998;101(5):1218-22. PMID: 9529204 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199804010-00007
9. Iblher N, Ziegler MC, Penna V, Eisenhardt SU, Stark GB, Bannasch H. An algorithm for oncologic scalp reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2010;126(2):450-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181e09515
10. Desai SC, Sand JP, Sharon JD, Branham G, Nussenbaum B. Scalp reconstruction: an algorithmic approach and systematic review. JAMA Facial Plast Surg. 2015;17(1):56-66. DOI: http://dx.doi.org/10.1001/jamafacial.2014.889
11. Leedy JE, Janis JE, Rohrich RJ. Reconstruction of acquired scalp defects: an algorithmic approach. Plast Reconstr Surg. 2005;116(4):54e-72e. PMID: 16163072 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.prs.0000179188.25019.6c
12. Carstens MH, Greco RJ, Hurwitz DJ, Tolhurst DE. Clinical applications of the subgaleal fascia. Plast Reconstr Surg. 1991;87(4):615-26. PMID: 2008460 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199104000-00003
13. Mehrara BJ, Disa JJ, Pusic A. Scalp reconstruction. J Surg Oncol. 2006;94(6):504-8. PMID: 17061273 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/jso.20487
14. Molnar JA, DeFranzo AJ, Marks MW. Single-stage approach to skin grafting the exposed skull. Plast Reconstr Surg. 2000;105(1):174-7. PMID: 10626988 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-200001000-00030
15. Newman MI, Hanasono MM, Disa JJ, Cordeiro PG, Mehrara BJ. Scalp reconstruction: a 15-year experience. Ann Plast Surg. 2004;52(5):501-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.sap.0000123346.58418.e6
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Endereço Autor:
Estevão José Müller Uliano
Rua Professora Maria Flora Pausewang, s/nº - Trindade
Florianópolis, SC, Brasil - CEP 88036-800
E-mail: estevao.uliano@hotmail.com
All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license